domingo, 28 de março de 2010

casamento.gov.sg

Em Singapura tudo é planeado e muito bem controlado pelo Governo. Tudo?? Tudo. Aquilo que não é, provavelmente (a) só parece não ser ou (b) foi planeado não ser.

O Governo de Singapura preocupa-se com os seus cidadãos (ou talvez mais precisamente com a produtividade e sustentabilidade económica dos seus cidadãos). As taxas de fertilidade têm sido cada vez mais baixas (as terceiras mais baixas do mundo, a seguir a Hong Kong e Macau, segundo o CIA World Factbook). Os singapurenses cada vez casam mais tarde e têm (menos) filhos mais tarde.

Em 1984, o sempre atento e interventivo Governo criou a Unidade de Desenvolvimento Social, para estimular o casamento entre solteiros licenciados. E em 1985 criou o Serviço de Desenvolvimento Social para estimular o casamento entre solteiros não-licenciados. (No início de 2009 ambas as unidades foram fundidas numa só.) O Governo de Singapura tomou a liberdade de considerar que era boa ideia casar licenciados com licenciados e não-licenciados com não-licenciados. O Governo de Singapura gosta de planear e controlar tudo. Tudo para o bem dos seus cidadãos. Que outro Governo alguma vez criou sistemas para marcação de encontros entre solteiros?

domingo, 21 de março de 2010

Simply the best!

Não podendo participar, fomos assitir e apoiar os aventureiros que decidiram enfrentar o desafio de nadar 1,9 km, pedalar 90 km e correr 21 km (distância que percorri, pela primeira e única vez até agora, há mais ou menos um ano no Porto Santo), no Meio Ironman de Singapura.

Como o leitor mais atento pode ter notado, ando a aprender a ser público. É fascinante e altamente enriquecedor!

Um par de conhecidos iam fazer a prova. O plano era dar-lhes apoio mas também incentivar as outras centenas de "loucos" anónimos. Os atletas de elite não importavam demasiado. Interessante vê-los fazer a prova a alta velocidade (menos de 4 horas), mas nem sequer os vimos cruzar a meta, de tão ocupados a ver e apoiar os atletas amadores.

Muitíssimo mais interessante é ver pessoas normais alcançando feitos excepcionais:
- Vários senhores e senhoras acima dos 60 (i.e., com idade para ter juízo, diria o meu pai) sem parar até ao fim
- Um par que parecia pai (de 50+ anos) e filha, pedalando um atrás da outra (na verdade, contra os regulamentos que não permitem pedalar "na roda", i.e., no túnel de vento do atleta da frente - mas quem os iria desclassificar?)
- O senhor Endicott, de 65 anos, com boa pedalada e impressionante passada, que completou a prova em 7h09min - um minuto menos que um amigo meu 30 anos mais novo...
- O senhor Peñaloza, 51 anos, de Hong Kong, que caminhava determinado depois de 7 horas de prova (faltavam-lhe ainda 2 horas para chegar à meta!)
- O meu amigo Nick, que, seguindo a filosofia da Sílvia, decidiu fazer a prova praticamente sem ter treinado (e terminou 1 minuto depois do senhor Endicott)
- Um rapaz derretido em suor, a passo, provavelmente no 7º de 21 km de corrida, que olhou para mim e partilhou, meio incrédulo, meio jocoso, "E paguei eu para fazer isto!!"
- Um par de quarentões que caminhavam e conversavam com ar relativamente descansado e perguntaram "Tens cerveja?"
- E outras centenas de pessoas normais que decidiram acreditar que conseguiam fazer um meio Ironman



Cinco horas em pé a aplaudir e gritar palavras de apoio: "Boa!", "Força!", "Até ao fim!", "Vamos lá!", "Muito bem!", "Bom ritmo!", "Não pares!", "Tu consegues!" (algumas em português mesmo - naquele contexto qualquer grito serve para animar).

A certa altura, pernas cansadas, sentei-me ao lado do percurso e continuei a aplaudir e a gritar. Mas dois minutos depois senti que aquilo poderia ser ofensivo: passavam por mim atletas que já tinham feito 1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e metade da meia-maratona final... e eu é que estava cansado?? Levantei-me e rapidamente deixei de me sentir cansado.

