terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Migração livre

“A última vez que você veio aos EUA foi em Dezembro. Como é que eu sei que você não vive aqui?”, perguntou o agente da imigração no aeroporto de Newark. “É uma boa pergunta”, respondi.

Acabou por enviar-me para interrogatório mais detalhado na sala dos suspeitos de crimes contra a humanidade (ou pelo menos contra a “estado-unidensidade”). Eu já tinha preenchido o impresso verde, declarando por minha honra não ser culpado de diversos actos reprováveis (sinceramente, nem li as perguntas, e não me envergonho por isso: tal como qualquer terrorista, já sei que as perguntas são ridículas e que a resposta correcta é “Não”), que mais queriam que eu dissesse?





O agente que me entrevistou a seguir tinha um apelido de origem lusa (um apelido incomum, só recordo que terminava em “eira”). Não achei apropriado comentar, já que tratávamos ali de assuntos muito sérios.

Discutimos quase toda a minha vida com razoável honestidade: o que faço (“consultor freelance” pareceu-me mais apropriado que “reformado”), se tenho um cartão de visita ("não"), até quando vou ficar, como posso ter tanto tempo livre para viajar até aos EUA, se faço tenção de trabalhar nos EUA, o que fazia antes, quanto ganho (até pensei que seria difícil não mentir aqui, mas felizmente ainda ganhei uns salários em 2008, além de alguns juros sobre as minhas poupanças), há quanto tempo estou com a minha namorada, onde nos conhecemos, o que ela faz nos EUA, os telefones dela (verifiquei que ele não tomou nota, não fosse ficar interessado em conhecê-la!), quanto dinheiro trazia comigo, cartões de crédito... se eu corria maratonas (ao detectar um artigo que eu estava a ler sobre os efeitos fisiológicos da maratona)... Vá lá, desta vez não me perguntaram que línguas falava (“árabe, pois claro”) nem se tinha treino militar. Pelo meio interrompeu a entrevista e foi falar com alguém (talvez comentar a minha fotografia “taliban”, com barba de vários meses, no passaporte, e/ou o registo feito em entradas anteriores de eu ter passado pelo Afeganistão em 2003?). A certa altura parecia que tinha esgotado as perguntas e que continuava em dúvida sobre o que fazer comigo.


Curioso, não? Os Estados Unidos da América foram fundados por imigrantes que vieram principalmente da Europa para “colonizar” o “Novo Continente”, esquecendo que o continente só era novo para eles e que já cá havia gente antes. Não muito diferente do que os portugueses fizeram no Brasil e outros lugares, os espanhóis no resto da América Latina, os “australianos” naquela enorme ilha que hoje fecham a tantas chaves... Basta reparar na cor da pele das pessoas em muitos destes lugares para suspeitar de genocídio. Há uns anos sentíamo-nos todos com direito a fazer nossos territórios alheios. Em 1494, portugueses e espanhóis chegaram a dividir o mundo entre eles! Uns com maior sucesso que outros, apoderámo-nos de imensos recursos que agora não queremos partilhar. Hoje abundam as fronteiras fechadas, xenofobismo explícito e implícito, consciente e inconsciente.

O que está em causa não é tanto a integridade nacional (seja isso o que for) ou a segurança pública, mas muito mais a nossa segurança material – a garantia de que vamos manter os “nossos” bens, a “nossa” riqueza. Se nos ajuda a ficar mais ricos, o comércio livre é bom. Se nos obriga a partilhar o que temos, migração livre é má. Não formei uma opinião forte a favor da migração livre [a wikipedia tem um artigo com boas ligações sobre o tema], mas como nómada (certamente muito privilegiado em relação a outros exemplos, como refugiados internacionais tentando escapar de genocídios) não posso deixar de sentir grande simpatia pelo conceito e pensar que certos proteccionismos não parecem muito... humanos. Ou justos.

É verdade que a Declaração Universal dos Direitos do Homem não é famosa por ser seguida com muito rigor, mas, enquanto o artigo 13º estabelece apenas o direito à liberdade de movimentos e residência dentro das fronteiras de cada estado, já o artigo 15º menciona o direito de mudar de nacionalidade (não deixando muito claro até onde deveria ir esse direito).


Pelos vistos ainda não foi inventado um leitor de pensamentos, pois não foi desta que fui considerado persona non grata nos EUA. Com cara de "que se lixe", o agente lá decidiu carimbar os meus papéis enquanto dizia "One important question...". Que mais poderia querer saber?? Como eu já o tinha visto carimbar a papelada, nem cheguei a sentir palpitações nesse momento, pensando que inevitavelmente ele me deixaria entrar. E muda de inglês para português: "De que clube você é?" Sinceramente, suspeito que ele me concedeu entrada no país indeciso, dando o benefício da dúvida por termos algo em comum (além de cabeça, tronco, membros, olhos, cor do cabelo e da pele, pelos vistos a língua e algum pedaço de “portugalismo”). Respondi com sinceridade e um sorriso "Não ligo a futebol". A julgar pelas perguntas no impresso de imigração, quem sabe se ele não me negaria entrada caso eu fosse sportinguista e ele benfiquista?


[Se deixarem de ser publicadas novas bulicenas, pode ser que eu tenha sido entretanto capturado pelos senhores da Segurança da Pátria, do Escritório Federal de Investigação, da Agência Central de Inteligência, ou de alguma outra organização mais obscura cujo nome nem sequer o presidente conhece. Com sorte, irei parar ao centro de torturas de Guantánamo e de lá recambiado para Portugal quando o decidirem fechar.]

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Moda forreta

“Primo, há quantos Natais te vejo com a mesma roupa??”. Foi a primeira coisa que ouvi ao entrar na sala onde estavam todos os tios e primos no tradicional encontro familiar de Natal (sem qualquer tom de censura, apenas curiosidade – a minha família é amigável!) .

Enquanto eu pensava se seria verdade que todos os Natais trazia exactamente a mesma roupa, a minha prima, simpaticamente, tentou arranjar uma explicação para me safar: “Ou tu tens lá em casa um monte de roupa igual?”

“Não... é capaz de ser mesmo a mesma roupa”, respondi. “É que parte da minha roupa está agora nos EUA, então acabo por usar a que tenho em Lisboa, que não é tanta.”

Na verdade até tenho roupa a mais em Lisboa, especialmente t-shirts. Quando passo por Lisboa com mais tempo tento fazer uma nova filtragem e escolher roupa para doar. Mas não há maneira de esvaziar o armário. Para habitante de países “ricos” (que não é a referência ideal para muitas medidas), nunca fui pessoa de ter nem de comprar imensa roupa, mas sempre tive muito mais roupa do que a realmente necessária.

Ao viajar pelo mundo tento levar o mínimo de roupa possível, de modo a aliviar a bagagem. Além disso, o meu forretismo inato leva-me a seguir o lema “não compres hoje o que podes comprar amanhã”. Estes dois factores resultam num “stock” de roupas (quanta roupa tenho em cada momento) relativamente pequeno e num “fluxo” de roupas (quanta roupa “passa por mim” ao longo do tempo, ou quanta roupa “consumo”) muito reduzido. Em linguagem contabilística, roupa é para mim um “investimento” (porque dura bastantes anos e portanto é depreciada ao longo do tempo) e não uma “despesa” (não entra simplesmente nas contas do ano como se fosse consumida num período curto).

Até pensava que o meu stock de roupa era razoavelmente pequeno, mas nada como fazer um inventário exacto para identificar oportunidades de optimização. Neste momento tenho comigo nos EUA:

para uso geral:
  • 13 t-shirts (4 de manga comprida)

  • 2 camisolas

  • 3 calças de sarja/jeans

  • 1 calções

  • 8 pares de meias

  • 6 cuecas

  • 2 calções de natação

  • 1 par de ténis para andar (ténis de corrida reformados)

  • 1 par de chinelos
para correr:
  • 2 pares de ténis de corrida

  • 6 t-shirts

  • 3 calções

  • 1 calças

  • 8 pares de meias

  • 2 impermeáveis

  • 2 pares de luvas
para o frio:
  • 1 casaco

  • 2 fleeces

  • 1 par de luvas

  • 1 cachecol

  • 1 gorro

  • 1 calças de pijama
roupa formal:
  • 2 fatos (calças + casaco)

  • 1 calças

  • 6 camisas

  • 5 gravatas

  • 2 pulôveres

  • 1 par de sapatos

À primeira vista, sem ser demasiado extremo, poderia reduzir alguma roupa se decidisse, por exemplo:
  • Deixar de frequentar ambientes formais, cortando a secção “roupa formal” (claro que neste momento, como reformado, não é algo muito necessário, mas por enquanto prefiro manter a opção aberta)

  • Deixar de viajar, permanecendo num país quente ou num país frio, para deixar de carregar roupa para ambos os climas (em geral evito países frios, o que elimina praticamente a secção “para o frio”)

  • Reduzir o número de t-shirts (mesmo se estivesse num país mais quente, poderia facilmente arranjar-me com metade ou menos)

  • Deixar de correr, e cortar o capítulo “para correr” (não é uma opção!)

  • Reduzir o equipamento de corrida (posso facilmente reduzir 1 calções, 3 t-shirts, 4 pares de meias e 1 impermeável; e se não estivesse num país frio dispensaria o outro impermeável, as calças e as luvas; se necessário, poderia também usar só 1 par de ténis)

Os três anos que passei com base no Brasil exemplificam bem o meu “forretismo” em relação a roupa e calçado, que resulta no baixo fluxo (consumo) de roupas. Durante esse período comprei:
  • 1 calças jeans

  • 2 camisas (para trabalhar)

  • 1 calções de natação

  • 4 ou 5 pares de ténis de corrida (esta é a única peça que se pode dizer que eu verdadeiramente “consumo”)

Além disso, como prendas ou ofertas de provas desportivas, recebi algumas t-shirts, 1 calções de corrida e 1 calções de natação.

