quinta-feira, 26 de março de 2009

Aula de felicidade

“Mas quando tiver 60 ou 70 anos, vai agarrar-se a quê?”, perguntou-me, expressivo, um dos alunos das minhas primeiras aulas de “Introdução à Felicidade”.

Não sei se consegui perceber exactamente a pergunta. Suspeito que estávamos a falar línguas diferentes. Foi fácil perceber que “60 ou 70 anos” era para mim sinónimo de “80 ou 90 anos”: bastante idoso, com prováveis limitações físicas e possivelmente mentais. Já o “agarrar a quê” era um pouco mais complicado. Não pude deixar de imaginar um náufrago abraçado à tábua de salvação. Porque é que eu me haveria de agarrar a alguma coisa? Se tivesse passado 80 anos sem me agarrar a nada, o que é que mudaria de repente? Ou talvez a ideia fosse que ao longo da vida nos vamos agarrando a coisas diferentes? Ou seria a grande pergunta – “qual é o sentido da vida?” – num formato alternativo?



foto: Manuel Almeida/Lusa


Uma inconvencional professora de Filosofia convidou-me a ir falar aos seus alunos. O convite pareceu-me muito interessante, talvez até por ter alguma dificuldade em perceber concretamente de que é que ela queria que eu fosse falar. Sobre a minha vida? Porque é que haveria de ser interessante para eles? Finalmente percebi que o tema era o mais importante das nossas vidas e o meu preferido: não dinheiro, nem sexo, nem mesmo futebol, mas sim felicidade. E aceitei o desafio de ir falar a três turmas do 10º ano.

Em cada turma, comecei por perguntar quem se considerava feliz. Os primeiros braços ergueram-se timidamente, mas rapidamente quase todos os alunos reconheceram a sua felicidade (e quem não levantou o braço talvez não seja infeliz – talvez só tenha achado a pergunta demasiado invasiva, ou impertinente, ou surpreendente, e não tenha respondido).

Em seguida, propus um exercício de brainstorming para listar os factores que geram felicidade (e depois os que geram infelicidade – tipicamente a negação dos anteriores e por isso uma boa forma de identificar mais factores de felicidade). Achei interessante como o resultado deste exercício foi muito semelhante nas três turmas. Isso sugere, nesta minúscula amostra da humanidade de evidente irrelevância estatística (alunos da mesma escola, níveis socioeconómicos semelhantes...), que talvez todos conheçamos bastante bem e partilhemos os principais factores que influenciam a felicidade.

  • Estar bem com a família

  • Estar bem comigo

  • Estar bem com os outros

  • Estar bem com Deus

  • Gostar do que faço (ou seria “fazer o que gosto”?)

  • Amizade

  • Saúde

  • Realização

  • Sucesso

  • Arte, cultura, música

  • Liberdade

  • Justiça

  • Viajar

  • Desporto

  • Benfica

  • Álcool

(Esta lista reflecte a minha memória imperfeita dos factores mencionados e da frequência e ordem de menção – os primeiros factores terão sido mencionados nas três turmas, os últimos apenas numa; se alguém recordar outros factores, agradeço que inclua nos comentários.)


Curiosamente, ninguém mencionou dinheiro (a não ser numa das turmas, depois de eu ter chamado a atenção para a falta). Pode ter sido por inibição, para não parecer muito materialista. Ou também porque todos tinham provavelmente (ao contrário de grupos mais desfavorecidos) necessidades básicas de alimentação, habitação, saúde, educação, etc., bem supridas. Mas também pode significar que, na verdade, achamos ou sabemos (pelo menos aos 15 anos) que o dinheiro não é fundamental para a felicidade. Espantoso como uns anos mais tarde nos vemos tão facilmente a tomar decisões que não parecem nada coerentes com essa convicção. Quem terá razão? Eu aos 15 anos, ou eu aos 30 anos? Ou ambos?

Em duas turmas pediram-me no final para comentar os factores listados. Exceptuando os dois últimos, todos me pareceram importantes, mas poucos essenciais. Eu diria que os quatro primeiros (“Estar bem com...”) são praticamente sinónimos de “ser feliz”. Provavelmente só não são absolutos, essenciais, em situações específicas:

  • Alguém sem família, ou cuja família o repudiou, não pode “estar bem com a família” mas pode ser feliz

  • Um doente mental, por exemplo com transtorno dissociativo de identidade, pode ter dificuldades em “estar bem com ele próprio” mas pode ser feliz

  • Um eremita não pode “estar bem com os outros” (porque simplesmente não está com eles) mas pode ser feliz

  • Um ateu não pode “estar bem com Deus” (pelo menos não na sua concepção do mundo) mas pode ser feliz

Ao analisar a lista enquanto escrevo, adicionaria “estar bem com o universo”. Talvez seja sinónimo de “estar bem com Deus” para um crente, mas torna mais explícita a importância de estar bem, em equilíbrio, com o mundo, a natureza, os animais, as plantas, o mar, o ar, etc. (como seres humanos naturalmente antropocêntricos sofremos de agudas miopia e amnésia que nos levam a desvalorizar e desrespeitar tudo o resto).