Interessante exercício de, nos poucos segundos em que cada atleta passava ali à frente, tentar injectar-lhes um shot de energia instantânea. Passavam muitos hipnotizados pela missão de chegar ao fim, possivelmente com princípios de hipoglicemia, aparentando não perceber que existia mundo à sua volta para além de alguns metros de percurso. Passavam outros mais lúcidos e/ou menos focados que agradeciam o apoio e batiam palmas de volta. Vários reagiam claramente aos aplausos e gritos, enchiam-se de determinação e recomeçavam a correr mesmo ali à frente. Um, provavelmente depois de nos ter visto três ou quatro vezes, gritou sorridente "Vocês estão em todo o lado!", outro "Óptimo apoio!", e ainda outro deu-nos o prémio de melhor público: "You're the best!"

Mas, sem lugar para dúvidas, os atletas é que eram simply the best!



Acabámos o dia com um escaldão, pernas cansadas, braços doridos de tanto bater palmas, mas com excelentes energias, apesar de termos passado horas a tentar transmiti-las aos atletas! A energia humana será talvez a única que não segue as leis da física e pode ser gerada do nada? E que sendo transmitida é ao mesmo tempo recebida? Cada vez mais acredito que sim!

Tenho de passar a ser público de outro tipo de iniciativas, não só desportivas, e apoiar mais pessoas normais a realizarem feitos excepcionais no seu dia-a-dia: Força aí! É isso mesmo! Tu consegues! Vamos lá! Sem parar! Até ao fim!! Tu és simplesmente o melhor!!!!

sábado, 13 de março de 2010

Chunking Mansions



Para evitar possíveis reclamações, foi a Sílvia quem reservou alojamento em Hong Kong. E reservou muito bem: no Lucky Hotel, a 25 Euros por noite.

Na véspera de viajar para Hong Kong, recebemos um e-mail um pouco estranho avisando para termos cuidado e não sermos desviados para algum outro hotel. O mais estranho era que o "mapa" enviado não indicava o nome do nosso hotel e dizia-nos para irmos para o 15º andar da torre C, apesar de a morada que tínhamos anotado ao fazer a reserva ser no 12º andar.



Chegámos a Kowloon pelas 23h30. A cidade estava acordadíssima, com gente por todo o lado como se fossem 6 da tarde. Estávamos com fome e decidimos comer alguma coisa antes de procurar o Lucky Hotel. Enquanto procurávamos onde comer, fomos assediados por algumas pessoas (com aparência e sotaque do Sul da Ásia ou Médio Oriente) que nos queriam arranjar alojamento (numa área que não tinha excelente aspecto, já na rua do Lucky Hotel). Um dos mais insistentes, ao ver-se ignorado, despediu-se com a maldição: "Vocês vão voltar! Não vão encontrar alojamento noutro lugar!"

Já passava da meia-noite quando, alimentados e prontos a ir dormir, fomos ver do Lucky Hotel. Rapidamente concluímos que a maldição do chato se ia cumprir: não tínhamos reparado, mas o Lucky Hotel era exactamente no prédio onde ele nos queria alugar um quarto: as Chunking Mansions. (Mas não o vimos e ele não nos deve ter visto, se não com certeza que viria rir-se um pouco de nós.)

Como percebemos surpreendidos na manhã seguinte, durante o dia a entrada do prédio nem tem muito mau aspecto.



Mas à noite, quase todas as lojas fechadas com portões metálicos enferrujados, luzes fracas, espaços quase desertos, um par de mulheres alugando desinibidamente as suas curvas... a entrada e os corredores do prédio ficam com um aspecto bastante... clandestino.

Àquela hora, cansados, nem considerámos a ideia de ir procurar outro lugar. Mas pensámos melhor sobre os diferentes andares que nos tinham indicado e decidimos ir ao 12º, não fosse o e-mail a indicar o 15º uma aldrabice qualquer.

Tendo notado o mau aspecto geral do prédio, ficámos aliviados ao deparar com um 12º andar de aparência bem renovada e limpinha. Tocámos à porta e rapidamente nos mandaram para o 15º andar, dizendo que lá seria a recepção. Talvez não fosse aldrabice, afinal.

Subimos. O rapaz da recepção (da Nigéria ou outro país de gente bem bronzeada) fingiu que tinha quarto para nós, recebeu o pagamento para a primeira noite e chamou um outro rapaz (indiano) para nos levar ao nosso quarto. Só nos começou a cheirar mal quando fomos para o elevador e o nosso novo guia nos disse que íamos mudar para a torre B, 11º andar (já tínhamos reparado que cada andar era um hotel diferente). Ele explicou que aqueles hotéis eram todos do mesmo dono. Piorou quando, no rés-do-chão, ele nos "passou" a um colega, conterrâneo. Começámos a perceber que afinal Hong Kong não tem só chineses: desde que entrámos no prédio não tínhamos visto um único chinês - só indianos e africanos.

