sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Cicloartista contra-ataca


Não há palavras... Poesia sobre duas rodas não é nada...

Não me canso de ver o Danny MacAskill em acção. E reparo como de vez em quando paro de respirar (Ah! Então é este tipo de coisas que são de "cortar a respiração"!).

Se ele não ama andar de bicicleta, finge muito bem. No ano passado, quando começou a fazer sucesso com o primeiro vídeo no youtube explicou a um jornal (confiando que ele disse isto mesmo... sabe-se lá o que o jornalista inventou): "I am not too fussed about making money. I just want to ride my bike every day and see a bit more of the world."

Seria muito fixe trazê-lo a Lisboa para uma campanha de respeito pelos passeios e ciclovias: já estou a imaginá-lo a saltar de carro indevidamente estacionado em carro indevidamente estacionado, para choque dos donos prevaricadores! (Ironicamente, no ano passado ele filmou em Lisboa um anúncio para uma marca automóvel - fiquei o tempo todo à espera de o ver saltar por cima do carro!)

Parece que entretanto o Danny deve estar a fazer algum dinheiro, o que dá certo jeito, especialmente se estiver a pensar ter sogros.

A Revolução Industrial começou há mais de 200 anos no país do Danny... Talvez já fosse tempo de ser normal, aceitável e até incentivado que uma boa parte da humanidade se dedicasse - não necessariamente como estrela de futebol, cinema ou música - a actividades não claramente produtivas (no sentido de produzir produtos) mas com outros tipos de benefícios: estética, entretenimento, alegria, ...?

Façamos o que amamos e sejamos felizes!


PS: Parabéns também a quem pensou, produziu e montou o vídeo - não basta o artista para garantir um bom resultado! Excelente trabalho!!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Imprestáveis

Não gosto nada do namorado da minha filha... aquele tipo não faz NADA!! Passa o tempo...

... a surfar!


foto: Rob Keaton


E se o rapaz for o Kelly Slater (ou o futuro sucessor)?

... a correr!
E se for o Haile Gebrselassie?

... a caminhar!
E se fosse o Gandhi?

... em cima da bicicleta!
E se for o Danny MacAskill?

... aos pontapés na bola!
E se for o Figo?

... a acelerar com o carro!
E se for o Schumacher?

... agarrado à guitarra!
E se for o David Fonseca?

... a brincar aos actores!
E se for o Daniel Radcliffe?

... no circo!
E se for o Guy Laliberté?

... na palhaçada!
E se for o Ricardo Araújo Pereira?

... a fazer figuras tristes!
E se for o Rowan Atkinson?

... a vagabundear pelo mundo!
E se for o Gonçalo Cadilhe?

... na lua!
E se for o Neil Armstrong?

... a dar mergulhos!
E se fosse o Jacques Cousteau (ou o neto)?

... a escrever... e nem sabe pontuar!!
E se fosse o Saramago?

... a tirar fotos!
E se for o Sebastião Salgado?

... a fazer bonecos!
E se for o Quino?

... a desenhar paralelepípedos!
E se for o Siza Vieira?

... a dançar horrivelmente!
E se for o Matt Harding?

... a comer!
E se for o Ferran Adrià?

... a inventar formas de arriscar dinheiro e saúde!
E se for o Richard Branson?

... agarrado ao iPhone!
E se for o Steve Jobs?

... a navegar na Internet!
E se for o Sergey Brin?

... no Facebook!
E se for o Mark Zuckerberg?

... na choldra!
E se for o Nelson Mandela?

... a não fazer NADA!!
E se for o David Blaine?

E mesmo que o rapaz não seja o melhor do mundo ou muito bom no que faz, é provavelmente o melhor do mundo a ser ele próprio. E talvez o melhor do mundo a ser amigo, companheiro, parceiro, sócio, vizinho, namorado, etc. e a fazer-nos todos felizes.

Afinal o que queremos da nossa vida e das vidas de quem nos é próximo? Queremos segurança, carreira, dinheiro, fama, poder... ou queremos felicidade?


E tu? Que outros genros imprestáveis adicionarias à lista?


Nota 1: Tenho noção de que esta bulicena é bastante sexista: só menciono (e defendo) homens/genros. Na minha limitada experiência, a preocupação sobre as noras costuma ser de outra natureza.

Nota 2: Reconheço que várias destas personagens talvez não sejam os maridos ou pais ideais. Por exemplo, não sou grande admirador do Gandhi especificamente como marido e pai de família. Mas não é por eles "só" surfarem, correrem, escreverem, etc. etc. que são necessariamente maus maridos, pais ou pessoas.

Nota 3: A minha sobrinha que se livre de arranjar namorado surfista, atleta, artista, ou outro imprestável qualquer!!!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Buli no médico

Nota inicial: Por que raios iria eu ao médico?? Leitores mais preocupados, não se preocupem. Fui fazer o exame médico desportivo, obrigatório para competir em provas oficiais como atleta federado.


Médico: Treina todos os dias?

Eu: Sim, praticamente.

Bidiários?