Os restantes factores (que não começam com “estar bem...”) podem deixar-me mais ou menos alegre, mais ou menos satisfeito, mais ou menos confortável, mas não são essenciais – são paliativos. Se eu não for apegado a eles, posso ser feliz mesmo na sua ausência. Se eu sentir que preciso desses factores, estou a deixar a minha felicidade “refém” deles. Será que não posso ser feliz se tiver de fazer algo de que não gosto, se os amigos me rejeitarem, se estiver doente, se não me realizar, se não tiver sucesso, se não tiver acesso a arte, se não puder fazer o que quero, se sofrer uma injustiça, se não viajar, se não fizer desporto, se o Benfica perder, se não puder beber? Posso e devo ser feliz! “Basta” querer!

Depois de aquecermos os neurónios com a discussão sobre o que gera felicidade, descrevi à turma o meu percurso desde o momento em que estava sentado, como eles, numa sala de aula do 10º ano até ao meu estado actual, de reformado aos 33 anos. Percorri as principais decisões da última metade da minha vida, esperando que tenha ficado claro que não ambiciono seguir o que convencionalmente se chama uma “carreira” e que quero ser feliz (não querendo dizer que sejam opções incompatíveis). Concluí resumindo quatro princípios que me têm ajudado a viver melhor e a ser feliz:

1. É preciso manter equilíbrio entre as quatro dimensões da vida: física, mental, emocional e espiritual (acho que estas quatro englobam tudo o que é importante – por favor avisem-me se estiver a esquecer algo fundamental!)

2. Não há uma fórmula única para viver, para ser feliz: o que funciona para mim não necessariamente funciona para ti; e o que funciona para mim hoje talvez não funcione amanhã – é fundamental saber aceitar as diferenças do outro e as mudanças em mim próprio (o equilíbrio entre dimensões da vida varia entre pessoas e ao longo do tempo)

3. A vida vive-se no presente, aqui e agora: é fácil andar distraído sempre a planear o futuro ou a avaliar o passado; ao longo do tempo tenho procurado aprender (e tenho muuuuito a aprender) a ser cada vez mais consciente, mais atento, mais focado no presente, a reparar no aqui e agora, procurando evitar que a vida me passe ao lado

4. Equanimidade é uma capacidade crítica (já referida em “A arte de viver”): saber aceitar com serenidade as vicissitudes da vida, o positivo e o negativo, o bom e o menos bom; equanimidade bem desenvolvida (tarefa interminável!) permite-me deixar de ter a felicidade refém de relações, de bens materiais, de acontecimentos que não controlo

No final houve uns minutos para perguntas e respostas. Foi interessante observar graus variáveis de interesse entre turmas, provavelmente associados a diferentes combinações de cepticismo e aceitação. As perguntas foram todas muito pertinentes. A minha favorita: “Mas em algum momento é preciso assentar, ter um emprego, uma família... não?” Possivelmente aquilo que eu perguntaria a mim próprio se, a la Regresso ao Futuro, tivesse ido falar à minha própria turma do 10º ano? Se bem me recordo, na altura tinha a ideia de que tinha de definir o que queria ser quando fosse grande, e que aos 33 anos (idade avançadíssima – não admira que alguns alunos tenham usado o vocativo “o senhor” ao falar comigo) teria um emprego estável, uma casa, um carro, uma esposa e provavelmente vários filhos. A julgar por estes indicadores, sou um completo falhado! Não me consigo imaginar num emprego estável, não vejo necessidade de comprar uma casa (pelo menos enquanto continuar nómada), evitarei comprar um carro a todo o custo e não me atrai a ideia de procriar. Mas não sou apegado a qualquer uma destas ideias: pode ser que em algum momento me faça sentido assentar, ter um emprego, uma família... mas isso é muito diferente de acreditar que a minha vida tem necessariamente de passar por aí.


E o que é que respondi ao rapaz que me perguntava a que é que me agarraria quando fosse idoso? Reconheci que a dimensão emocional da minha vida estará (se chegar a essa idade) provavelmente debilitada (especialmente se não procriar), com muitos familiares e amigos falecidos nessa altura (e muitos que não saberão como interagir comigo...), que também estarei limitado física e mentalmente (o que pode afectar a dimensão espiritual, tanto no sentido de a enfraquecer como no de a fortalecer)... mas se for capaz de (equanimemente) aceitar a minha condição (e viver no presente), porque é que terei de me agarrar a alguma coisa?

Não nos faria mal uma dose de sabedoria budista: não serão exactamente os apegos – a tendência a nos agarrarmos a coisas, sensações, relações, situações, ídolos, santos, deuses, etc. – que geram sofrimento e infelicidade?


Obrigado, Joana, pelo convite e aos alunos pelas excelentes discussões! Desculpem se não consegui ser totalmente claro, coerente, relevante, interessante, entusiasmante... Espero que pelo menos vos tenha deixado a pensar.

Sejam felizes e espalhem felicidade!

domingo, 22 de março de 2009

O pior emprego do mundo

O Turismo de Queensland, na Austrália, lançou uma inteligente campanha publicitária ao "Melhor Emprego do Mundo": cuidador das ilhas na Grande Barreira de Coral. Soa realmente a vida muito dura. E o processo de recrutamento tem produzido toneladas de visibilidade mediática para a região, provavelmente a um custo relativamente baixo.





