domingo, 23 de maio de 2010

Maratona Vertical de Singapura

Fui terceiro na Maratona Vertical Nacional de Singapura!! 63 andares, 282 metros de altura, em 10'05"!




Perguntas Frequentemente Perguntadas

O que é uma maratona vertical? 42km a subir??
Uma maratona vertical é uma prova de corrida a pé em que os atletas sobem escadas até ao topo de um edifício ou torre de altura considerável, geralmente o edifício mais alto na cidade.

Que ideia foi essa de participar numa maratona vertical??
Que pergunta complicada! Provavelmente a mesma doença crónica e grave que me leva a fazer pentatlos, triatlos, maratonas, corridas de aventura... e outras maluquices desportivas.

Mas... mas... como é que isso funciona?! Milhares de pessoas desatam a correr aos encontrões escadas acima?? Quantas mortes costumam ocorrer em cada prova??
Não, os atletas não partem todos ao mesmo tempo como costuma acontecer nas maratonas horizontais (ou pelo menos não foi assim nesta prova - foi a minha primeira, portanto não sei bem o que é habitual, mas suspeito que seja desta forma). Os atletas partem em grupos pequenos (hoje éramos 5 em cada grupo), com partidas separadas (hoje a cada 2 minutos).

Como é que se treina para uma maratona vertical??
De acordo com os princípos do treino: em especial, o princípio da especificidade sugere que é boa ideia treinar subindo escadas.


Preparação

Inscrevi-me nesta prova há uns 2 meses, quando estava a terminar de soldar o mindinho partido em Fevereiro. Como achava que ainda era boa ideia evitar calçar sapatos, decidi fazer um exercício que não mexesse muito com o mindinho: subir escadas de chinelos! Durante um par de semanas passei a quase só subir até casa (22º andar) pelas escadas. Fiquei surpreendido logo no início por nem custar tanto quanto eu esperava. Num ritmo relativamente lento (de 2 em 2 degraus) conseguia subir em 3 minutos e pouco. Poucos dias depois já conseguia subir em 2 minutos e pouco (6 a 7 segundos por andar).

O mindinho voltou a funcionar e eu voltei a correr. Nas primeiras corridas depois de 6 semanas parado os músculos das pernas ficaram bastante cansados e deixei de subir escadas para conseguir recuperar mais rapidamente. Fiz o triatlo de Singapura e depois comecei a aumentar rapidamente os kms de corrida (testando a possibilidade de correr a maratona de Dili em Junho), além de fazer um par de treinos longos de bicicleta. De novo pernas cansadas e férias de escadas. Fui 10 dias até Sydney e, entre bastante ocupado e falta de prédios altos, continuei sem treinar escadas (mas continuei a correr bastante).

Voltei a Singapura há 10 dias... e urgia subir escadas! A minha capacidade cardiovascular estava em razoável forma graças à corrida, mas o esforço muscular nas escadas é muito diferente. E não tinha grande noção do ritmo que conseguiria manter durante 63 andares. Na verdade, nem estava 100% confiante de conseguir subir 63 andares mantendo algum tipo de ritmo!

Então decidi bombar alguns treinos para o corpo e a mente se familiarizarem com o desafio de hoje. Fiz alguns treinos de repetições de escadas: subir 20 andares, descansar ao descer no elevador, subir 20 andares, descer no elevador, subir 20 andares... Sempre sem usar as mãos nem apoiadas nos joelhos nem no corrimão, para usar os músculos das pernas ao máximo. E nunca correndo: apenas andando rápido de 2 em 2 degraus, já que verifiquei que subir a correr não era sustentável.

Os dias mais puxados foram:
- 4a feira = 5 x 20 andares de manhã (2'10" em cada subida, 1'30" de descanso) + 5 x 20 andares à tarde + 60' de corrida
- 5a feira = 3 x 39 andares (4'45" em cada subida, 3' de descanso; descobri um prédio de 40 andares aqui perto! E aqui o r/c é o andar 1, daí os 39 andares)

O último treino deu-me a confiança de saber o ritmo a manter na maratona vertical, e de saber que conseguiria completar a prova sem morrer.

Já que era uma prova em que ia aumentar significativamente a minha energia potencial gravítica (E = m.g.h = energia = massa vezes aceleração gravítica vezes altura), e visto que não poderia facilmente alterar nem a aceleração gravítica nem a altura a subir, decidi minimizar a minha massa: cortei o cabelo e as unhas, fiz a barba [excelente observação, João - obrigado por lembrares!] levei os meus ténis mais leves (pensei em correr descalço, mas não sei se seria confortável) e fui à casa-de-banho várias vezes na manhã da prova largar o lastro possível.

A única outra coisa que também poderia ter feito (além de treinar mais) seria ter ido ver como eram as escadas no One Raffles Place - o prédio mais alto de Singapura. Mas não deu jeito passar lá e nem sabia se seria muito fácil ter acesso às escadas porque é um edifício de escritórios.