Esturro completo quando chegámos ao 11º e vimos um quarto minúsculo, velho e sujo, e com uma casa-de-banho de 1 m2, com duche ali mesmo junto à sanita e ao lavatório. Dissemos que não era o quarto que tínhamos reservado e decidimos voltar à recepção, no 15º andar da torre C.

O "nigeriano" lá admitiu que tinha dado a outra pessoa o quarto que tínhamos reservado, justificando que tínhamos chegado muito tarde (sem lógica nenhuma, pois se não tivéssemos chegado ele poderia em teoria cobrar-nos a primeira noite no cartão de crédito). Enquanto a Sílvia gritava com o homem, eu decidi usar a Internet e procurar alternativas para a noite. Mas a preços razoáveis só apareciam hotéis nas Chunking Mansions. Em vez de alternativas, o nigeriano ofereceu-nos o dinheiro de volta. O indiano acabou por nos propor voltar à torre B... para ver outro quarto horrivelmente semelhante (e semelhantemente horrível) ao primeiro. A Sílvia indignou-se e o indiano levou-nos a um terceiro quarto... Era individual, minúsculo, mas novo e limpo, com bom aspecto geral. À 1h30 da manhã já só queríamos dormir mesmo, mas ainda negociámos um desconto para 18 Euros. Passámos essa noite no "Four Seasons".

Na manhã seguinte voltámos à torre C para encontrar o nigeriano e pedir um quarto no Lucky Hotel ou outro hotel de padrão semelhante. Acabou por nos arranjar um no New Hong Kong Hotel, onde ficámos essa segunda noite por 25 Euros. Este segundo quarto não era muito diferente do anterior, excepto que ao menos tinha uma cama dupla.

Foram os quartos mais minúsculos em que alguma vez fiquei. Menos de 4 m2, incluindo casa-de-banho. Aqui fica uma planta aproximada:



E uma foto tirada de fora do quarto (já que se estivesse dentro ficaria próximo de mais das paredes e não conseguiria fotografar nada):



E uma foto da casa-de-banho:



E a vista da janela:



Durante o dia apreciámos a deplorável fachada do prédio:



E começámos a apreciar os nomes inspirados das dezenas de hotéis e similares em cada uma das torres das Chunking Mansions:









Mas o mais fascinante foi mesmo o efeito causado nos amigos da Sílvia durante o fim-de-semana, incrédulos ao ouvirem que tínhamos ficado nas Chunking Mansions: "Não pode ser! Vocês não estão a ficar ali!" Como costuma acontecer nestas situações, nenhum deles tinha ficado ali alguma vez. E só um par deles tinha entrado no prédio e tinha ficado lá dentro o mínimo tempo possível. Quando lhes perguntei qual seria o hotel mais barato que eles nos recomendariam em Hong Kong, só souberam recomendar um hotel de 125 Euros por noite... 5 vezes mais caro do que o nosso! Claramente aquele pessoal tem um padrão do que é aceitável diferente do meu (felizmente para os hotéis caros).

A Sílvia diz que da próxima vez que for a Hong Kong não vai ficar lá. Eu ficarei com muito gosto: bem localizado, limpo, barato... O prédio poderia ser mais bonito (e provavelmente mais seguro), mas não se pode querer tudo por 25 Euros ou menos!

Ficámos a saber que as Chunking Mansions são super famosas em Hong Kong, têm direito a uma extensa página na wikipedia, e até já foram cenário de um filme: Chunking Express (que temos de tentar ver um dia).

Se quiserem passear pelas Chunking Mansions e não tiverem oportunidade de ir até Hong Kong, experimentem este vídeo:


Apesar de não ter quase nada a ver, estas aventuras lembraram-me umas viagens a Madrid há 15 anos atrás, para participar em provas e estágios de esgrima, em que costumávamos ficar num hostal ali perto da Plaza de España a que demos o nome de "família Adams"...

domingo, 7 de março de 2010

Como correr uma meia-maratona... sem stress!

6 da manhã, antes da partida para a meia-maratona de Hong Kong.
À direita, de azul, a Sílvia. As duas atletas à esquerda são duas amigas do pelotão de elite, com os números 0001 e 0038. A menina foi a minha colega de torcida durante o dia.



Esqueçam tudo o que leram sobre a necessidade de treino e disciplina para ficar em forma e conseguir correr uma meia-maratona. Ignorem o meu texto sobre como correr a primeira maratona (e o fantástico AUTO-TREINADOR®). A meia-maratona de Hong Kong abriu-me os olhos para uma alternativa bem mais suave para quem:
- quer correr uma meia-maratona
- mas não tem particular prazer, interesse, ou tempo para treinar muito

Foi a primeira meia-maratona da Sílvia, completada em 2h37min. Se descontarmos os 6 minutos passados na fila da casa-de-banho para despejar uns líquidos, foram mais ou menos as 2h30min que eram o objectivo definido uns meses antes! E foi tudo a correr, excepto num par de subidas.