Talvez este não seja o "melhor emprego do mundo", mas não parece nada mau (a não ser para quem não goste de água, praia, sol ou meios de comunicação como blogs, vídeos, etc.).

E qual será o pior emprego do mundo?

Um emprego mau torna hercúleo o esforço de levantar da cama de manhã. Um emprego mau deixa-me mal humorado, triste, até deprimido. Um emprego mau pode chegar ao ponto de produzir dores físicas: de cabeça, olhos, costas, barriga... Passo as horas de trabalho em sofrimento, ansiando pela hora de saída, pelo fim-de-semana ou pelas férias que nunca mais chegam. E, nos casos mais sérios de empreguite aguda, passo até as horas livres, o fim-de-semana ou as férias que finalmente chegaram em sofrimento só de pensar no regresso ao trabalho. Parece bastante mau, não? Mas há algo de positivo num emprego mau: é impossível não reparar nele. Por isso é bastante improvável que me tente conformar, que me acomode. A não ser que seja masoquista ou me queira converter em mártir, mais cedo ou mais tarde desistirei do emprego mau e procurarei um caminho melhor.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o pior emprego do mundo não é um emprego mau, mas sim um emprego "mais ou menos", um emprego médio!

Um emprego médio não me preenche, não me realiza, mas também não incomoda muito. Um emprego médio vai dando para pagar as contas, enquanto permite "desligar o cérebro" durante as horas de trabalho. Deixa-me andar distraído no dia-a-dia, pôr a vida entre parêntesis 8, 10 ou mais horas por dia, ou durante os dias (in)úteis da semana, ou mesmo nos 11 meses entre as férias anuais. Um emprego médio não é bom o suficiente para dar sentido à vida mas também não é mau o suficiente para lho tirar. Um emprego médio deixa-me passivo, amorfo, anestesiado. É como passar o dia a ver televisão. Pode até ser divertido, uma distracção agradável. Só os mais atentos notam o travo a vazio, o sentimento ténue de que estamos a passar ao lado da vida. Por isso vamos ficando e ficando e ficando. Até sermos despedidos, reformados ou mortos.

Como empregas a tua vida? Já descobriste o teu melhor emprego do mundo?

Como canta a sempre sábia Mafalda, às vezes "é preciso morrer e nascer de novo, semear no pó e voltar a colher (...) E a vida não é existir sem mais nada. A vida não é dia sim, dia não. É feita em cada entrega alucinada, p'ra receber daquilo que aumenta o coração."



sábado, 14 de março de 2009

Walking the talk on governance

[Contexto: O Comité Olímpico Internacional organizou nos últimos meses um Congresso Olímpico Virtual, em preparação para o Congresso Olímpico que se realizará em Copenhaga em Outubro de 2009 (o último Congresso Olímpico aconteceu em Paris em 1994, portanto não é um evento muito frequente). No congresso virtual eram pedidas contribuições do público em geral para discutir vários temas propostos. Contribuí com o texto abaixo, no tópico "The Structure of the Olympic Movement - Good governance and ethics".]




The International Olympic Committee (IOC) has invested significantly in promoting and demanding good governance in national sport systems across the globe, in particular after political crises leading to the disruption of established government and sport institutions: for instance, in Timor-Leste after its independence, in Afghanistan after the fall of the Taliban regime, in Iraq after Saddam Hussein's overthrow. The IOC requires officially recognised National Olympic Committees (NOCs) to function democratically, governed by adequate constitutions, making key decisions in valid general assemblies, ruled by properly elected individuals. In each country, Olympic sports are typically organised in a pyramidal structure: in its base are athletes, who are members of clubs, which in turn are members of federations (or sometimes regional associations), which in turn are members of NOCs. Members of each organisation are present in general assemblies and have the power to elect the organisation's leaders and make key decisions such as approving annual plans and annual reports.

Oddly enough, members of the IOC are still natural persons, a majority of them whose membership is not linked to any function or office. This means that most members of the IOC, who make critical decisions for the whole Olympic Movement in Sessions, do not represent anyone else than themselves. The 1999 reform brought very positive (but still marginal) improvements to IOC governance, by establishing terms and age limits to members, and opening membership to athletes and leaders of NOCs, International Federations (IFs) or other organisations recognised by the IOC. However, a more radical change is required to bring the IOC up to date as a 21st century organisation.

It is not difficult to envision a better model. What does the IOC require from the sport organisations it recognises? Would it ever recognise an NOC whose members were individuals representing themselves? How would one expect the IOC to be constituted if it was to be created from scratch now? Probably through the association of world NOCs and IFs, which would become the members of the Session, represented by their leaders, and would elect IOC leaders and make all key decisions.

The challenge to surpass powerful conflicts of interests is significant: why would current IOC members decide to make themselves ineligible? But change is necessary and urgent: the early 20th century model* of a private club whose members elect new members and make critical decisions cannot ensure the fairness, transparency, and accountability that the global Olympic Movement demands and deserves. Perhaps current members won't take the initiative in driving change, but they may be sure that Olympic stakeholders (athletes, coaches, referees, sport managers, clubs, federations, NOCs, IFs, the public, sponsors, the media, etc.) will increasingly demand it and soon make it inevitable.