Execução

O plano hoje de manhã era simples: sair à frente do meu grupo (para minimizar ultrapassagens nas escadas) e entrar no ritmo dos treinos até chegar ao topo. Tinha a ambição de ficar bem classificado (tipo 15 primeiros) e estava confiante em conseguir: não acreditava que houvesse tantos loucos que além de se inscreverem nesta maluquice ainda se dessem ao trabalho de treinar para ela!

Se os andares fossem semelhantes em altura àqueles em que eu tinha treinado, o plano era completar a prova em menos de 8 minutos, talvez uns 7'30". Tinha ouvido falar de tempos abaixo dos 7 minutos para os vencedores, portanto não tinha esperança de ganhar.

Na partida coloquei-me logo à frente dos outros 3 atletas (faltou um dos 5 do meu grupo), dei uma corrida nos 20 metros até às escadas e... mãos à obra! Sim, mãos à obra: usei a mão direita para me puxar para cima com o corrimão, e a mão esquerda apoiada no joelho esquerdo para aliviar os músculos da perna.

Cometi um erro básico de principiante: comecei rápido de mais! A adrenalina já me tinha levado a lançar-me às escadas um pouco rápido, e ao sentir que um dos atletas do meu grupo se estava a aproximar acho que até acelerei um pouco. O atleta que vinha atrás rapidamente "morreu" e deixei de o ouvir. E eu rapidamente percebi o erro estúpido quando senti que a pulsação já estava acelerada e a respiração pesada como se estivesse 30 andares mais acima. Restava-me manter aquele ritmo até ao fim!

A primeira vez que olhei para a parede a ver em que andar ia, pensando que ainda não tinha passado do 10º, já ia no 15º. "Fixe! 25% da prova!"

Pouco depois havia um abastecimento de água mas eu achei que não precisava. Mas logo a seguir a boca decidiu reclamar e senti-a muito seca. Então aceitei um copo no abastecimento seguinte.

Entretanto comecei a ultrapassar alguns atletas das partidas anteriores. O mais chato da ultrapassagem era ter de largar o Santo Corrimão que tanto me ajudava na subida!

No 31º andar olhei para o relógio e tinham passado 4'30". Se mantivesse o ritmo seriam uns 9 minutos até lá acima... mas não estava a contar com os primeiros andares mais rápidos.

Reparei que os andares eram mais altos que no meu prédio: em vez de 8 passadas entre andares, eram 11,5 - ou seja, cada andar era uns 40% mais alto... o que justificava o tempo mais lento.

Andar 50! Cansado, coração bem acelerado como não tem ficado nas minhas corridas, mas confiante em que não iria "morrer". Andar 60 - o ânimo de estar quase a acabar! Mas insuficiente para acelerar. 61... 62... 63... Hei! Não acabava aqui? Afinal havia mais 1/2 andar até ao terraço. Meta à vista! 10 metros planos até à meta, que ainda consegui semi-correr... missão cumprida!


Resultados

Ao chegar sabia o tempo final pelo meu relógio, mas não fazia ideia da minha classificação. Os resultados não estavam a ser publicados em lado nenhum, e ainda faltavam partir muitos grupos.

Apreciei a magnífica vista do topo do prédio. Dá para ver toda a ilha, especialmente o centro da cidade. Espectacular. Ainda mais depois de 10 minutos da "maratona" com as paisagens mais aborrecidas que já fiz: escadas estreitas e escuras, sem qualquer vista para o exterior.

Depois meti conversa com o corredor de um braço. Estava lá em cima todo bem disposto e a distribuir boa disposição. Entre outras coisas falou-me da Maratona Vertical do Swissôtel - o hotel mais alto de Singapura (e em tempos do mundo). Provavelmente a participar em Novembro! Os dois primeiros classificam-se para a Maratona Vertical do Empire State Building!

Fui para casa sem saber a minha classificação. Disseram-me que me ligariam se tivesse ficado nos 20 primeiros. E umas horas depois ligaram-me a pedir que fosse receber os prémios pelo terceiro lugar!




Próximos degraus?

Como se pode perceber, estou com aquele entusiasmo de quem acaba de descobrir um novo mundo a explorar: as maratonas verticais. Parece que há um monte de provas destas aí pelo mundo e até um Circuito Mundial Vertical - vou prestar atenção e provavelmente fazer mais algumas. Nunca gostei de trabalho de musculação, subir escadas parece uma excelente alternativa para fortalecer as pernas!

Ser campeão mundial não parece fácil e duvido que me motive. Já percebi que o homem a abater seria o alemão Thomas Dold, que ganhou a prova do Empire State Building nos últimos 5 anos (e é também campeão e recordista mundial de "corrida para trás" - retro-corrida? retro-atletismo? - em várias distâncias).

No dia 20 de Junho correrei mais uma maratona horizontal: a primeira maratona de Dili! Quem sabe não consigo mais um excelente resultado internacional?

Entretanto vou correndo as outras corridas da vida! Vemo-nos no topo! :)