Às vezes. Como faço pentatlo e triatlo, há dias em que treino corrida e natação, ou corrida e ciclismo...
[Lembrando que o médico foi maratonista] Agora estou a treinar para a maratona de Tóquio, onde quero bater o meu recorde na distância.

Ah, sim? Que tempo quer fazer?

Abaixo das 2h50min.

Ah... [médico com cara de isso-não-é-assim-nada-de-especial]
Quantos quilómetros treina por semana?

Uns 100.

Então e não consegue treinar mais? Uns 120?

Pois... [A pensar que 100 km já é muito!]

E a que velocidade corre?

Pelos 4'30"/km, com uns fartleks de vez em quando.

E não consegue correr mais rápido?

Talvez uns 4'15"-4'20"/km?

Se eu voltasse atrás sabendo o que sei hoje, não correria tanto como corri. Fazíamos mais de 200 km por semana, parecia que andávamos a competir a ver quem fazia mais quilómetros. Podia ter corrido menos e mais rápido, com iguais ou melhores resultados e com menos lesões.



foto de 1979 encontrada aqui (quem é o atleta à esquerda do médico??)




PS: Obrigado, Renato, pelos conselhos e pelos óptimos argumentos para responder quando me dizem "Tu vê lá, não te estiques..." :)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Singapura by night

O que é que um corredor diz para o outro às 3:30 da manhã?


Ontem à noite estava a ficar entusiasmadíssimo com a perspectiva de viajar para Portugal hoje. Depois de jantar e fazer as malas decidi que ainda precisava fazer algumas coisas (no computador... esta máquina de produtividade – e muitas vezes de distracção – na era da informação, que consegue manter-me acordado bem para além da minha resistência habitual não estimulada).

Por volta das duas da manhã estava pronto para ir dormir. A ideia de dormir poucas horas para ir apanhar o voo das 9 da manhã não me incomodava muito. Mas acordar às quatro da manhã para correr para cumprir o plano de treinos começava a soar doloroso. Considerei as minhas opções
1. Dormir 2 horas e acordar às 4 para ir correr
2. Correr agora, deitar-me às 4 e dormir 2 horas
3. Deitar-me já, dormir 4 horas e não correr (Não... um corredor aplicado como eu nem sequer coloca estas possibilidades, que é para não começar a racionalizar por que é que na verdade é muito boa ideia ter mais um dia de descanso. Além disso, qualquer uma das opções 1 ou 2 seria coerente com a minha experiência de já ter corrido a qualquer uma das 24 horas do dia. Para um corredor aplicado não existem desculpas de que é tarde ou cedo demais; ou está a chover, a nevar ou a passar um tornado; ou quente ou frio demais; ou...)

De repente a opção 2 começou a soar excelente. Muito melhor do que acordar às 4 com uma ganda moca e arrastar-me no treino. O sono começou a dissipar-se e um fluxo de uma qualquer endorfina energizante percorreu o corpo. Butes lá correr!


2:30 Holland Road

Acabei por sair de casa às 2:30. Logo à saída do prédio vinha um vizinho a acabar de passear o cão (gente estranha, a fazer estas coisas a esta hora da madrugada!).

Ruas bastante desertas e – o melhor de tudo – muito pouco trânsito. Senti logo uma frescura (para os padrões de Singapura, certamente estavam 20 e muitos graus e humidade a 70 ou 80%, como de costume), parte devido à hora e parte devido à chuva que tinha caído a tarde toda. Hmmm... existem várias vantagens em correr a estas horas!

Segui pela Holland Road a caminho do centro da cidade, sem um percurso muito definido mas com intenção de ir até algum ponto do centro financeiro e voltar. O plano era correr 90 minutos (uns 20 km), num fartlek (treino de variações de velocidade) de 7’30” médios (ou seja, algo rápidos, próximo dos 15 km/h) e 7’30” lentos.

Nos habituais 15 minutos passei pelo portão dos Jardins Botânicos, para onde nem olhei porque estaria certamente fechado. Mesmo que estivesse aberto, estaria provavelmente muito pouco iluminado e, além de não conseguir ver o tempo no relógio para mudar de ritmo a cada 7’30” (acho que o relógio não tem iluminação...), havia o risco de pisar algum degrau ou objecto e torcer um pé.


2:50 Orchard Road

Entrei na Orchard Road no ritmo rápido. Passei no ponto de encontro habitual do Banana Prata Triathlon Club para as nossas madrugadoras voltas à ilha e ainda pensei que seria engraçado encontrar algum ciclista por ali. Mas além de ser cedo demais (nunca combinármos nada antes das 4:55 da manhã), a maior parte dos meus colegas de clube estão estes dias em Busselton, na Austrália, onde no domingo farão um Ironman.

Logo a seguir passei pelas Orchard Towers, onde a animação nocturna parece ser sempre garantida. Raparigas desfilando as suas curvas com saias minimalistas, decotes generosos, camisas semi-transparentes revelando a roupa interior, saltos altos de uns 15 cm. Vergonhosamente para um homem (macho, não no sentido neutro de “membro da humanidade”) que já viveu um total de 3 anos em Singapura, não sei exactamente o que se passa nas Orchard Towers. Parece que há lá um bar ou discoteca (ou vários) onde as vendedoras de serviços sexuais são particularmente assertivas. Deveria ir lá um dia destes investigar (e levar a Sílvia comigo, para ver se ela me protege da agressividade feminina!). O que eu vejo é, lá em baixo, à porta do prédio algumas delas e imagino que seus clientes ou potenciais clientes. Estranhas razões para andar na rua àquelas horas, ou nem tanto?