Let the change begin!


*Mais precisamente, o Comité Olímpico Internacional foi fundado em 1894, portanto ainda no século XIX

sexta-feira, 6 de março de 2009

A velha de Beverly Hills

Esta noite sonhei que estava a ver o Beverly Hills 90210, série inconsequente cheia de gente jovem, bonita e rica e dos seus dramas do dia-a-dia.





No sonho, um dos rapazes da série (talvez o louro Steve) entra na cozinha de sua casa e assusta-se ao encontrar uma senhora idosa. A câmara treme e ouvem-se uns acordes tenebrosos. Atrás do rapaz entra uma rapariga (talvez a morena Brenda), que ao ver a velhinha olha para o rapaz como se ele tivesse cometido um crime horrendo ao estar a interagir com uma pessoa daquela idade, enquanto ele agita as mãos a tentar explicar a situação “Não é isso que estás a pensar!” A imagem pára para os espectadores digerirem a terrível revelação: o rapaz dá-se com idosos!!

Só agora, tantos anos depois de perder tempo a ver episódios da série, reparei na evidência: o 90210 só mostra gente jovem e bonita! Mesmo os pais dos protagonistas são relativamente jovens, sem rugas, sem cabelos brancos. Beverly Hills é um mundo sem idosos. E sem idosos são tantos outros mundos, especialmente os mostrados na TV e outros meios de comunicação. Talvez também o meu próprio mundo?

Com a melhoria dos cuidados de saúde e controlo de doenças, a população humana tem envelhecido. Segundo a ONU, no mundo “desenvolvido” a esperança de vida anda próxima dos 80 anos. Nunca existiram tantos idosos tão idosos como agora. Naturalmente, a sociedade (ou seja, eu, tu, ele, todos nós) parece não ter definido ainda exactamente o que fazer com eles.

Quando a mente e o corpo começam a pregar partidas, os idosos passam a partilhar muitos comportamentos infantis... Infelizmente não costumam beneficiar das doses industriais de aceitação e carinho que dispensamos às crianças. Se achamos seres humanos de dois anos tão queridinhos e engraçadinhos em cada asneira que fazem... Se aceitamos com naturalidade que não consigam controlar as urgências para fazer necessidades, que sujem as fraldas e cheirem mal... Se achamos louvável e divertido quando, apesar dos repetidos maus resultados, insistem em serem independentes ( “Sozinho! Sozinho!”)... Se aceitamos que digam coisas sem sentido... Se, melhor ou pior, aceitamos birras, desafios, exigências, choros... Porque será tão difícil aceitar os mesmos comportamentos de alguém 80 ou 90 anos mais velho?

E que dizer da solidão a que tão frequentemente parecemos condenar os mais idosos?

Há com certeza muitas diferenças entre ambientes rurais e urbanos, cada um com as suas vantagens e desvantagens. As aldeias estão cada vez mais despovoadas e envelhecidas, e têm menos oportunidades culturais e de distracção que as cidades, mas também costumam manter níveis muito superiores de convivência e solidariedade entre vizinhos. Nas cidades há acesso a mais serviços e oportunidades, e também a muitos mais vizinhos mesmo aqui ao lado... mas com quantos trocamos mais do que um olhar de soslaio ou, quando muito, um tímido “Bom dia”?

Para muitos idosos, o estado físico e/ou mental dificulta sair à rua e interagir com o mundo exterior. Alguns vivem com as suas famílias. Outros sozinhos. Outros em lares. Para quem pode pagar, os lares são uma invenção conveniente, que retira das nossas vidas quem começa a requerer demasiados cuidados e atenção (e, quando é tarde de mais, lamentamos não termos passado tempo suficiente com aqueles de quem gostamos). Os idosos que podem decidir por eles próprios (quem é que gosta de se meter num lar e perder o controlo sobre a sua casa, o seu espaço, as suas coisas, os seus horários, a sua intimidade?), ou cujas famílias não podem ou não querem pagar um lar, ficam em casa, muitos sozinhos a maior parte do tempo. Alguns contam com apoio domiciliar, familiar, público ou privado. É um mercado de serviços em grande crescimento (num google de “apoio a idosos” encontram-se diversas empresas e organizações de apoio) e possivelmente uma via respeitosa para ajudar quem precisa de apoio para uma vida mais digna. Qual será a melhor opção para cada pessoa?

Será que já parei a pensar como quero, profunda e sinceramente, lidar com os mais velhos? Ou será que vou tomando pequenas decisões, aparentemente inócuas, que vão condenando pais, tios, avós à solidão e esquecimento, enquanto me desculpo com o frenesim do dia-a-dia da vida moderna? O que é que importa realmente na vida, afinal? De um ponto de vista mais egoísta: como quero que lidem comigo quando eu for um dos “mais velhos”? Será que desejo que me tratem com a gratidão com que trato os meus pais?

Talvez os idosos não exijam tanto assim. Talvez a senhora que há dias desabafou com uma amiga minha tenha dito tudo: “Ó menina, eu agora já só peço que me dêem carinho!”

Quem canta tudo isto muito bem é a grande poetisa Mafalda Veiga:


domingo, 1 de março de 2009

Meio Ironman do Porto Santo

Completei o meu primeiro triatlo longo, na distância “1/2 Ironman”! (Isso deve fazer de mim um homem de... ferrugem, talvez?)