O incrível nem é tanto ter completado a meia-maratona (eu - mais do que qualquer pessoa, incluindo ela própria - estava confiante em que o faria). O incrível é como se preparou nos meses anteriores.

No fim de Outubro defini (a pedido dela, não tentei impor nada!) um plano de treinos: quatro treinos por semana e tempo de corrida crescente ao longo do tempo, até 2 horas no treino mais longo (total de 4 horas de corrida nessa semana), duas semanas antes da prova.

Mas, como se pode ver nos gráficos abaixo (17 semanas de Novembro a Fevereiro), ela preferiu correr conforme lhe ia apetecendo, tomando um par de semanas de descanso de vez em quando.


Número de treinos por semana



Minutos de treino por semana


Alguns leitores poderão pensar: "Mas ela até correu bastante - chegou a correr 3 horas numa semana!" Sim, mas isso foi na terceira semana (e na da prova), três meses antes da prova... Depois chegou a correr 2h30min em duas semanas... mas na maior parte não corria mais de 1h30min... e em quase um terço das semanas não correu nada! O treino mais longo foi de 79 minutos: pouco mais de metade do tempo objectivo! Como atleta e treinador, acho incrível como ainda assim ela conseguiu pôr-se em forma física e mental para completar a meia-maratona. E também acho incrível que ela não ficou minimamente dorida depois da prova - estava óptima!

Em declarações às bulicenas após a prova, a atleta explicou: "Tentei cumprir o plano de treinos nas primeiras duas semanas, mas logo achei que era duro de mais e decidi correr quando pudesse e quanto aguentasse... Para quê stressar ou cansar antes da prova?? Assim consegui chegar bem descansada a Hong Kong e completar a prova na mesma! Estou muito feliz!"

E isso é que é preciso!

E ainda agradeceu: "Obrigada a todos os que enviaram mensagens de apoio, pelas bulicenas ou telepaticamente. Ajudaram bastante!"



Ser público

Não estou habituado a ficar de fora nestas situações, mas gostei muito de andar de um lado para o outro a apoiar não só as atletas amigas como também todos os anónimos. Cada um daqueles atletas trazia a sua história pessoal, possivelmente de empenho e sacrifícios, ou de algum problema de saúde que os acordou para a necessidade de ser mais saudável. Ou talvez fosse só mais uma prova numa vida dedicada ao desporto. Uns estavam ali para se superarem fazendo a prova mais rápida de sempre. Outros tentando completar os primeiros 10 quilómetros, meia-maratona ou maratona. Ou talvez quisessem pagar uma aposta ou promessa. Para outros era apenas mais um passeio, uma manhã de convívio desportivo. Milhares de pessoas, milhares de histórias.

O percurso da prova não era muito simpático para o público. No primeiro ponto em que tentei ver os atletas passar descobri que eles corriam num viaduto de uma auto-estrada e era impossível vê-los!

O público era pouco e não muito efusivo. Muito pouca gente a aplaudir ou fazer barulho. Procurei aplaudir e gritar bastante a toda a gente, mas seria impossível fazer algo comparável com o melhor público do mundo: o da maratona de Nova Iorque. Os atletas eram muito simpáticos e aplaudiam ou acenavam a agradecer o apoio. Excelente incentivo para não parar de aplaudir!



Próximas aventuras

Agradeço os conselhos e palavras de apoio nos comentários à bulicena anterior! O dedo parece estar a melhorar e espero voltar ao activo no fim do mês.

Em Abril vamos fazer um triatlo aqui em Singapura, que será o primeiro da Sílvia. Depois desta meia-maratona não há qualquer stress: a corrida já está treinada (serão só 5 km) e 20 km em bicicleta não requerem treino. Então só é preciso nadar um pouco e ganhar confiança para nadar 750 metros no mar.

Eu irei com o principal objectivo de curtir a prova, sem qualquer objectivo de tempo, já que terei apenas um par de semanas para treinar corrida e ciclismo.


Consultoria desportiva

Recordo aos leitores das bulicenas que estou à disposição para ajudar a definir planos de treinos para alcançar os vossos objectivos desportivos. Claro, depois desta bulicena, talvez vocês prefiram pedir conselhos à Sílvia? Como ela lembra frequentemente, ao menos ela correu, enquanto eu fiquei a ver os atletas passar! :)

Bons treinos!