sexta-feira, 6 de junho de 2008

O país dos rodinhas

Ao chegar a Phnom Penh, capital do Cambodja, é impossível não reparar no denso trânsito: carros, poucos veículos mais pesados, algumas bicicletas, bastantes tuk tuks (motos com reboque para transporte de passageiros) e muitas, muitas motos.





Há cerca de 10 anos existiam no Cambodja 39 veículos motorizados de duas rodas por cada 1.000 habitantes [não encontrei dados mais recentes que estes]. Hoje serão certamente muitos mais, talvez o dobro, mas se aceitarmos este valor para a população actual de 14 milhões de habitantes significa que existem umas 500 mil motos no Cambodja. Não parece muita moto quando comparamos com um número semelhante em Portugal [segundo as European Road Statistics]. Mas é muito impressionante se pensarmos que cada português é 12 vezes mais rico do que cada cambodjiano [dados CIA World Factbook: PIB per capita US$21k vs. US$1,8k] – o que, é verdade, pode contribuir para a preferência lusa por automóveis – e que Portugal tem quase 30 vezes mais quilómetros de estradas alcatroadas [dados CIA World Factbook: 67 mil km vs. 2,4 mil km]. Ou seja, enquanto em Portugal existe uma moto para cada 120 metros de asfalto (e, já agora, um carro para cada 16 metros), no Cambodja existe uma moto para cada 4 metros! Isso é bem visível nas ruas de Phnom Penh.

Claro que o ar da cidade não é muito limpo. Fiz um treino longo de corrida pelas principais avenidas, mas fiquei a pensar se não teria sido mais saudável ter ficado a dormir mais duas horas – com certeza muitos glóbulos vermelhos foram inutilizados pelo monóxido de carbono que inspirei.

Segurança não parece ser uma preocupação. Capacetes são um bem de luxo. E raramente se vê um “pendura” agarrado à moto ou ao condutor: vão sentados como se estivessem colados ao assento com Supercola3 e fosse impossível cair da moto. É muito frequente ver mulheres montadas à amazona, as duas pernas para o mesmo lado, com ar de quem vai cair na próxima curva. Felizmente o trânsito é lento, reduzindo o risco de acidentes graves (a velocidade média na cidade deve rondar os 20 km/h: demorei mais de meia hora a percorrer de táxi os cerca de 10 kms entre o aeroporto e o hotel; a correr, sem bagagem, teria demorado uns 40 minutos).

Mas o que mais surpreende e diverte é o número de passageiros por moto: dois, três ou mais! Depois de umas horas na cidade, parecia-me que circulavam mais motos com duas pessoas do que com uma só. Para sair do subjectivo e tornar a análise mais científica (à semelhança de estudos de trânsito realizados pelo Instituto Estatístico Buliano em Dili e em Cabul em 2003), decidi contar durante 10 minutos o número de motos que passavam no Boulevard Monivong, perto do cruzamento com o Boulevard Confederação da Rússia (a 200 metros do Mercado Central), no sentido Sul-Norte. O estudo foi realizado ao fim da tarde, entre as 18:20 e as 18:30 horas, já que mais cedo era muito difícil contar motos com precisão devido à elevadíssima densidade do trânsito. Em 10 minutos passaram 336 motos: 62% (209 motos) com um passageiro, 26% (89) com dois, 10% (35) com três e 1% (3) com quatro passageiros. Afinal a maioria das motos transportava apenas um passageiro, pelo menos naquele horário (ainda fiquei com a impressão de que era diferente a outras horas, mas não repeti a análise).





Nesta viagem, o recorde de passageiros avistado numa moto foi de seis (6-seis-6!): três adultos, duas crianças aparentando pelo menos três anos e uma criança mais nova. Motos com cinco passageiros são uma visão garantida para quem passar dois dias na cidade. Motos como veículo familiar são comuns: pai, mãe e duas crianças. Moto-táxis (além dos tuk tuks) abundam também: ao sair de um templo, ao virar da esquina lá está mais um “taxista” a dar palmadas no assento da moto, sugerindo que nos montemos ali para nos levar onde quisermos. As motos-de-carga são talvez as mais variadas e surpreendentes, como esta de transporte de porcos.





Autêntico país dos rodinhas!