Foram 1,9 km de natação (31min), 90 km de ciclismo (3h11min) e uma meia-maratona (21,1 km em 1h33min), totalizando 113 km em 5h16min. Fui 24º entre 65 atletas que iniciaram o I Triatlo Longo do Porto Santo (resultados completos aqui).





Tinha esperança de completar a prova em menos de 5h e 1/2, mas não estava seguro de o conseguir, dada a novidade da distância – o objectivo básico era conseguir chegar ao fim. Claro que foi duro, mas não tanto quanto esperava (claramente menos agressivo que uma maratona). Surpreendentemente, mantive quase sempre óptimos níveis de energia e muito boa disposição (evidente nas fotos). Poucos estragos, recuperação rápida. Experiência certamente a repetir.

Para os mais distraídos, chamo a atenção para o facto de esta prova ser “apenas” 50% do famoso Ironman. O completo e verdadeiro Ironman (3,8 km natação + 180 km ciclismo + maratona), esse sim, é uma insanidade completa. Por isso, pais, estejam descansados: não será ainda em 2009.

A prova (campeonato nacional de triatlo longo e primeira etapa da taça ibérica de triatlo longo) foi ganha pelo Bruno Pais (17º nos Jogos Olímpicos de Pequim) em masculinos e pela Maria Areosa em femininos. Para mais informações, vejam a notícia no site da Associação Regional de Triatlo da Madeira e o vídeo da RTP Madeira.


Preparação

Tenho de admitir que abordei este desafio com alguma leviandade. Só decidi participar na prova um mês antes. Tendo em conta que estava em boa forma na corrida (tinha feito uma meia-maratona no Central Park no dia 25/Jan em 1h25min, cujo maior desafio tinham sido os -10ºC, e estava capaz de correr mais de 2 horas sem dificuldade) mas que não estava a treinar natação nem ciclismo, havia muito a fazer para chegar ao dia 1 de Março capaz de completar o triatlo.

Já a pensar em futuros desafios, decidi comprar uma bicicleta de estrada. Acabei por comprar uma óptima bicicleta num leilão do eBay, em segunda mão mas em muito bom estado. Espero que dure por muitos anos. O exagerado frio nova-iorquino obrigou-me a esperar chegar a Portugal para poder começar a usá-la. Nos EUA comecei a fazer treinos de 30 a 60min em bicicleta estática no ginásio e quando cheguei a Portugal faltavam três semanas para a prova, o que me dava duas semanas para treinar e uma para descansar. Nessas duas semanas dei prioridade total ao treino de ciclismo, fazendo um treino longo (2 a 3,5 horas, 50 a 90 km) cada dois dias. Fiz em duas semanas os treinos longos que idealmente teria feito em oito semanas! O dia de descanso entre treinos permitiu-me recuperar bem e senti a forma física e a auto-confiança a aumentar. Uma semana antes da prova estava confiante de que chegaria ao fim, sem importar o tempo final.

A natação é um passeio para quem, como eu, sabe nadar e não tem pretensões de vencer triatlos. Ainda nos EUA treinei durante uma semana, aproveitando um “free trial” de uma semana num ginásio que tinha piscina, e em Portugal fiz mais sete treinos até à prova.

Entretanto, o cansaço nas pernas e a falta de tempo produzidas pelos treinos de ciclismo levaram-me a treinar muito pouca corrida, o que se revelou uma boa estratégia visto que fiz um bom tempo na corrida deste triatlo (12º melhor tempo).

No total, ignorando a corrida (que tenho treinado em continuidade há vários meses), em um mês investi cerca de 30 horas (uns 750 km) de ciclismo e umas 12 horas (35 km) de natação para preparar este triatlo. Até foi uma preparação económica, mas deu para perceber o grande desafio de encontrar tempo para treinar para um Ironman – um desafio diferente mas talvez superior ao de completar o Ironman.


Véspera

Na semana antes da prova fiz treinos bastante leves (mais curtos, com alguns exercícios de velocidade) e não treinei na véspera e antevéspera. Ainda ponderei ir fazer o reconhecimento do percurso de ciclismo no sábado, mas acabei por optar pelo descanso e pela surpresa de descobrir o percurso durante a prova. Também ponderei ir dar umas braçadas no mar, no percurso de natação, até para experimentar o fato isotérmico (emprestado, que só tinha vestido em casa), mas concluí que era indiferente se me adaptava bem ao fato ou não, já que a água estava fria e não tinha alternativa.

Entretanto, à minha volta via muitos triatletas hiperactivos, entre ajustes nas bicicletas, volta ao percurso de ciclismo, braçadas no mar, treinos leves de corrida... Fiquei a pensar se me estava a falhar alguma coisa que deveria estar a fazer! Acabei por não ficar totalmente parado porque fui passear de bicicleta com os meus amigos, para ver um bocado da ilha.