Como manter um consumo reduzido de roupa? Simples: usando a roupa enquanto ela dura. Por exemplo, ainda hoje uso uma t-shirt que faz 15 anos em 2009 (de uma prova de pentatlo em 1994, daí que eu saiba a idade com precisão). Os meus famosos calções de corrida “vermelhos” devem ter uma idade próxima. Ainda uso uns calções de praia que a minha mãe diz que são de quando eu tinha 8 anos (acho que é exagero, mas talvez tenham uns 20 anos). Tenho dois calções de natação não para alternar o seu uso mas para usá-los ao mesmo tempo, para que as transparências de um sejam tapadas pela opacidade do outro. Durante um ano usei uns ténis com a sola furada, que me obrigava a verificar a probabilidade de chuva antes de decidir calçá-los. Os únicos sapatos que usei para trabalhar durante os três anos no Brasil (todos os dias exactamente o mesmo par de sapatos) foram comprados em 2002, e só definitivamente(?) reformados este Natal (apesar de, confesso, já andar a achar que não estavam em óptimas condições nos últimos 2 anos, mas... para quê comprar hoje o que posso comprar amanhã?). Os dois fatos que uso em ambientes formais foram comprados quando emigrei para o Brasil, em 2004, e estão longe da reforma. Uma das minhas camisas de trabalho furou no cotovelo, por isso tive de começar a usá-la apenas com as mangas arregaçadas. E adoro usar meias rotas – afinal, ninguém as vê e não incomodam nada, portanto cumprem a sua função!


Corrida de aventura em Caraguatatuba (Brasil) - as minhas calças neste tipo de provas (que custaram US$2 no Exército de Salvação) estavam em tal estado que muitas vezes pensavam que tinha sofrido um acidente: "Que aconteceu com você, cara?!"


A moda foi inventada exactamente pelos desenhadores, fabricantes e vendedores de roupa e calçado para estimular as pessoas a comprarem mais do que realmente precisam. (Seguramente, as motivações intelectuais, estéticas e artísticas são importantes, mas a oportunidade de lucro não deixará de influenciar fortemente, mesmo que inconscientemente em alguns casos, as decisões da “indústria” da moda.) Por óbvio interesse destes grupos (e dos grupos socioeconómicos de elevado poder aquisitivo, que se conseguem distinguir pela roupa, ostracizando quem não tem a mesma capacidade de desperdício), comportamentos práticos, poupados, eficientes, que aproveitam bem os recursos do mundo foram considerados muitas vezes deselegantes, estranhos, ilógicos, impróprios, censuráveis, ofensivos, imorais e até ilegais!
  • Usar todos os dias a mesma roupa (é improvável que seja necessário trocar por questões higiénicas, a não ser para peças íntimas e quando faz muito calor)

  • Usar este ano a roupa do ano passado (é improvável que não esteja em bom estado)

  • Repetir a roupa do último casamento (qual é o problema?!?)

  • Usar roupa de verão durante o inverno (mesmo que as temperaturas o recomendem)

  • Usar roupa “informal” em ambientes “formais”, ou vice-versa (porque é que uma roupa há-de ser “melhor” que a outra?)

  • Não usar roupa nenhuma em público (se não é imoral nem ilegal para todos os outros animais, porque há-de ser para os humanos?)

Quem seria o homem ou a mulher no seu perfeito juízo que formularia tais convenções repressivas e desperdiçadoras?? (Não incluo nesta classificação convenções práticas, úteis, bem pensadas, como por exemplo o uso de batas e outras garantias de higiene por médicos e cozinheiros, ou peças protectoras por quem trabalha em ambientes de risco, como fábricas ou obras.)

Confesso-me totalmente formatado por 32 anos de viver vestido em sociedade, já sem qualquer ambição de gostar da ideia de andar nu em público, por muito calor que faça (senhoras idosas, podem continuar a sair à rua descansadas, sem risco de ataque cardíaco!). Decidi aceitar algumas outras convenções, embora discorde delas, por considerá-las um preço baixo para entrar em alguns jogos que decidi que quero jogar. Por exemplo, nunca me aventurei a ir de calções e t-shirt a reuniões com os meus clientes de consultoria, apesar de desgostar particularmente de roupa formal: dá trabalho a transportar, é cara, soturna e complicada de lavar (a única vantagem é que, pelo menos para homens, acaba por ser um uniforme que ajuda a não dedicar tempo nenhum a pensar no que vestir). Por vezes, para descontrair em algum ambiente demasiado sério, ponho-me a imaginar as pessoas à volta da mesa como macacos de fato e gravata (a la Planeta dos Macacos).

Também costumo ir relativamente “bem vestido” (de camisa, em vez de t-shirt, e às vezes de fato) a cerimónias como casamentos e baptizados, porque – quem diria – é possível que o meu amigo ou familiar, por muito próximo que seja, fique ofendido se eu for mais relaxado! Incrível como podemos colocar a convenção totalmente descabida do que “fica bem” acima do bem-estar, do conforto, da descontracção do outro! Será um sinal de amor, de amizade?

Que saudades dos bons velhos tempos em que passava o verão de calções, incluindo aulas e exames no Técnico, e do ano do MBA, de calções no calor de Singapura. Felizmente, em muitos estabelecimentos de ensino ainda existe algum sentido prático e abertura às preferências de cada um (apesar de haver quem considere isso um sinal de desleixo, bagunça, indisciplina, anarquia, e até de má qualidade de ensino e/ou aprendizagem).

Não tenciono lutar activamente contra este sistema repressivo (sinto que não é aí que devo investir as minhas energias). Quem sabe qualquer dia o Greenpeace começa a manifestar-se à porta dos grandes festivais internacionais de moda para desafiar a ditadura dos armanis, valentinos, chanéis, dolces e gabannas deste mundo. Ou talvez oiçamos as Nações Unidas decretarem “o fim da moda” com um novo artigo na Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo o ser humano tem direito a vestir ou não vestir o que entender, onde e quando quiser.”

Até lá, dentro do possível, manterei a minha moda forreta e não deixarei a minha auto-estima e felicidade reféns da moda do desperdício, das aparências, das convenções irracionais, procurando sempre aceitar as opções de cada um - as mais e as menos convencionais.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Tropa de Elite

Rio de Janeiro. Favelas. Criminosos. Universitários charristas. Polícia corrupta. Novos recrutas idealistas. Forças especiais especialmente violentas – abuso ou necessidade? Pessoas certas no lugar errado. Pessoas erradas no lugar certo. Um mundo fora de controlo.

Tropa de Elite - um filme brutal, não só pela realidade nua e crua, imagens chocantes e linguagem sem eufemismos. Também porque é um filme “chapadão nas fuças”, sobre responsabilidade: a uma escala maior ou menor, quanto é que eu contribuo para a podridão do sistema, qualquer sistema? No Brasil, em Portugal, onde quer que seja. No trabalho, na escola, no desporto, na família... Na minha relação com o Estado, com as “autoridades”. As minhas decisões contribuem para um mundo melhor, mais justo, mais respeitador? Ou estou a alimentar o jogo sujo que cria desigualdade e faz de uns a elite e de outros a escumalha?



quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Inspiração

Às vezes temos momentos difíceis. Parece que nada nos corre bem. Que não somos capazes de cumprir os nossos objectivos. Ficamos tristes, frustrados. Até começamos a acreditar que certos objectivos são simplesmente impossíveis. Humanamente inalcançáveis. Que o nosso corpo, mente, coração ou alma nos limitam e não nos proporcionam as capacidades necessárias para chegar lá. Ou, quando o nosso ego é mais forte, facilmente encontramos explicações exteriores, somos muito criativos a gerar desculpas: não tive sorte, o vento estava contra, o exame era absurdamente difícil, “eles” não fizeram o que lhes competia...

A inspiração certa pode ajudar a superar estes momentos. Podemos encontrar inspiração em nós próprios, visualizando situações anteriores em que nos conseguimos superar e obtivemos sucesso, talvez até para nossa própria surpresa. Ou inspiração em pessoas próximas: um familiar, um amigo, um professor, um colega que parece sempre conseguir chegar aos seus objectivos, dos mais básicos aos mais ambiciosos. Ou em figuras públicas, históricas ou actuais, reais ou fictícias. O importante é descobrir como converter momentos difíceis em força e sucesso.

Talvez não seja assim tão impossível ficarmos mais fortes e chegarmos mais alto e mais longe. Afinal, a maioria de nós tem duas pernas, dois braços, dois olhos, um cérebro e um coração – tudo a funcionar razoavelmente. E mesmo que nem tudo funcione não quer dizer que não consigamos chegar lá. Na ParalympicSport.TV (também no Youtube) podemos encontrar bons exemplos de pessoas que se superam apesar de nem tudo funcionar perfeitamente, como o paraolímpico português Carlos Lopes, com quem me cruzei tantas vezes enquanto corríamos no Estádio Universitário:



segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Nómada

“¿Usted dónde vive habitualmente?”

Pela terceira ou quarta vez em poucos dias a mesma pergunta complicada!

Desta vez menti sem qualquer pudor: “Em Portugal”.

Afinal, tenho passaporte português e neste momento não sou emigrante legal em nenhum país (fora do espaço Schengen). Não chego a ser o que os estado-unidenses chamam um “illegal alien” já que tenho andado a passear pelo mundo com visto de turista, sem violar prazos nem condições.