Segui pela Orchard Road fora passando pelos milhentos centros comerciais, todos fechados como seria de esperar. De vez em quando cruzando-me com grupos de 2 ou 3 pessoas... a passear? Gente estranha...


3:15 Marina Bay

Seguiu-se a Singapore Management University, Chjimes (antigo convento tornado bloco de bares e restaurantes), Swissotel (onde se realizou há dias a outra maratona vertical de Singapura), Esplanade, Floating Platform, Marina.

Atravessei a ponte helicoidal para o complexo do casino... ahn... perdão, resort integrado. As obras (que ainda vão durar uns bons meses, apesar de o cas... resort ter sido inaugurado em Junho) estavam em grande actividade. Nada como mão de obra estrangeira, barata e com muito poucos direitos para se sacrificar pelo desenvolvimento económico do país... Nem seria tão desumano se ao menos aquele pessoal tivesse a opção de escolher horários de trabalho e fosse pago extra por trabalhar a horas menos naturais. Duvido que isso aconteça.



As obras obrigaram-me a entrar no edifício (da zona de lojas, não das mesas de jogo, que nem sei bem onde ficam), aproveitando por menos de 1 minuto o refrescante ar condicionado. Estava exactamente a meio dos 90 minutos planeados, e pelas minhas estimativas chegaria a casa em 45 minutos.

Ali junto à baía passei por alguém com ar de sem-abrigo a dormitar – uma visão muito incomum em Singapura – mas ia no modo rápido (além de que estava escuro e eu cansado) e não deu para avaliar bem.

Raffles Place, centro do centro financeiro de Singapura, hotel Fullerton, Museu das Civilizações Asiáticas... Era só seguir junto ao rio por uns kms e ver se restava alguma acção na vida nocturna daquela área.


3:30 Clarke Quay

Cheguei a Clarke Quay, passando ao lado do bungee jumping invertido (uma espécie de fisga que dispara uma cápsula com três passageiros apreciadores de acelerações a ponto de pagarem pela experiência) e entrei na zona de restaurantes, bares e discos.

Foi ali que me cruzei com o único outro corredor da noite. Levantei a mão para dizer “Hi”, “Olá”, “Oi”, “Ugh” ou algum outro cumprimento semelhante e ele respondeu “Good morning!”. Fiquei a pensar “Mas é good morning ou good night?? Até agora teria pensado que era claramente good night... Será que o tipo já dormiu e acordou muuuuito cedo para correr??” Há gente muito estranha: que raio de horas para acordar para ir correr!

Alguns bares ou discos ainda funcionavam, mas estava tudo bastante morto. Passei por vários grupos com ar de se estarem a despedir, vários aparentando serem os funcionários do estabelecimento que acabava de fechar. Vidas diferentes... Eu a olhar para eles e eles a olharem para mim.

Um par de kms mais à frente, em Robertson Quay, já longe dos bares e restaurantes, três raparigas vestidas de night conversavam tranquilamente. Provavelmente reclamavam dos namorados , da falta deles, ou da noite sem sucesso no engate ali ao lado no Zouk (discoteca famosa já em 2003 quando fiz o meu MBA aqui em Singapura; depois de ouvir os meus amigos a falarem dela o ano todo, acabei por ir lá ver o que tinha de tão especial no final do ano lectivo – pareceu-me uma disco como outra qualquer; ou seja, bastante desinteressante para mim).

Pouco depois entrei na Alexandra Road, já a sentir-me a chegar a casa. Faltavam só mais 7’30” médios! Ao longe, apesar do cérebro cansado e do escuro da noite naquela zona menos iluminada, avistei alguém vindo na minha direcção empurrando um carrinho. Noutra cidade qualquer teria pensado que seria um sem-abrigo empurrando todos os seus pertences. Mas em Singapura...? Fomo-nos aproximando e o carrinho foi se revelando um carrinho de bebé. E a pessoa uma mulher, ou mais precisamente uma mãe. E o carrinho levava realmente um bebé! Às 3:40 da manhã?? Gente estranha... Será que a rapariga (de aparência “ocidental”) tinha vindo recentemente de longe e estava com um sério jet lag? Ou o bebé estava imparável e a única forma de o acalmar tinha sido sair para um passeio?

Entrei nos últimos 7’30” médios já a sentir-me em casa.


4:00 Casa

Cheguei! Ah! Cansado e quente, totalmente ensopado em suor. Muito bom! Ainda bem que decidi correr antes de dormir. Fiquei cheio de energia! Nada como, depois dos exercícios de flexibilidade, um bom duche frio para baixar a temperatura do corpo e dormir!

Talvez faça isto mais vezes. Tempo mais fresco, ruas vazias, e aqui e ali umas estranhas criaturas da noite. Melhor que o Night Safari!?