Dia da prova

Acordei pelas cinco da manhã com barulho de vozes altas e risadas junto à piscina do hotel. “Estes triatletas são loucos! Já estão acordados e hiperactivos a esta hora?? Mas o pequeno-almoço só começa às seis!” Tapei os ouvidos com a almofada e dormi até perto das seis. Afinal fui um dos primeiros a descer para o pequeno-almoço. Um grupo de ébrios não-atletas entrou para o pequeno-almoço e fiquei mais descansado ao perceber que tinham sido eles os responsáveis pelo barulho de madrugada. Segundo outros atletas, o barulho tinha começado antes das duas da manhã!

Até à prova dediquei-me a garantir que a barriga e intestinos estavam vazios. Pelas 8h30 tomei um PowerGel e um café e fiz a última visita à casa de banho. Fiz um curto aquecimento em corrida lenta e dei umas braçadas já dentro do fato isotérmico. Senti-me flutuar bastante – parecia que ia em cima de uma prancha de surf e que só precisava de remar para avançar. A temperatura da água do mar rondava os 18ºC – fresquinha mas suportável com o fato.



foto: Pedro Monteiro



Enquanto esperávamos o sinal de partida na praia sentia-me descontraído, bem disposto, com energia. O cenário estava bonito: tinha caído uma triste chuva fria que teve a decência de parar para o início da prova, e havia agora um contraste espectacular entre as nuvens cinzentas e os raios de sol matinais projectados sobre os 65 loucos que se preparavam para percorrer 1,9 km a nado, 90 km a pedalar e 21,1 km a correr.


Natação

Tiro de partida! Corremos para o mar e saltamos a pequena rebentação para começar a nadar. Eu parti um pouco à direita e logo nas primeiras braçadas reparei em algo estranho: não ia ninguém à minha frente, só via um atleta à minha direita.



foto: Miguel Carvalho



Rapidamente descartei a possibilidade de ser o líder da prova. Respirei para o lado esquerdo (costumo respirar para o lado direito e não tenho a respiração bilateral bem treinada) e vi que o pelotão estava uns bons metros à minha esquerda, com alguns atletas bastante mais avançados. Comecei a chegar-me para a esquerda, reparando que eles estavam a seguir um trajecto mais curto e pensando que era boa ideia encontrar um grupo onde pudesse aproveitar o “vácuo” de outros atletas. Já só me juntei a outros atletas na bóia em que virávamos à direita, a 350 metros da praia (o percurso era marcado por quatro bóias formando um quadrado de 200 metros de lado, a primeira situada a 150 metros da praia, portanto os 1.900 metros de prova eram formados por 150 metros da praia ao quadrado + 2 voltas ao quadrado de 4x200 metros + 150 metros de volta à praia).

A minha respiração estabilizou, tinha entrado num ritmo potente mas que sentia que poderia manter por bastante tempo (idealmente durante 1.900 metros). Não me sentia muito eficiente e achava que o fato isotérmico prendia um pouco a rotação dos ombros e por isso alterava o meu estilo, que normalmente já não é o mais económico. Mas sentia-me a avançar bem, ajudado pela flutuação extra proporcionada pelo fato. Fui tentando seguir atletas próximos mas por vezes avançava sozinho, quando me parecia que eles andavam aos ziguezagues em vez de seguirem em linha recta para a bóia seguinte.

As bóias, que marcavam mais 200 metros percorridos, vinham bastante depressa. Ao iniciar a segunda volta ao quadrado de 4x200 metros senti que a prova estava sob controlo, que ia em bom ritmo que conseguiria manter até ao fim. Não me pareceu que valesse a pena acelerar – poderia ter feito talvez um minuto menos, mas começaria o ciclismo mais cansado e facilmente perderia esse minuto.

Deixei de reparar tanto no esforço e na navegação e comecei a apreciar mais a situação. O céu estava cinzento mas bonito. Por vezes atingiam-me agradáveis raios de sol vindos do horizonte. O mar estava calmíssimo, quase uma piscina. Não se sentiam correntes. A água parecia limpíssima, transparente. O único sabor era a sal. A temperatura ameaçava congelar as mãos e os pés, mas não passava da ameaça. Os sons eram os do impacto de braços e pernas na água.

Nos 200 metros antes de virar para a praia pensei no que se seguiria: transição, tirar o fato, pôr o capacete, sapatos de ciclismo e luvas e iniciar os 90 km de bicicleta. Ao virar para os últimos 150 metros até à praia os atletas que iam comigo aceleraram. Eu achei que não valia a pena terminar com o coração mais acelerado para poupar uns segundos e mantive o ritmo.



foto: Miguel Carvalho



Ao levantar-me já na areia e começar a correr em direcção ao parque de transição olhei para o relógio e vi 31 minutos! Natação super-rápida, provavelmente graças ao fato (esperava fazer 35 ou 36min). Óptimo! Passei então à tarefa de tentar abrir o fecho do fato enquanto corria. A transição acabou por ser relativamente lenta, mas tinha decidido que não me ia preocupar demasiado com as transições: que importa mais um minuto numa prova de mais de cinco horas?


Ciclismo

A principal sensação no início do ciclismo foi de frio! Tinha recomeçado a chuviscar, o sol estava coberto, e a diminuta roupa não me protegia do vento frio, inevitável ao deslocar-me a 30 km/h na bicicleta. Arrependi-me de não ter levado roupa mais quente para o ciclismo e pensei que iria sofrer bastante nas três horas seguintes. Mas não havia nada a fazer.