E quando o rapaz no check-in para o voo Barcelona-Nova Iorque me fez a recurrente pergunta não convinha responder “em nenhum lugar” (a minha sincera resposta habitual) e muito menos “em Nova Iorque” (verdadeiro nos últimos dois meses, mas terrivelmente suspeito para alguém que me pode negar o cartão de embarque para os Estados Unidos).

Como alguém comentou um destes dias, desde 2003 é necessário um GPS para acompanhar o meu paradeiro. Até há pouco tempo não tinha pensado quão estranhos podem parecer os meus hábitos nómadas. De facto, depois de reparar nas perguntas e olhares intrigados de várias pessoas, incluindo amigos próximos, percebi que se eu não me conhecesse tão bem também teria dificuldade em entender como é que alguém pode mudar tão frequentemente de “casa” (“casa” definida como o lugar no qual passo a maior parte do meu tempo). Decidi listar onde vivi nos últimos seis anos (lugares em que passei pelo menos a maior parte de cada mês) e fiquei surpreendido ao verificar que não fiquei mais do que uns seis meses em cada lugar.





Porquê viver assim, sempre de um lado para o outro?
Porque sim, porque gosto de viajar, de conhecer novos lugares e culturas. Sim, tenho saudades da família e dos amigos em cada ponto do globo, especialmente em Portugal, mas a novidade e as experiências fantásticas pelo mundo, a aprendizagem, as interacções com as pessoas, amigos ou desconhecidos, continuam a alimentar o meu nomadismo. E como é bom voltar de vez em quando a Lisboa e apreciar como nunca a cidade espectacular, os amigos de sempre e para sempre, a proximidade com a família.

Como é possível viver assim? Essas viagens não ficam muito caras?
Não é tão complicado do ponto de vista financeiro; antes pelo contrário, o nomadismo pode até ser uma forma de poupar. Passei grande parte dos últimos anos a trabalhar como consultor em projectos com duração de um a seis meses. Sempre me voluntariei para fazer projectos “fora de casa”, para poder conhecer novos lugares. Fui a trabalho a Timor-Leste, Afeganistão, Brasil, Porto Rico, México, El Salvador, Dubai, Chile, Colômbia, Itália, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Índia... Os voos, alojamento e alimentação nesses lugares foram obviamente reembolsados, dado tratarem-se de viagens de trabalho, portanto pude poupar grande parte do meu salário.

Quando é que vais parar?
Quando me cansar. Quando concluir que prefiro estar parado a estar em constante mudança. Vejo algumas vantagens em parar (e algumas desvantagens), como poder estar mais com quem queira estar (desde que partilhemos o mesmo lugar – será complicado estar com pessoas de diferentes nacionalidades), ou poder comprometer-me mais em projectos profissionais, desportivos ou outros que exijam estabilidade geográfica (mas ficar mais limitado para aqueles que exigem mobilidade). Por enquanto, as vantagens da vida nómada superam claramente as desvantagens.

Onde é que vais parar?
Não faço a mínima ideia... Talvez no cemitério? (Mas preferia ser incinerado, depois de reciclado o mais possível.) Vamos ver onde a vida me leva!






Marcha dos Desalinhados - Delfins

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Cobertura financeira

[Notas: (1) Este artigo está focado em $ e ignora muitos temas críticos para a felicidade humana; isso não quer dizer que $ seja o mais importante na vida – simplesmente reconhece a sua influência no bem-estar de muitos de nós. (2) As bulicenas não incentivam acções ilegais, antes pelo contrário; não especialmente por serem ilegais mas por muitas vezes serem imorais e diminuírem a felicidade no mundo]


Em algum dia menos(?) produtivo na minha vida de consultor, ocorreu-me um conceito muito simples mas que me pareceu surpreendentemente informativo (e particularmente relevante numa altura em que só se fala da “crise financeira”):



Cobertura financeira = (quanto $ tenho) dividido por (quanto $ preciso para viver)



Se dividirmos as nossas posses actuais por quanto precisamos para viver num mês (ou noutra unidade de tempo), obtemos uma estimativa de quanto tempo podemos viver sem trabalhar (“trabalhar” entendido aqui no sentido estrito de fazer algo em troca de uma compensação financeira). Ao contrário do valor absoluto das nossas posses, a cobertura financeira é uma óptima medida da nossa riqueza material!

Por exemplo, se eu tiver poupanças no valor de 20.000 Euros e considerar que posso viver com 1.000 Euros por mês, significa que posso viver durante 20.000 / 1.000 = 20 meses sem trabalhar.

Como maximizar a cobertura financeira? Obviamente, aumentando quanto $ tenho e reduzindo quanto $ gasto.





À primeira vista pode parecer que isto não é contigo, que é só para privilegiados que ganham salários chorudos (futebolistas, pilotos de F1, artistas de Hollywood, consultores, ...) e não para o povão que se tem de arranjar com uns trocos ao fim do mês. Talvez penses assim porque estás muito focado em quanto tens/deverias ganhar, e não em quanto realmente precisas. Alguém que reduza as suas necessidades praticamente a zero (como os sadhus hindus, num exemplo radical) eleva a sua cobertura financeira (ou seja, a sua riqueza material) para perto do infinito! Nem todos podemos fazer o mesmo, mas talvez algumas ideias abaixo possam funcionar para ti. Como é típico de consultores, não se trata de nada muito criativo ou sofisticado: simplesmente senso comum organizado.

Quem está já reformado ou satisfeito com o trabalho e com as finanças talvez não se queira preocupar com $ e não se interesse por este artigo. Mas mesmo para ti, felizardo, será que gastar menos e ganhar mais não poderá permitir aumentar as poupanças e aplicá-las em causas mais nobres (ajudar os desfavorecidos, cuidar do ambiente, aumentar a felicidade no mundo...) que as das empresas que alimentam o teu consumo? E muitas das reduções de gastos correspondem a comportamentos mais ecológicos.


Reduzir quanto $ gasto

É incrível como temos tendência a definir os nossos gastos em função de quanto ganhamos. Ainda me lembro de um almoço na minha primeira semana de trabalho remunerado (a tempo inteiro) em que o meu chefe partilhou a sua sabedoria comigo e outro colega: “Sabem, tipos como nós, que todos os anos vão ser aumentados em pelo menos dois dígitos [mais de 10%], não precisam de se preocupar com as despesas, podemos ir sempre melhorando o nosso padrão de vida”.

Algum leitor adepto desta filosofia poderá exclamar: “Claro! Algum problema com isso?” Depende. Se quiseres (e puderes!) trabalhar para sempre em actividades que te dêem igual ou maior rendimento, então força, boa sorte, gasta à vontade e espero que sejas feliz!

Eu sou adepto de fazer aquilo que quero. E não quero estar dependente de um trabalho que possivelmente não me satisfaça só porque tenho contas a pagar. Gosto de sentir a liberdade de escolher onde quero investir a minha vida, o meu tempo, as minhas energias, o meu ser, não necessariamente em actividades remuneradas.

É habitual as pessoas preocuparem-se por “ganhar mais” para obter essa liberdade e suprirem os seus desejos materiais. Mas muitas vezes é mais fácil reduzir gastos do que aumentar ganhos: basta focar-nos em eliminar fugas de $, reduzir as nossas necessidades materiais (sem reduzir a nossa felicidade, antes pelo contrário!) e reduzir os custos das necessidades que decidirmos manter.

Eliminar “fugas” de $ – Uma fuga de $ é um fluxo de $ que sai regularmente da nossa posse sem darmos por isso (e não me refiro a furtos ou fraudes electrónicas). “Como é que isso é possível??” É possível porque somos muitas vezes consumidores irracionais ou inconscientes, e adquirimos bens ou serviços que não suprem qualquer necessidade real. E também porque há muitas empresas “espertinhas” que se dedicam a fazer negócio à custa de consumidores distraídos. Por muito atentos que sejamos, vai sempre escapar qualquer coisa. Como podemos descobrir estas “fugas”?


  • Mantendo uma lista exaustiva de despesas (todas mesmo! Excel é bastante prático, para quem usa), pelo menos durante um mês (mais do que isso depende da avaliação custo/benefício de cada um), para poder analisar todas as despesas e assinalar as que são “fugas” porque não correspondem a qualquer necessidade. Alguns exemplos de fugas de $ que poderão ser identificadas desta forma:

    • a anuidade do cartão de crédito que nunca usamos

    • a taxa de manutenção da conta bancária sem fundos há vários meses

    • a conta mensal de TV por cabo, usada para ver um filme de vez em quando

    • a assinatura do telemóvel que só usamos para atender chamadas

    • a mensalidade do ginásio que frequentamos uma vez por mês

    • o seguro, impostos e desvalorização do veículo que fica parado o ano todo

    • a assinatura do jornal ou revista que raramente lemos

  • Analisando outras possíveis fugas, mais subtis e difíceis de identificar por serem indirectas, por exemplo:

    • fugas de água: goteiras, fluxo excessivo do autoclismo, torneira aberta enquanto escovamos os dentes ou nos ensaboamos, duches desnecessariamente longos, máquinas de roupa ou louça a funcionar quase vazias (também fuga de electricidade)

    • fugas de electricidade: consumo basal mesmo quando achamos que está tudo desligado em casa, devido a aparelhos em standby, uso pouco eficiente da energia (p.ex., luzes acesas sem ninguém presente, ou sem aproveitar luz natural; frigorífico regulado para temperatura demasiado baixa; aquecimento ou ar condicionado ligados quando não está ninguém em casa, com janelas mal vedadas ou sem primeiro ajustar roupa no corpo)

    • fugas de combustível: consumo excessivo devido a motor mal afinado, condução agressiva, velocidade exagerada

    • fugas de alimentos: comida deitada fora por ter passado do prazo, por exagero ao servir o prato ou por não aproveitar totalmente o conteúdo das embalagens


Reduzir necessidades – Os leitores mais austeros e atentos podem achar impossível encontrar necessidades materiais a reduzir, mas se revirem com atenção aquilo que é realmente crítico e o que é supérfluo com certeza encontrarão alguma oportunidade, por pequena que seja, para:


  • Eliminar totalmente alguma “necessidade” (p.ex., abdicar de deslocações de carro, a ponto de o poder vender; decidir estabilizar geograficamente e parar de viajar de avião de um lado para outro; deixar de fumar; deixar de beber café na rua; despedir o “personal trainer” e passar a treinar sozinho; etc.)


