sexta-feira, 6 de março de 2009

A velha de Beverly Hills

Esta noite sonhei que estava a ver o Beverly Hills 90210, série inconsequente cheia de gente jovem, bonita e rica e dos seus dramas do dia-a-dia.





No sonho, um dos rapazes da série (talvez o louro Steve) entra na cozinha de sua casa e assusta-se ao encontrar uma senhora idosa. A câmara treme e ouvem-se uns acordes tenebrosos. Atrás do rapaz entra uma rapariga (talvez a morena Brenda), que ao ver a velhinha olha para o rapaz como se ele tivesse cometido um crime horrendo ao estar a interagir com uma pessoa daquela idade, enquanto ele agita as mãos a tentar explicar a situação “Não é isso que estás a pensar!” A imagem pára para os espectadores digerirem a terrível revelação: o rapaz dá-se com idosos!!

Só agora, tantos anos depois de perder tempo a ver episódios da série, reparei na evidência: o 90210 só mostra gente jovem e bonita! Mesmo os pais dos protagonistas são relativamente jovens, sem rugas, sem cabelos brancos. Beverly Hills é um mundo sem idosos. E sem idosos são tantos outros mundos, especialmente os mostrados na TV e outros meios de comunicação. Talvez também o meu próprio mundo?

Com a melhoria dos cuidados de saúde e controlo de doenças, a população humana tem envelhecido. Segundo a ONU, no mundo “desenvolvido” a esperança de vida anda próxima dos 80 anos. Nunca existiram tantos idosos tão idosos como agora. Naturalmente, a sociedade (ou seja, eu, tu, ele, todos nós) parece não ter definido ainda exactamente o que fazer com eles.

Quando a mente e o corpo começam a pregar partidas, os idosos passam a partilhar muitos comportamentos infantis... Infelizmente não costumam beneficiar das doses industriais de aceitação e carinho que dispensamos às crianças. Se achamos seres humanos de dois anos tão queridinhos e engraçadinhos em cada asneira que fazem... Se aceitamos com naturalidade que não consigam controlar as urgências para fazer necessidades, que sujem as fraldas e cheirem mal... Se achamos louvável e divertido quando, apesar dos repetidos maus resultados, insistem em serem independentes ( “Sozinho! Sozinho!”)... Se aceitamos que digam coisas sem sentido... Se, melhor ou pior, aceitamos birras, desafios, exigências, choros... Porque será tão difícil aceitar os mesmos comportamentos de alguém 80 ou 90 anos mais velho?

E que dizer da solidão a que tão frequentemente parecemos condenar os mais idosos?

Há com certeza muitas diferenças entre ambientes rurais e urbanos, cada um com as suas vantagens e desvantagens. As aldeias estão cada vez mais despovoadas e envelhecidas, e têm menos oportunidades culturais e de distracção que as cidades, mas também costumam manter níveis muito superiores de convivência e solidariedade entre vizinhos. Nas cidades há acesso a mais serviços e oportunidades, e também a muitos mais vizinhos mesmo aqui ao lado... mas com quantos trocamos mais do que um olhar de soslaio ou, quando muito, um tímido “Bom dia”?

Para muitos idosos, o estado físico e/ou mental dificulta sair à rua e interagir com o mundo exterior. Alguns vivem com as suas famílias. Outros sozinhos. Outros em lares. Para quem pode pagar, os lares são uma invenção conveniente, que retira das nossas vidas quem começa a requerer demasiados cuidados e atenção (e, quando é tarde de mais, lamentamos não termos passado tempo suficiente com aqueles de quem gostamos). Os idosos que podem decidir por eles próprios (quem é que gosta de se meter num lar e perder o controlo sobre a sua casa, o seu espaço, as suas coisas, os seus horários, a sua intimidade?), ou cujas famílias não podem ou não querem pagar um lar, ficam em casa, muitos sozinhos a maior parte do tempo. Alguns contam com apoio domiciliar, familiar, público ou privado. É um mercado de serviços em grande crescimento (num google de “apoio a idosos” encontram-se diversas empresas e organizações de apoio) e possivelmente uma via respeitosa para ajudar quem precisa de apoio para uma vida mais digna. Qual será a melhor opção para cada pessoa?

Será que já parei a pensar como quero, profunda e sinceramente, lidar com os mais velhos? Ou será que vou tomando pequenas decisões, aparentemente inócuas, que vão condenando pais, tios, avós à solidão e esquecimento, enquanto me desculpo com o frenesim do dia-a-dia da vida moderna? O que é que importa realmente na vida, afinal? De um ponto de vista mais egoísta: como quero que lidem comigo quando eu for um dos “mais velhos”? Será que desejo que me tratem com a gratidão com que trato os meus pais?

Talvez os idosos não exijam tanto assim. Talvez a senhora que há dias desabafou com uma amiga minha tenha dito tudo: “Ó menina, eu agora já só peço que me dêem carinho!”

Quem canta tudo isto muito bem é a grande poetisa Mafalda Veiga:


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