A primeira das quatro voltas de 22,5 km (4x22,5 = 90 km) foi marcada pelo frio. Fiquei feliz com o ritmo: mantive uma média próxima dos 30 km/h (45min por volta), coerente com o meu objectivo de cumprir os 90 km/h em cerca de três horas. Fui passado por alguns atletas e só passei um ou dois. Reparei que os 65 participantes iam bastante espaçados no percurso, o que facilitava o cumprimento da regra de fazermos uma prova individual, sendo proibido aproveitar o vácuo de outro atleta.

O percurso não era plano mas era, de acordo com os triatletas mais experientes, bastante rápido. Havia algum vento, mas não muito forte. A minha velocidade instantânea variava entre uns 18 km/h nas subidas mais íngremes e 58 km/h na descida mais rápida. Era uma descida longa que terminava numa rotunda. A rotunda era pequena, por isso dava para não travar ao entrar nela, fazer uma tangente ao círculo central e sair disparado em frente. Como o trânsito nas estradas da prova não estava sob controlo, ao descer olhava sempre com atenção para verificar que não apareceria nenhum carro à minha frente – àquela velocidade seria impossível parar. O trânsito era bastante intenso, ao contrário do que a organização tinha anunciado e seria desejável. Só fui obrigado a travar uma vez, num cruzamento mais complicado, mas várias vezes tive de respirar gases de tubos de escape e senti alguma insegurança. Fiquei a pensar se este tipo de situação seria normal em provas de triatlo, mas pela reacção indignada de vários atletas percebi que não.

Senti algumas oscilações de energia ao longo do ciclismo, mas pareceu-me que o meu plano de alimentação funcionou bem: um PowerGel na segunda metade de cada volta e uma barra de amendoins no início de cada volta após a primeira. Cerca de 1.000 kcal ingeridas durante o ciclismo. Os amigos por quem passava três ou quatro vezes em cada volta ajudavam a distrair-me e a manter-me animado.



foto: Miguel Carvalho



Mantive o ritmo próximo dos 30 km/h nas primeiras duas voltas. Na terceira, sentindo uma pressão cada vez maior na bexiga, decidi encostar às boxes por volta do km 48 (num espaço entre dois arbustos, mais isolado) e despejar bastante água, talvez meio litro (suspeito que consequência do café e de alguma cafeína presente em alguns dos PowerGel que tomei). Peço desculpa por eventuais ofensas às duas senhoras que passaram do outro lado da estrada nesse momento delicado. Que alívio! Que bem-estar! Não tenho dúvidas de que o investimento de tempo valeu a pena. Nessa paragem fui passado por um atleta que rapidamente ultrapassei ao voltar à prova com novas energias. A terceira volta acabou por ser uns dois minutos mais lenta, não só pela paragem mas provavelmente também por algum cansaço.

Entretanto, fui passando por vários atletas parados com pneus furados (provavelmente consequência dos buracos na estrada em parte do percurso). Vi alguns a trocar o pneu mas reparei em muitos a desistir. Pensei na frustração que estariam a sentir e agradeci não me ter acontecido nada. Também passei por um atleta ferido que estava a ser tratado após uma queda - soube depois que tinha sido numa interacção infeliz com um carro.

Na última volta voltei a sentir a bexiga cheia. “Será possível??” Considerei a possibilidade de me aguentar até ao fim da prova, mas correr uma meia-maratona com a bexiga cheia não me pareceu viável e acabei por fazer uma nova paragem nas boxes. Desta vez passaram dois miúdos por mim – desculpem lá o mau exemplo! De novo um grande alívio e novas energias para os últimos 18 km. (Não sei se é normal em provas deste tipo, mas parece-me básico disponibilizar umas casas-de-banho portáteis em algum ponto – por exemplo ali perto do início de cada volta do ciclismo e da corrida – para os atletas se poderem aliviar em condições menos chocantes para a população.) Decidi relaxar ligeiramente nos últimos quilómetros, para chegar à corrida o menos cansado possível. Acabei por terminar o ciclismo em um pouco mais de 3 horas (3h11min, incluindo os tempos nas duas transições), a uma média de 29 km/h. Óptimo!


Corrida

Tinham passado 3h43min de prova quando iniciei a meia-maratona. Mesmo que fizesse uma corrida lenta, a 12 km/h (1h45min), conseguiria terminar em menos de 5h30min! Fiquei animado, mas sabia que poderia acontecer muita coisa naqueles 21 km e nada era garantido.

Como de costume depois de pedalar, comecei a correr sem sentir as pernas. Entrei em “piloto automático”, sem noção nem controlo sobre a velocidade a que ia, esperando que fosse a habitual, próxima dos 4min15s por km. Cruzei-me com o Bruno Pais, o vencedor, que vinha provavelmente na sua volta final, com ar bastante relaxado, e com outros atletas da frente da prova.