  • Manter necessidades mas reduzir o grau de uso (p.ex., usar menos o carro, podendo vendê-lo e passar a alugar quando for necessário; usar menos o telemóvel; trocar de telemóvel apenas quando ele deixou realmente de funcionar; comer fora menos vezes; reduzir actividades de lazer dispendiosas; fazer menos viagens de fim-de-semana; cortar ou arranjar o cabelo com menos frequência; reduzir custos com prendas de Natal – bom artigo aqui, já agora, não me ofereçam nada por favor!; etc.)


Reduzir custos das necessidades – Mesmo que decidamos que certa necessidade é essencial para a nossa felicidade, há sempre oportunidades para reduzir os custos a ela associados:


  • Pedir bens/serviços emprestados, obtendo o benefício sem custo ou com custo reduzido:

    • a familiares ou amigos (p.ex., quarto ou casa para alojamento ou para um evento, carro para determinada viagem, algum aparelho para uma necessidade pontual, acesso a um canal por cabo para assistir a um programa especial, etc.)

    • a desconhecidos (na Internet encontram-se muitos exemplos de site que facilitam trocas entre desconhecidos, p.ex., alojamento grátis por todo o mundo através do projecto CouchSurfing, troca de casas para férias através do HomeExchange, partilha de livros no BookCrossing)

  • Usar bens/serviços mais baratos, por exemplo:

    • comprar produtos de marcas mais baratas ou de “marca branca” em vez de produtos “de marca”

    • fazer compras em super/hipermercados de “desconto” (em Portugal, redes como Plus, Lidl, Minipreço)

    • passar de um telemóvel pós-pago para um pré-pago de tarifário de baixo custo (p.ex., em Portugal, Rede4, Vodafone Directo, Uzo)

    • comprar produtos com menos “extras” (computadores, carros, ...)

    • escolher uma alimentação mais económica (p.ex., menos carnívora)

    • viajar “low cost”, preferindo meios de transporte mais baratos (bicicleta, autocarro, comboio, linhas aéreas low cost) e alojamento barato (parques de campismo, pousadas, etc., em vez de hotéis com muitas estrelas)

  • Adquirir os mesmos bens/serviços a preços mais reduzidos, por exemplo comprando:

    • após pesquisa exaustiva do melhor preço (compras de maior valor justificam mais investimento na pesquisa)

    • a pronto em vez de em prestações

    • em saldos e promoções (existem sites que ajudam a encontrar boas oportunidades, como o FatWallet, focado nos EUA; amostras grátis são um caso especial mas geralmente de acesso limitado)

    • com menos intermediários, ou sem eles (p.ex., comprando um carro ou uma casa directamente ao proprietário e não através de agentes)
    • em canais mais baratos (como lojas de desconto, Internet – p.ex., os livros na Amazon são sistematicamente mais baratos que nas livrarias)

    • em segunda mão (se mantiver qualidade aceitável, p.ex., livros usados na Amazon, roupa e mobília no Salvation Army, ou Exército da Salvação, múltiplos produtos na Feira da Ladra, física ou online, e em sites como Miau, eBay, Craigslist)

    • em outros países onde seja mais barato (emigrando para um novo país, viajando até lá, ou cravando um amigo para fazer o transporte)


Reduzir gastos em 10% equivale a aumentar automaticamente "quanto $ tenho" em 11% (porque esse $ vai durar mais 11%), e ao mesmo tempo a receber um aumento de salário semelhante! Não é de deitar fora, pois não? Mesmo que alguma destas reduções pareça ridícula, vale a pena ponderar. Será melhor manter o gasto ou dedicar a poupança a uma causa mais nobre? E que tal reduzir o impacto ambiental da minha existência?

Uma forma mais radical e mais trabalhosa de reduzir gastos é começar do zero: pegar numa folha de papel em branco e ir listando necessidades, possíveis opções para as suprir e decisão - comprar ou não. E não fazer compras que não tenham sido devidamente "autorizadas" - a burocracia ao serviço da poupança!

E claro que é fundamental manter uma atitude constante de consumo racional, de poupança (até de austeridade, se trouxer felicidade), para evitar incorrer em gastos sem sentido. Em cada momento de potencial consumo pensar "Preciso mesmo disto? Vou ser mais feliz? O mundo vai ficar melhor? Tem de ser hoje? Justifica as horas de trabalho que demorei a ganhar este $?" Se alguma resposta for "Não" talvez a compra deva ser cancelada ou adiada.

Se estás entusiasmadíssimo com a possibilidade de reduzir gastos drasticamente e reformar-te imediatamente, posso recomendar a cidade de Rishikesh, no Norte da Índia, onde é possível viver com cerca de 1.000 Euros por ano – suficiente para alojamento num genuíno ashram, alimentação tradicional indiana e mais umas pequenas coisas – ou, na versão deluxe, mais uns 500 Euros para aulas diárias de yoga e meditação.


Aumentar quanto $ tenho

O último extracto da conta bancária e de eventuais investimentos (certificados de aforro, acções, ...) diz-nos quanto $ temos neste momento. Pode ser uma constatação deprimente para muitos leitores, mas as boas notícias são que existem várias estratégias para aumentar esse valor, rápidas ou a longo prazo, fáceis ou (mais provavelmente) nem tanto: vender bens, ganhar mais, obter “patrocínios”.

Vender bens – Porque não vender bens que não são estritamente necessários para a nossa felicidade? Cada um terá os seus exemplos, menos ou mais valiosos: livros, revistas, discos de vinil, cassetes áudio ou VHS, CDs, DVDs, roupa, sapatos, relógios, telemóveis, iPods, câmaras fotográficas e vídeo, computadores, obras de arte, móveis, electrodomésticos, ferramentas, brinquedos, jogos, instrumentos musicais, equipamentos desportivos, patins, bicicletas, motos, automóveis, barcos, aviões, casas, terrenos, ... (E não quer dizer que tenha de viver sem usufruir do tipo de bem vendido: posso vender a casa ou o carro para comprar um mais barato.) Em Lisboa, a Feira da Ladra pode ser um bom local para a venda (no Campo de Santa Clara, às Terças e Sábados a partir das 6 da manhã), e claro que já há uma versão online. Existem outros sites na Internet que facilitam a revenda de tudo e mais alguma coisa, como Miau (Portugal), eBay (sem versão portuguesa) ou Craigslist (disponível para Portugal).

Ganhar mais – Ganhar mais é o sonho de muitos... Há algum truque mágico para conseguir torná-lo realidade? Provavelmente não, mas talvez ajude pensar nas principais alternativas:


  • Arranjar emprego (para quem não tem neste momento uma actividade remunerada)


  • Conseguir aumento no actual emprego – Depende da situação de cada um, mas tudo é negociável... Algumas opções para gerar mais $ no trabalho:

    • fazer horas extraordinárias (se elas forem pagas!)

    • mudar para um horário (p.ex., nocturno) que seja mais bem pago

    • mudar para uma função mais bem paga (nem sempre tem de ser uma promoção)

    • mudar para um país mais bem pago ou com menos impostos (p.ex., quando mudei para a Índia passei a ganhar metade do meu salário na mesma empresa no Brasil – claramente não era meu objectivo maximizar quanto $ ganhava; no Dubai não existe IRS!)

    • trabalhar de forma aplicada, competente, etc., e lutar pela promoção

    • fazer a formação necessária para obter uma promoção

    • simplesmente pedir um aumento (devidamente justificado)

    • garantir que todas as eventuais despesas de trabalho são reembolsadas (viagens, refeições, etc.)

  • Negociar outras condições com o empregador, que podem ter igual ou maior valor que aumentos de salário, por exemplo:

    • subsídios de transporte ou alimentação

    • carro da empresa

    • espaço no parque da empresa para poupar nos parquímetros

    • seguros (de saúde, acidentes pessoais, ...)

    • acesso a condições especiais da empresa na compra de bens ou serviços nos quais gastaríamos de qualquer forma (p.ex., supermercado, equipamentos, serviços de saúde, espectáculos, viagens, ...)

    • apoio financeiro para fazer um curso relevante em horário pós-laboral (que possivelmente levará a uma promoção e consequente aumento)

    • dias de férias ou de licença sem vencimento que permitam ganhar ou poupar $ (p.ex., participando numa outra actividade remunerada, poupando nas férias por serem em época baixa, ...)

    • horário de entrada flexível (p.ex., para poder entrar e/ou sair fora da hora de ponta e poupar $ utilizando transportes públicos, e/ou tempo que pode ser aplicado em actividades remuneradas ou que poupam $)

    • local de trabalho (p.ex., mais próximo de casa, permitindo poupar nos transportes e tempos de deslocação)

    • trabalho a partir de casa (para poder poupar nos transportes, na roupa de trabalho, nas refeições fora de casa, no infantário das crianças, ...)

  • Mudar para emprego mais bem pago – Fora questões motivacionais, etc., será que estamos a investir o tempo onde ele é melhor recompensado? Há quanto tempo não analisamos a alma e o mercado para ver onde gostaríamos de estar? O que seria necessário para conseguir aquele emprego bem melhor?


  • Arranjar mais empregos/actividades remuneradas – Se ainda sobra algum tempo, energia e motivação... porque não procurar alguma outra actividade remunerada? Não tem de ser necessariamente chata. Podemos tentar rentabilizar algo que sabemos (e, idealmente, gostamos) de fazer e pelas quais alguém esteja disposto a pagar: escrever, pintar, cozinhar, cuidar de crianças ou de idosos, tocar música, tirar fotografias, programar computadores, servir de guia, intérprete, treinador, professor, conselheiro, consultor, ...


  • Investir bem as poupanças – Quem tem poupanças, por pequenas que sejam, deve garantir que estão minimamente bem investidas (para os juros pelo menos compensarem o efeito da inflação; 1.000 euros podem gerar 30 euros por ano, se passarem de uma conta corrente de baixa ou nula remuneração para um depósito a prazo que renda 3% líquidos ao ano – já dá para pagar algumas coisinhas, não?). Quem, como eu, não gosta do risco da bolsa (suspeito que neste momento muita gente se inclui neste grupo!), pode ficar por investimentos mais seguros como certificados de aforro (aqui um simulador) ou depósitos a prazo (aparentemente com melhores juros ultimamente: p.ex., taxas brutas de 4% no Banco Big).


Obter “patrocínios” – Nem só super-atletas conseguem patrocínios, o ser humano comum também pode conseguir apoios de vários fontes:


  • Família e amigos - Paitrocínio, mãetrocínio, avõtrocínio, tiotrocínio, irmãotrocínio, amigotrocínio... tantas opções! “Mas queres que eu vá mendigar ao pessoal??” Mendicidade não é a única opção – existem algumas menos radicais, como por exemplo:

    • herança de um familiar ou amigo

    • donativo para uma causa que eles consideram válida, na qual tencionávamos gastar de qualquer forma (p.ex., estudos, programa de voluntariado, ...)

    • empréstimo que permita fazer um investimento seguro (de outra forma impossível) que traga retorno suficiente para pagar o empréstimo e aumentar “quanto $ tenho” (p.ex., completar um curso, abrir um negócio, etc.)

  • Instituições de ensino, fundações, etc. - Algumas instituições oferecem apoios para certos projectos ou prémios por determinados méritos. Será que não somos elegíveis? Apoio para cursos, investigação, viagens, ... Prémio por um estudo, texto, desenho, ...


  • Empresas - Até uma empresa totalmente focada em lucro pode alinhar num patrocínio que cubra determinadas despesas de vida. Criatividade não é a minha especialidade, mas, só para dar alguns exemplos, porque não pedir apoio para iniciativas como:

    • passar um ano fechado em casa utilizando unicamente equipamentos de determinada marca e escrevendo um blog a partilhar a experiência

    • viajar de Lisboa a Pequim num carro a energia solar

    • dar a volta ao mundo pagando unicamente com determinado cartão de crédito

  • Comunidade - Desconhecidos podem ser uma intrigante fonte de apoio, por vezes para iniciativas aparentemente tão pouco merecedoras como uma mega-campanha eleitoral, pagar dívidas pessoais, fazer cirurgia estética ou simplesmente deixar alguém mais rico! Fenómenos destes são provavelmente estadounidenses, mas quem sabe não podem inspirar ideias com valor? Em caso de desespero, talvez mendigar seja uma opção... mas antes de chegar lá, que tal voltar ao início e rever necessidades? Em cada iteração aparecem sempre novas oportunidades!



Recursos online

Ao pesquisar para escrever este artigo encontrei um site português muito bom, exactamente sobre como poupar dinheiro (e também um pouco sobre como ganhar mais dinheiro) – tem vários artigos excelentes com indicações muito práticas.

Outro blog português muito bom com discussões sobre finanças pessoais (poupanças, investimentos, etc.) é o de Pedro Pais.


Ferramenta de cálculo

Os mais atentos terão reparado que a equação da cobertura financeira está muito simplificada e omite vários factores relevantes:


  • Juros sobre o $ que tenho (que pode ser investido, por exemplo em depósitos a prazo)

  • Inflação (que vai inexoravelmente reduzir o valor da nossa riqueza ao longo do tempo)

  • Possibilidade de receber uma pensão da segurança social após a reforma

  • Probabilidade de eu querer (ou ter de) trabalhar mais uns anos de qualquer forma, e por isso esperar ter maiores poupanças quando me decidir reformar

  • Probabilidade de os meus gastos variarem ao longo do tempo e não serem constantes para sempre (por exemplo, se aparecer um filho na equação, ou uma doença grave [não estou a sugerir que sejam fenómenos semelhantes!], é de esperar que os gastos aumentem significativamente)


Para tornar os cálculos ligeiramente mais completos, mas ainda assim simplificados (juros, inflação e gastos são considerados constantes no tempo, não considera eventual pensão após a reforma), criei uma ferramenta de cálculo, acessível aqui para quem tem Excel ou programa compatível (quem não tem pode experimentar Zoho ou Google).

[Actualização: Se te interessa este tema, vê também esta nova ferramenta: a Folha Forreta®!]

Divirte-te a calcular a tua cobertura financeira, especialmente se o dia de que mais gostas for o dia de S. Receber!






[Certamente, a análise aqui apresentada está longe de ser completa. Envia comentários com as tuas ideias!]

domingo, 2 de novembro de 2008

Maratona de Nova Iorque

Missão cumprida! Terminei a maratona de Nova Iorque em 2h57'51”!! Fui 802º entre os 38.096 atletas que terminaram a prova em menos de 10 horas (resultados completos aqui).


Em milhas é mais fácil!

Esta foi, sem dúvida, a mais fácil das minhas cinco maratonas até ao momento. Na melhor forma de sempre (para maratonas), com baixas temperaturas e muito apoio, tudo fica mais fácil: parece que a distância é reduzida, e o sofrimento também.

(Nota: Podem consultar o percurso da maratona aqui)



Foto: brightroom



Já em cima da ponte Verrazano-Narrows (Staten Island-Brooklin), onde seria dada a partida, sentia-me preparadíssimo para a maratona. Treinos excelentes nos meses anteriores, com qualidade, sem lesões, recuperação rápida de treino para treino. Sem quaisquer dores ou cansaço no corpo (pés, pernas, joelhos...), bem dormido. Boa alimentação (hidratos de carbono!) nas vésperas e no próprio dia. Desperdícios líquidos e sólidos libertados. Café uma hora antes da partida, porque consta que promove a queima de gorduras, poupando valioso glicogénio. (Aha! Afinal não estou livre de drogas! Ok, ok, confesso que este ano devo ter tomado uma meia dúzia de cafés, todos por razões desportivas...) Corpo quente, graças às calças e casaco comprados no Salvation Army (US$4 pelas calças, US$5 pelo casaco!, para os poder deixar na partida no último minuto) e ao aquecimento de 10 minutos em corrida lenta. Dia espectacular: céu azul, quase limpo de nuvens, frio mas não gelado (entre 5 e 10ºC). Adrenalina em cima. Venham as 26 milhas!




Roupa do Salvation Army



Tiro de partida! Os primeiros atletas começaram a correr ao som de Frank Sinatra: “Start spreading the news...”. Na minha partida (havia três pontos de partida simultânea) ficámos a olhar para os atletas de elite a passar ao lado (pareciam ir devagar!), até que reparámos que o pessoal à nossa frente tinha começado a avançar e iniciámos a nossa peregrinação até ao Central Park.



Foto: brightroom



As duas primeiras milhas fizeram-se quase sem dar por elas, ultrapassando atletas na ponte. À entrada no Brooklin apareceram os primeiros dos milhões de espectadores prometidos, a fazer bastante barulho.



Foto: brightroom



Pouco depois surgiu a milha 3 e o km 5: “Já?! Isto está a passar rápido! Já lá vai quase 1/8 de maratona!”.



Foto: brightroom



No km 5 passei pelo primeiro tapete de detecção de chips (além do da linha de partida) e imaginei as bulicenas a serem actualizadas com o meu tempo e o pessoal a acompanhar à distância e a mandar apoio através de intensas radiações telepáticas! Cada vez que passava por um tapete – a cada 5 kms, na meia-maratona, em cada milha entre a 16 e a 26 e na meta – ficava sempre animado ao imaginar a informação a ser actualizada e os leitores das bulicenas a mandar mais energias de apoio. Obrigado pessoal!

Perto da milha 4 estavam a Sílvia e a Mei Yee, muito animadas e animadoras, no primeiro ponto combinado. Energia recarregada a 120%!





Irracional mas verdadeiro: correr em milhas é (psicologicamente) mais fácil! Cada milha que passava eram 1,6 km, em 3 milhas já lá iam quase 5 km... Apenas 26 milhas em vez de 42 km!! Fiquei surpreendido com a rapidez com que aparecia cada nova milha. A ajudar a passar o tempo claro que estava o público e os atletas companheiros de aventura, mas também os postos de abastecimento (a cada milha), que se viam de longe e davam logo aquele ânimo de “mais uma milha!” (ou “menos uma”).

O temido vento estava contra. Foi a primeira coisa em que tinha reparado ao sair de casa às 6:30 da manhã: as bandeiras esvoaçando para Sul... nem tudo pode ser perfeito. Durante a prova, notei o vento especialmente na 4ª Avenida no Brooklin, onde corríamos uma recta de Sul para Norte, entre as milhas 4 e 8. Ao verificar que conseguia manter o ritmo pretendido, deixei de reparar – afinal, não havia nada que eu pudesse fazer (experimentei algumas vezes ficar atrás de outros atletas, a ver se me protegia do vento, mas não senti grande efeito e acho sempre algo claustrofóbico ir “na cola”).