O percurso de corrida era, tal como o de ciclismo, um pouco monótono: quatro voltas de ida-e-volta (cada uma de 5,25 km) entre o centro do Porto Santo e o porto de abrigo, significando que passávamos oito vezes por cada ponto. As vantagens de um percurso deste tipo são que é mais simples colocar pontos de abastecimento frequentes (a cada 2,6 km, nesta prova), passamos mais vezes pelo mesmo público (além de familiares e amigos, não havia muito mais gente a assistir à prova) e é mais fácil notar o progresso no percurso. Outra consequência é que nos cruzamos um monte de vezes com os outros atletas em prova. Eu ia olhando para eles e dizia “Força” e outras palavras de incentivo, ou simplesmente levantava o polegar. Parecia que estava a tentar ganhar o Prémio Simpatia da prova. Alguns respondiam, outros não (é mais simpático quando respondem, mas entendo perfeitamente quem não responde!). Alguns pareciam autênticos zombies, alheios ao que se passava à volta deles, fazendo-me sentir ainda mais agradecido pelo meu estado lúcido.



foto: Miguel Carvalho



Completei a primeira volta em 22min30s – exactamente o meu ritmo mais optimista (daria 1h30min na meia-maratona). Na segunda volta comecei a sentir as pernas. Sentia-me cansado, mas começava a conseguir correr mais solto, mais relaxado. Ia passando bastantes atletas, o que é sempre animador (mesmo que eles já me levassem uma volta de avanço ou uma volta de atraso e portanto não afectassem a minha classificação final). De novo comecei a sentir a bexiga, mas fui atrasando nova paragem nas boxes até concluir que conseguiria esperar pelo fim da prova. Mantive o ritmo e passei em um pouco mais de 45min aos 10,5 km.





Segundo amigos e outros atletas, nesse momento, a meio da corrida, aumentei a velocidade. O meu relógio diz que não, que mantive sempre mais ou menos o mesmo ritmo. Mas notei altos e baixos de energia que provavelmente se traduziam em oscilações na velocidade. Pelo menos senti-me a correr melhor, mais solto. Nas últimas duas voltas, com medo de que me faltasse o combustível, decidi tomar mais um gel em cada uma. Sentia-me forte, em bom estado, mas sabia que em poucos minutos poderia apagar-me. Nada estava garantido.


Balanço

Ao fazer o último retorno no porto de abrigo observei que faltavam pouco mais de 10 minutos para completar a prova e finalmente senti confiança em que conseguiria chegar ao fim em bom ritmo. As pernas estavam cansadas e começava a sentir alguma dificuldade nas ligeiras subidas do percurso, mas eram só mais 10 minutos! Comecei a avaliar a experiência. Afinal, 1/2 Ironman é duro mas não tão louco assim (pelo menos para insanos como eu e os outros participantes). Talvez pudesse ter apertado um pouco mais na natação (para ganhar 1 minuto e ficar bastante mais cansado?) e no ciclismo (para ganhar 5 ou 10min e depois não conseguir correr?) – é muito fácil dizer “se” depois das coisas acontecerem. Com certeza repetirei a experiência, mas pensarei duas vezes antes de o fazer. Com a experiência vem uma melhor noção das minhas capacidades, dos meus limites, das estratégias que funcionam melhor (treinar mais, por exemplo, não deve ser má ideia), e com certeza poderei baixar uns minutos. E o Ironman completo? Claramente uma loucura... preciso de mais uns meses para passar a outro patamar de insanidade. A companhia dos outros insanos nesta prova ajudou (ou não, diriam os meus pais): começou a parecer-me que fazer um Ironman até é uma coisa relativamente normal...


Agradecimentos

Nos 500 metros finais, já na última recta antes de virar para a meta, tornei-me um receptor de energia cósmica. Convergiam em mim boas energias de todo o universo, provocando descargas eléctricas pela espinha dorsal. Agradeci ao Todo e a todos pela fantástica experiência daquelas 5 horas e tal:

Adelino: por ter lançado o desafio, pelo apoio logístico, pelas aulas de manutenção de bicicleta, pelos passeios na Madeira e Porto Santo

Alda, Miguel, Carolina e Eunice: pelo apoio, pelas reportagens fotográficas e vídeo, por me terem adoptado como mais um sobrinho/primo

Ana e Pedro: pelo estímulo para que me animasse a participar, pela organização, companhia, apoio ao vivo, reportagem fotográfica

João: pelas exaustivas consultorias ciclísticas e generosos patrocínios de equipamento

Triatletas insanos: pela companhia nesta maluquice, incentivo e inspiração (especialmente os mais “experientes” na vida - quem me dera estar nessa forma daqui a 20 ou 30 anos!)

Público: por terem aparecido e por se terem manifestado, com palavras e aplausos

Organizadores: por porem a prova de pé, pelo apoio na logística

Todos os que enviaram apoio e boas energias


Meta

Ao aproximar-me da meta passei pelo Artur Parreira, da Federação de Triatlo, que se pôs a procurar o meu nome na lista de participantes, para poder anunciar a chegada. Eu ia tão lúcido e com tanta energia que lhe gritei o meu nome enquanto iniciava a ligeira subida para a meta. Até fechei o fato como os pros, para ficar mais apresentável para as fotos finais. Cruzei a meta cansado mas a sentir-me fresquíssimo, aparentemente capaz de correr mais uns quilómetros! Super bem disposto, a radiar energia. E também muito feliz por poder comer qualquer coisinha sólida!



foto: Pedro Monteiro