Foto: brightroom



Túnel de energia

No Norte do Brooklin, por volta da milha 10, o público estava incrivelmente animado. Na Avenida Bedford, num trecho um pouco mais estreito que tornava o público mais próximo e obrigava os atletas a correrem num pelotão mais compacto, formou-se um autêntico túnel de energia. Os espectadores gritavam alto, por vezes em resposta a um berro de um atleta mais inspirado, e formava-se uma ressonância espectacular: de repente éramos todos campeões olímpicos e os nossos depósitos de energia voltavam ao nível máximo (como nos jogos de computador, quando apanhamos um objecto que restabelece a energia a 100%). Obrigado pessoal!

Até perto da meia-maratona (13,1 milhas; ponte entre Brooklin e Queens) tudo foi bastante fácil, como deveria ser (se corresse a primeira metade em esforço provavelmente não conseguiria completar a maratona). O ritmo estava perfeito. Tinha alguma vontade de fazer uma paragem nas boxes (nos WCs portáteis disponíveis em cada milha) mas fui adiando a paragem até ao final e acabei por poupar esses segundos. Comecei a sentir as pernas e pela primeira vez lembrei-me de que em algum momento apareceria o senhor sofrimento.


Estádio olímpico

Na milha 16 (ponte de Queensboro, entre Queens e Manhattan) iniciei a contagem decrescente: 10 milhas para o final, 9, 8... Pela primeira vez fiz a conta básica: “10 milhas x 7'/milha = 70 minutos, a somar a 1h48' que já lá vão... quer dizer que mesmo que o meu ritmo piore para 7'/milha [a média estava em 6'47”/milha] ainda devo conseguir baixar das 3 horas!!”. Mas rapidamente pensei que 7'/milha não era assim tão lento, e que bem poderia acontecer que os últimos kms fossem mesmo muuuuito lentos e portanto tinha de me concentrar em manter o ritmo até o mais tarde possível.

À saída da ponte de Queensboro, ao entrar na 1ª Avenida em Manhattan, tornei-me o líder da maratona à entrada no estádio olímpico! Fortes aplausos, gritos ensurdecedores, energia, muita energia.... Ali estava uma ruidosa multidão (invisível e silenciosa para quem vinha na ponte) que se espalhava por umas três milhas.

Durante a milha seguinte olhei bastante para o público à procura de caras conhecidas que tinham combinado estar por ali. Mas a multidão era tão densa que a probabilidade de as encontrar era muito baixa. Foquei-me em apreciar o público e sintonizar as antenas para recolher energias telepáticas.

A longa recta entre as milhas 16 a 20 fez-se bem, com energia extra graças ao espectacular público. Apesar de não sentir calor, pela milha 18 decidi tirar a camisola de manga comprida, para ver se o frio me ajudava a superar os difíceis kms finais. Por essa altura passámos no posto de abastecimento de PowerGel, que nos recordava que as nossas reservas de glicogénio deveriam estar praticamente a zero e o “muro” poderia aparecer a qualquer momento...



Foto: brightroom



Onde está o “muro”?

Na milha 20 (km 32, famoso ponto a partir do qual o “muro” costuma atacar) entrámos no Bronx, mas logo na milha 21 saímos. A reentrada em Manhattan, a 5 milhas da meta (pouco mais de meia hora!), deu-me bastante ânimo: “só” faltava entrar no Central Park e terminar! As pernas estavam cansadas, algo doridas, mas ainda conseguia dar passadas normais. Surpreendido, não notei sinais do “muro”. Mas suspeitava que ele poderia aparecer a qualquer momento e nada estava garantido.



Foto: brightroom



Após a milha 22 iniciámos uma longa e razoavelmente inclinada subida na 5ª Avenida. Do lado direito estava já o Central Park! No fim da subida, após a milha 23 (5 kms para terminar! Só mais uns 20 minutos!!), entrámos à direita no Central Park e iniciámos uma montanha russa de duas milhas, com bastantes mais descidas que subidas (para alegria de todos os corredores), que me ajudaram a fazer uma 24ª milha razoável (voltei a fazer os cálculos - começava a ser difícil não fazer menos de 3 horas!!) e uma 25ª milha rápida (uma das mais rápidas de toda a corrida).



Foto: brightroom



Última milha!

Uma milha para o final e o muro não tinha aparecido!! Continuava razoavelmente lúcido (apesar de na foto parecer estar a dormir uma sesta...), nem sinais de quebra! Animei-me e dei ordens às pernas para acelerar ligeiramente o ritmo, dar tudo até ao final. E elas obedeceram!





Passei novamente pela Sílvia e pela Mei Yee. A concentração e o cansaço não permitiram distinguir os berros conhecidos entre os anónimos, mas com certeza que o apoio delas ajudou a tirar uns segundos naqueles metros finais!

Já era oficial: pela primeira vez em cinco maratonas não ia sentir o muro! Entrei na rua Sul do Central Park e vi ao fundo a estátua do Cristóvão Colombo, no Columbus Circle. Mais ou menos 1 km para a meta! Verifiquei também que aquela rua é a subir! Nunca tinha reparado, e já passei por ali tantas vezes. Não desanimei – mantive o ritmo forte e continuei a ultrapassar atletas mais cansados.

Meia milha para o final! Por essa altura passei pelo Miguel e pela Christine, cujos berros também não consegui distinguir da multidão. Estava totalmente focado na estátua do Colombo ao fundo e no ritmo forte para acabar.



Foto: brightroom



Finalmente entrei no Columbus Circle e virei à direita para o Central Park – meta a pouco mais de 400 metros! Olhei à volta à procura de caras conhecidas e encontrei logo o Paulo e a Ju, muito animados e com um cartaz com palavras de apoio que a velocidade não permitiu ler. Adrenalina bem em cima, a camuflar quaisquer dores ou cansaços. Tinha entrado no que me parecia um “ritmo louco” para voar os últimos metros.



Foto: brightroom



400 jardas para o final... 300 jardas... Quase não notei a última subida antes da meta... 200 jardas... A meta estava já ali! Cruzei a meta com a lucidez suficiente para “posar” para uma eventual foto final e só então parei o cronómetro: 2 horas, 57 minutos e 50 e tal segundos!! Missão cumprida!



Foto: brightroom



No mesmo instante em que senti a alegria do objectivo alcançado, a adrenalina eclipsou-se. As pernas, que momentos antes galgavam asfalto, agora não queriam nem andar! De repente, ficou frio! Foi então que comecei as duas milhas mais difíceis de todo o dia: caminhar até à saída do Central Park, na rua 85, e depois de volta ao Columbus Circle para encontrar os amigos e celebrar!





Tempos realizados vs. planeados

Eu próprio fico, modestamente, fascinado com a minha capacidade de estimar tempos de corrida. Demonstra um razoável conhecimento do meu corpo e das minhas capacidades. Como se vê na tabela abaixo, os tempos realizados na maratona foram muito próximos dos planeados (erro inferior a 1% em quase todas as milhas). Só houve uma ligeira divergência a partir da milha 16, porque eu tinha planeado ser um pouco mais rápido naquela fase da corrida, até à milha 22, e a partir daí tinha previsto “morrer” e ter de entrar num ritmo lento a que felizmente fui poupado!





O melhor público do mundo

Não sei se eram os 2,5 milhões estimados pelos organizadores (média de 60 pessoas por metro de percurso, ou seja 30 pessoas/metro de cada lado... parece-me um pouco exagerado), mas havia muita muita gente ao longo da maratona. Além das pontes, onde o público não tinha acesso, havia poucos metros sem gente. Mas, mais do que estar lá a assistir passivamente, como acontece em muitas provas, o pessoal em Nova Iorque faz questão de gritar, aplaudir, fazer barulho.

E o apoio não é anónimo, para o grupo de atletas em geral: sempre que possível, os espectadores identificam o atleta (por alguma palavra escrita no equipamento, às vezes simplesmente pelo número de prova) e dão apoio individualizado, gritando os nomes dos atletas, dos seus clubes, etc. No meu caso, porque levei na maior parte da prova, devido ao frio, uma camisola de uma corrida no Brasil, dos Bombeiros de São Paulo, de vez em quando ouvia “Go Bombeiros!”. Pode parecer que não faz grande diferença, mas saber que alguém olhou para mim e me dedicou um apoio especial energiza-me e responsabiliza-me: “tenho de ir bem!”.

Sem dúvida, o melhor público do mundo.

Devo confessar que fiquei um pouco desiludido com as bandas de música ao longo do percurso. As minhas recordações da maratona de Madrid'2001 eram de bandas talvez a cada 5 km, mas que tocavam tão alto que se ouviam uns 500 metros antes e uns 500 metros depois, e me deixavam com o ritmo na cabeça quase até à banda seguinte. Em Nova Iorque a maior parte das bandas eram pouco barulhentas e geralmente eu só reparava nelas no instante em que passava mesmo em frente. E como às vezes havia outra banda poucos metros depois, raramente dava para perceber o que elas estavam a tocar. Acho que nenhum ritmo ficou na cabeça por mais do que uns segundos. Acredito que menos bandas e mais barulhentas teriam maior impacto.

A maratona também proporciona prognósticos para as eleições presidenciais americanas: Obama vai ganhar. De vez em quando aparecia um espectador com um cartaz de apoio ao Obama (por exemplo “High fives for Obama here”) ou um atleta com algum dizer nas costas tipo “We can do it”. Zero para o McCain. No mínimo, por alguma razão, adeptos do Obama são mais propensos a participar e assistir a maratonas demonstrando publicamente as suas preferências políticas.


Os melhores voluntários do mundo

Segundo os organizadores, a maratona de Nova Iorque conta com mais de 6.000 voluntários, dedicados às mais diversas funções: dar indicações para garantir que os atletas chegam ao ponto de partida correcto na ordem correcta no momento correcto, oferecer abastecimento de água e Gatorade a cada milha, prestar assistência médica, indicar o caminho durante a corrida, felicitar e ajudar os atletas após a meta, etc. etc. etc.



Foto: brightroom



Mais impressionante que a quantidade de voluntários era que eles não só correspondiam à responsabilidade que tinham aceite, mas também mostravam genuíno interesse, alegria, preocupação pelos atletas. Nos postos de abastecimento, a cada milha, além de estenderem a mão com copos de água ou Gatorade, os voluntários gritavam palavras de incentivo “mile 12!”, “way to go!”, “you look great!”. Após a meta, dezenas de voluntários em fila aplaudiam e felicitavam os atletas pelo “great job!”. De vez em quando algum perguntava “are you ok?”, “do you need help?” com sincera preocupação. Seria impossível morrer ali sem ninguém dar por isso (ao contrário do que senti em Mumbai, onde logo após a meta entrei numa multidão de anónimos que facilmente ignoraria um corpo ali caído por vários dias).

Extraordinário. Verdadeiros voluntários, que, como o próprio nome sugere mas nem sempre corresponde à verdade, faziam o seu trabalho com vontade. Obrigado!


Os vencedores

Os vencedores da maratona foram ambos repetentes na façanha. A primeira mulher foi a inglesa Paula Radcliffe, recordista mundial na maratona e detentora de quatro dos cinco melhores tempos de sempre na distância, que já tinha vencido em Nova Iorque em 2004 e 2007.



Foto: brightroom



O primeiro homem foi o brasileiro Marilson Gomes dos Santos, que tinha vencido em 2006, surpreendendo a concorrência africana, que não fazia ideia de quem ele seria, com uma fuga na milha 20. Este ano ganhou após uma recuperação fantástica na última milha, quando ia em segundo a uns 10 segundos do líder.



Foto: brightroom



Cobertura televisiva

Aqui podem encontrar imagens televisivas da maratona: reportagem completa da NBC Sports (5 horas – óptima para ter uma ideia de tudo o que se passa à volta deste mega-evento), maratonas masculina e feminina completas (2h-2h30m – foco exclusivo nos vencedores), e resumos de dois minutos sobre os vencedores masculinos, femininos, de corrida e cadeira de rodas.


Próximas loucuras?

E agora que alcancei este objectivo e que a adrenalina se foi... que loucuras se seguirão?

Para já nada muito definido, mas com certeza surgirão ideias a executar! Esta semana é de repouso semi-activo para recuperar bem e rápido. Andar, nadar devagar, alguma corrida lenta e curta mais para o final da semana.

Dia 20 ou 21 de Dezembro tenciono participar no Troféu Marquês do Funchal de pentatlo moderno, em Lisboa, por isso vou concentrar-me em treinar natação e investir em corrida para ganhar velocidade (dentro do possível no relativo pouco tempo entre recuperar da maratona e a prova) e estar na melhor forma possível para nadar 200 metros e correr 3 km. As logísticas do tiro, esgrima e hipismo não facilitam o treino, portanto vou confiar que ainda me lembro como se fazem.

Quanto a maratonas, há sempre novos objectivos possíveis: até ao recorde do mundo (2h03'59”, do fantástico etíope Haile Gebrselassie, na maratona de Berlim deste ano) há muito a melhorar! Tenho pelo menos mais 4 a 6 anos para melhorar a minha forma física (o não menos fantástico e tuga Carlos Lopes foi campeão olímpico em Los Angeles'1984 – com recorde olímpico que durou até Pequim'2008 – aos 37 anos, e recordista do mundo na maratona de Roterdão em 1985, aos 38 anos!). Gostaria pelo menos de melhorar o meu recorde até às 2h48m, que era o tempo que esperava – talvez um pouco irrealisticamennte – ter conseguido fazer logo na primeira maratona. Para acreditar que posso fazer esse tempo, “basta” continuar a trabalhar velocidade/limiar anaeróbio para voltar a fazer 1h20' na meia maratona (ou menos – o meu recorde, de 2000, é 1h17') e resistência para aguentar um ritmo de 15 km/h (4'/km) durante toda a maratona, e escolher um percurso plano numa cidade onde faça bastante frio na altura da prova.

Irei dando notícias!

2008 ING NYC Marathon Alert

Latest Results at 12:42:12 PM:
Location Time Pace/mile
5km0:20:436:40
10km0:41:486:43
15km1:02:496:44
20km1:23:436:44
Half-Marathon1:28:156:43
25km1:45:106:46
Mile 161:49:246:50
Mile 171:55:076:46
Mile 182:01:516:46
30km2:06:086:45
Mile 192:08:356:46
Mile 202:15:296:46
Mile 212:22:276:47
35km2:27:476:47
Mile 222:29:216:47
Mile 232:36:056:47
Mile 242:43:096:47
40km2:48:516:47
Mile 252:49:496:47
Mile 262:56:266:47
Finish2:57:516:46

All times are unofficial. Times may vary in post race official results.


New York Road Runners

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A postos!

É já no Domingo: a maratona de Nova Iorque. Após meses de preparação, estou pronto para mais um desafio de 42,195 quilómetros. Depois de ter completado a maratona de Mumbai em 3h20min no dia 20 de Janeiro, o objectivo é agora bater o meu recorde pessoal na distância (3h03, na minha primeira maratona, há 8 anos) e terminar abaixo das 3 horas: 2 horas, 59 minutos e 59 segundos seria fantástico.

Como posso ambicionar melhorar o meu tempo em 20 minutos apenas nove meses depois? É fácil: há por aí uns laboratórios que produzem umas pastilhas espectaculares que nos fazem mais rápidos, mais fortes, mais resistentes, mais inteligentes e outros efeitos maravilhentos em muito pouco tempo. Brincadeira! No último ano talvez tenha tomado uma ou duas pastilhas para combater alguma constipação, mas de resto estou totalmente limpo – venham os controles anti-doping! Limpo de drogas, de álcool e praticamente de carne também... Como é que posso julgar-me capaz de tal desempenho?

Após a maratona de Mumbai analisei os factores internos e externos a influenciar para melhorar o meu tempo e defini a estratégia de ataque. [Aviso: os parágrafos que se seguem poderão ser esotéricos ou entediantes para os menos interessados em detalhes técnicos ou simplesmente palavrosos]


Factores internos

Para além da mente (psicologia), identifiquei os principais factores “internos” que eu poderia influenciar na minha preparação – a minha resistência, velocidade e peso:

Resistência: Claro que é preciso resistência (i.e., capacidade de realizar um esforço físico de longa duração) para terminar uma maratona. Essa resistência obtém-se fundamentalmente com treinos longos (no meu plano, até 36-37 km). Nesta preparação fiz mais treinos acima de 2 horas do que para maratonas anteriores (foram sete). E certamente bati o meu recorde de kms corridos em 7 dias seguidos: na semana entre 28/Set e 4/Out corri mais de 8 horas em 5 treinos, totalizando cerca de 110 km. Essa semana começou com a meia-maratona de Newport, que completei em 1h23'48” (não corria uma meia-maratona tão rápida desde Buenos Aires em 2005, e antes disso desde 2002). Quatro dias depois fiz um treino de 37 km e, depois de apenas um dia de descanso, corri uma nova meia-maratona (no Central Park), que esperava fazer mais devagar dado não poder ter recuperado ainda do treino longo, mas que terminei em pouco mais de 1h24'! Foi uma semana muito animadora para manter as aspirações de baixar das 3h na maratona.




Foto: Ken Shelton Photography

Na meia-maratona de Newport, por volta da milha 9 (alguma figura conhecida na foto? não, não me refiro ao tipo de barba...); nesta prova comecei a aprender a "correr em milhas"! quem diria que uma meia-maratona tem 13,1 milhas?



Velocidade: Correr uma maratona em 3h exige uma velocidade média (14 km/h) mais rápida que a minha velocidade habitual em treino (ultimamente perto dos 12,5 km/h). Desde que deixei o pentatlo competitivo em 1999 praticamente deixei de fazer treinos rápidos de corrida e passei a participar em provas com reduzida frequência – por isso tenho perdido bastante velocidade. Nas vezes em que treinei para as anteriores maratonas nunca consegui fazer treinos de velocidade ao mesmo tempo que aumentava a quilometragem (estava tão cansado a recuperar dos treinos longos que era impossível pensar em treinos rápidos, além de que há sempre um maior risco de lesão quando se aumentam as duas variáveis: volume e intensidade). Desta vez decidi arriscar e fiz, pela primeira vez em bastantes anos, séries de corrida (repetições de 400, 800 e 1000 metros) e treinos de limiar anaeróbio (20 a 40 minutos a ritmo de meia-maratona). São treinos mais duros, de algum sofrimento, mas que geram um estranho bem-estar pós-treino e que me fizeram sentir cada vez mais forte e mais rápido, sem ficar cansado nem lesionado – recuperei muito bem de um treino para outro.

Peso [queridos pais, podem saltar este parágrafo!]: Sem dúvida, se eu pesar menos conseguirei correr mais rápido com o mesmo esforço. Entre Abril e Julho, sem qualquer esforço nesse sentido, simplesmente graças a uma maior actividade física (juntando a natação e o ciclismo à habitual corrida) e alimentação mais regrada (menos açúcar e menos gordura), perdi cerca de 3 kgs. Pela primeira vez em 15 anos a minha avó e os meus pais podem afirmar com verdade “estás mais magro!”. Nos últimos 15 anos o meu peso tinha sido praticamente constante: uns 66 kgs (excepto dois períodos “negros” em que cheguei a escandalosos 69 kgs). Depois de ter perdido estes 3 kgs que pensava ser impossível perder, concluí que ao longo do tempo tinha transformado músculos em gordura – agora noto que realmente a minha barriga e as minhas pernas estão mais “secas” (segundo algumas medições – sabe-se lá se fiáveis – efectuadas em Julho, a minha taxa de gordura corporal era inferior a 10%).


Factores externos

Os principais factores “externos” que identifiquei, influenciáveis ao escolher a maratona a correr, foram o clima, o percurso e a animação:

Clima: Já pude observar que o meu desempenho sofre bastante com a temperatura ambiente. Mais frio, mais rápido. Mais quente, mais lento e mais cansado. Isso foi especialmente evidente nas quentes e húmidas maratonas de Singapura (2003) e Mumbai (2008). Por isso já tinha decidido há algum tempo que teria de escolher uma maratona “fria” para bater o meu recorde. Nova Iorque é excelente: segundo o site da prova, a temperatura média no dia da prova tem sido de 13ºC. No fim-de-semana passado achei que ainda não estava suficientemente frio e pensei como seria bom se arrefecesse um pouco... Alguém me ouviu e decidiu regular o termóstato para os 4-5ºC... brrrrrrrr! Agora estou a achar que está demasiado frio e já nem sei bem que devo vestir para a prova. Uma variável climática que não tinha considerado é o vento: aqui venta forte e, infelizmente, nem sempre a favor. O percurso da maratona é mais Sul-Norte do que Norte-Sul... portanto o sentido em que sopre o vento será determinante para eu manter ou não as minhas ambições de tempo final.

Percurso: Claro que um percurso plano é mais fácil que um percurso com subidas e descidas (melhor que plano só o percurso da meia-maratona da Ponte 25 de Abril, que só tem descidas!). Segundo os entendidos, o percurso da maratona de Nova Iorque é duro, especialmente devido às subidas (as principais ao cruzar pontes – vejam aqui a altimetria), ao vento, e às multidões de público e atletas que fazem os 42 km um pouco mais longos (por ser difícil percorrer sempre o caminho mais curto possível). Não foi uma escolha perfeita, mas acredito que o frio e as multidões (irradiadoras de energias positivas) ajudarão a vencer as subidas e o vento contra.





Animação: Das quatro maratonas que fiz até hoje, apenas uma (a de Madrid'2001) tinha um número decente de participantes e uma quantidade simpática de espectadores animadores. Lisboa'2000 e Mumbai'2008 tinham poucos participantes (uns 500) e muito pouco público, e a de Singapura'2003 tinha mais participantes (uns 2.500) mas também pouco público. No Domingo não me poderei queixar de companhia na prova: 39.000 atletas e dois milhões de espectadores! Mais de 120 bandas a tocar (lembro-me de ter sido das coisas que mais apreciei em Madrid, onde só havia uma meia dúzia de bandas)! E ainda, ao contrário de Mumbai em que não havia absolutamente ninguém mais próximo a dar apoio ao vivo e em directo, terei vários amigos cujos gritos de incentivo espalhados pelo percurso me carregarão de energias pelos seguintes kms. Com certeza não faltarão energias positivas. Mas se por acaso faltarem, naqueles sempre penosos 5 kms, perdão, 3 milhas finais, posso sempre pôr-me a cantarolar algo que me anime a continuar a remar com bom ritmo:






Apoio à distância

Agradeço as palavras de apoio que tantos amigos e familiares têm transmitido ao vivo, telefónica, electrónica e telepaticamente. Obrigado!

Se quiserem acompanhar a prova sem esperar pelas minhas eventuais notícias, visitem as bulicenas no Domingo. Começo a correr às 9h40 da manhã, hora local (14h40 em Lisboa). Se as tecnologias funcionarem como esperado, as bulicenas serão actualizadas com os meus tempos de passagem a cada 5 kms, meia-maratona, milhas entre a 16 e a 26, e meta.

(Se falhar algum ponto, antes de ligarem para o 112, o 911 ou o +1-555-MARINES, pensem que pode ter sido simplesmente a falha de alguma tecnologia pelo caminho: o sistema de chip e respectivo detector que controla as minhas passagens, a comunicação entre esse detector e o sistema de informação que por sua vez está ligado a algum outro sistema que envia e-mails de aviso que são recebidos em algum servidor do google que por sua vez os publica nas bulicenas, às quais vocês acedem através de algum fornecedor de acesso à Internet – e com certeza tudo é muito mais complicado do que esta minha simplificação ignorante... Cheira-me que a probabilidade de alguma destas ligações falhar é bastante maior do que a de as minhas pernas, coração ou cabeça falharem.)

Se além da possibilidade de consultarem as bulicenas quiserem receber e-mails de aviso sobre o meu progresso na prova, podem inscrever-se aqui .

Podem ver os meus tempos planeados para Domingo aqui:





Não “orçamentei” velocidades diferentes nas subidas e descidas (uma sofisticação a adicionar numa próxima ocasião), mas tive em conta o facto de nunca nas quatro maratonas anteriores ter conseguido manter o mesmo ritmo nos quilómetros finais: nos primeiros 30 e poucos quilómetros tentarei manter um ritmo ligeiramente mais rápido que a média, esperando que o ritmo lento no final não me faça falhar o objectivo das 2h59'59”.


Curtir a corrida!

Estou ansioso por começar a correr. Há bastantes anos que não me sentia tão ansioso por começar uma competição (parece que vou para um campeonato do mundo de pentatlo!). Talvez porque há bastantes anos que não investia tanto numa prova? E que não me colocava um objectivo que me parece tão... desafiante?

Na minha primeira experiência aprendi a respeitar muito a “senhora maratona”. Sei que muita coisa pode acontecer que não me permita fazer o tempo desejado. Ou sequer concluir a prova! Acima de tudo, no Domingo quero curtir a corrida (“curtir 42km a correr??!?!”), o ambiente único desta maratona, os 39.000 atletas (juntos percorreremos o equivalente a 40 voltas à Terra!) com os seus desafios individuais, as suas emoções, as suas dificuldades e as suas vitórias, os dois milhões de espectadores a apoiar amigos e anónimos, as mais de 120 bandas a tocar estilos diferentes mas certamente com ritmos inspiradores, os amigos prontos a descarregar injecções de energia directamente na veia, as vistas de Staten Island, Brooklin, Queens, Manhattan, Bronx, Central Park... ah sim... aquela vista extasiante da meta no Central Park, que teima em não chegar!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Martti Ahtisaari

O prémio Nobel da Paz 2008 foi hoje atribuído ao mediador internacional Martti Ahtisaari, antigo presidente da Finlândia (1994-2000), pelos esforços no estabelecimento de paz duradoura em diversos pontos do globo.

O Comité do Prémio Nobel chamou-o “um mediador internacional excepcional” cujos esforços “contribuíram para um mundo mais pacífico e para a fraternidade entre nações”. Segundo o presidente do Comité, “ele é um campeão mundial no que toca a paz e nunca desiste”.

Outras qualidades destacadas na imprensa são a sua abordagem directa, sem rodeios, a determinação de ferro, paciência Zen e extrema persistência.

Claro que alguém com tanta visibilidade não pode passar sem críticas, mas é impossível não admirar o seu impacto no mundo.

Para Ahtisaari, ajudar a Namíbia na transição para a independência após anos de conflito com a África do Sul foi o seu trabalho mais importante, por ter demorado tanto tempo: 13 anos. Mas ele interveio em muitos outros conflitos, como no Kosovo, Iraque, Irlanda do Norte e Aceh (Indonésia).

Em 2005, ele ajudou a terminar o conflito de três décadas entre o Movimento Aceh Livre e o governo da Indonésia, através da sua ONG Crisis Management Initiative (dedicada a criar e manter a paz em zonas de conflito). Aproveitando o efeito conciliador do tsunami que devastou algumas zonas do sudeste asiático em Dezembro de 2004, Ahtisaari mediou cinco encontros de progressiva aproximação entre Janeiro e Julho de 2005. Como resultado, a 15 de Agosto de 2005 foi assinado um acordo de paz, cobrindo interesses críticos de ambas as partes e estabelecendo condições para uma implementação realista (autonomia de Aceh, abandono de exigências de independência, desarmamento dos rebeldes, retirada das forças indonésias não locais, respeito pelos direitos humanos, amnistia para rebeldes e prisioneiros políticos, monitoramento da implementação do acordo, etc.). [Mais detalhes sobre o processo de paz no site da CMI]




Foto: Jenni-Justiina Niemi (copyright: CMI)



Um dos negociadores no conflito terá comentado: “O método dele era realmente extraordinário. Ele disse, 'Vocês querem ganhar, ou querem a paz?'”


Não é necessário participar num conflito internacional para considerar a pergunta relevante. Quantas vezes não respondemos torto a alguém próximo, ou escalamos uma discussão usando “armas” cada vez mais poderosas, deitando na fogueira achas (ou gasolina!) em vez de água, simplesmente porque não resistimos ao impulso de querer “ganhar” a disputa? Esquecemos tantas vezes os nossos principais interesses, ofuscando o longo prazo encandeados com o imediato, que pomos em causa relações importantes com as discussões mais fúteis. Não apelo ao conformismo e à passividade – há disputas que podem e devem ser lutadas e ganhas, quando levam a um mundo melhor. Apelo à sabedoria. A sabedoria de engolir o orgulho e optar pela paz quando a guerra não leva a nada. Desejar a paz de verdade leva ao fim de conflitos, dos mais íntimos aos mais globais. Por vezes basta um pequeno movimento unilateral em direcção à paz para aniquilar a espiral de conflito.

O que é que eu quero? Quero ganhar, ou quero a paz?