sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Singapura by night

O que é que um corredor diz para o outro às 3:30 da manhã?


Ontem à noite estava a ficar entusiasmadíssimo com a perspectiva de viajar para Portugal hoje. Depois de jantar e fazer as malas decidi que ainda precisava fazer algumas coisas (no computador... esta máquina de produtividade – e muitas vezes de distracção – na era da informação, que consegue manter-me acordado bem para além da minha resistência habitual não estimulada).

Por volta das duas da manhã estava pronto para ir dormir. A ideia de dormir poucas horas para ir apanhar o voo das 9 da manhã não me incomodava muito. Mas acordar às quatro da manhã para correr para cumprir o plano de treinos começava a soar doloroso. Considerei as minhas opções
1. Dormir 2 horas e acordar às 4 para ir correr
2. Correr agora, deitar-me às 4 e dormir 2 horas
3. Deitar-me já, dormir 4 horas e não correr (Não... um corredor aplicado como eu nem sequer coloca estas possibilidades, que é para não começar a racionalizar por que é que na verdade é muito boa ideia ter mais um dia de descanso. Além disso, qualquer uma das opções 1 ou 2 seria coerente com a minha experiência de já ter corrido a qualquer uma das 24 horas do dia. Para um corredor aplicado não existem desculpas de que é tarde ou cedo demais; ou está a chover, a nevar ou a passar um tornado; ou quente ou frio demais; ou...)

De repente a opção 2 começou a soar excelente. Muito melhor do que acordar às 4 com uma ganda moca e arrastar-me no treino. O sono começou a dissipar-se e um fluxo de uma qualquer endorfina energizante percorreu o corpo. Butes lá correr!


2:30 Holland Road

Acabei por sair de casa às 2:30. Logo à saída do prédio vinha um vizinho a acabar de passear o cão (gente estranha, a fazer estas coisas a esta hora da madrugada!).

Ruas bastante desertas e – o melhor de tudo – muito pouco trânsito. Senti logo uma frescura (para os padrões de Singapura, certamente estavam 20 e muitos graus e humidade a 70 ou 80%, como de costume), parte devido à hora e parte devido à chuva que tinha caído a tarde toda. Hmmm... existem várias vantagens em correr a estas horas!

Segui pela Holland Road a caminho do centro da cidade, sem um percurso muito definido mas com intenção de ir até algum ponto do centro financeiro e voltar. O plano era correr 90 minutos (uns 20 km), num fartlek (treino de variações de velocidade) de 7’30” médios (ou seja, algo rápidos, próximo dos 15 km/h) e 7’30” lentos.

Nos habituais 15 minutos passei pelo portão dos Jardins Botânicos, para onde nem olhei porque estaria certamente fechado. Mesmo que estivesse aberto, estaria provavelmente muito pouco iluminado e, além de não conseguir ver o tempo no relógio para mudar de ritmo a cada 7’30” (acho que o relógio não tem iluminação...), havia o risco de pisar algum degrau ou objecto e torcer um pé.


2:50 Orchard Road

Entrei na Orchard Road no ritmo rápido. Passei no ponto de encontro habitual do Banana Prata Triathlon Club para as nossas madrugadoras voltas à ilha e ainda pensei que seria engraçado encontrar algum ciclista por ali. Mas além de ser cedo demais (nunca combinármos nada antes das 4:55 da manhã), a maior parte dos meus colegas de clube estão estes dias em Busselton, na Austrália, onde no domingo farão um Ironman.

Logo a seguir passei pelas Orchard Towers, onde a animação nocturna parece ser sempre garantida. Raparigas desfilando as suas curvas com saias minimalistas, decotes generosos, camisas semi-transparentes revelando a roupa interior, saltos altos de uns 15 cm. Vergonhosamente para um homem (macho, não no sentido neutro de “membro da humanidade”) que já viveu um total de 3 anos em Singapura, não sei exactamente o que se passa nas Orchard Towers. Parece que há lá um bar ou discoteca (ou vários) onde as vendedoras de serviços sexuais são particularmente assertivas. Deveria ir lá um dia destes investigar (e levar a Sílvia comigo, para ver se ela me protege da agressividade feminina!). O que eu vejo é, lá em baixo, à porta do prédio algumas delas e imagino que seus clientes ou potenciais clientes. Estranhas razões para andar na rua àquelas horas, ou nem tanto?

Segui pela Orchard Road fora passando pelos milhentos centros comerciais, todos fechados como seria de esperar. De vez em quando cruzando-me com grupos de 2 ou 3 pessoas... a passear? Gente estranha...


3:15 Marina Bay

Seguiu-se a Singapore Management University, Chjimes (antigo convento tornado bloco de bares e restaurantes), Swissotel (onde se realizou há dias a outra maratona vertical de Singapura), Esplanade, Floating Platform, Marina.

Atravessei a ponte helicoidal para o complexo do casino... ahn... perdão, resort integrado. As obras (que ainda vão durar uns bons meses, apesar de o cas... resort ter sido inaugurado em Junho) estavam em grande actividade. Nada como mão de obra estrangeira, barata e com muito poucos direitos para se sacrificar pelo desenvolvimento económico do país... Nem seria tão desumano se ao menos aquele pessoal tivesse a opção de escolher horários de trabalho e fosse pago extra por trabalhar a horas menos naturais. Duvido que isso aconteça.



As obras obrigaram-me a entrar no edifício (da zona de lojas, não das mesas de jogo, que nem sei bem onde ficam), aproveitando por menos de 1 minuto o refrescante ar condicionado. Estava exactamente a meio dos 90 minutos planeados, e pelas minhas estimativas chegaria a casa em 45 minutos.

Ali junto à baía passei por alguém com ar de sem-abrigo a dormitar – uma visão muito incomum em Singapura – mas ia no modo rápido (além de que estava escuro e eu cansado) e não deu para avaliar bem.

Raffles Place, centro do centro financeiro de Singapura, hotel Fullerton, Museu das Civilizações Asiáticas... Era só seguir junto ao rio por uns kms e ver se restava alguma acção na vida nocturna daquela área.


3:30 Clarke Quay

Cheguei a Clarke Quay, passando ao lado do bungee jumping invertido (uma espécie de fisga que dispara uma cápsula com três passageiros apreciadores de acelerações a ponto de pagarem pela experiência) e entrei na zona de restaurantes, bares e discos.

Foi ali que me cruzei com o único outro corredor da noite. Levantei a mão para dizer “Hi”, “Olá”, “Oi”, “Ugh” ou algum outro cumprimento semelhante e ele respondeu “Good morning!”. Fiquei a pensar “Mas é good morning ou good night?? Até agora teria pensado que era claramente good night... Será que o tipo já dormiu e acordou muuuuito cedo para correr??” Há gente muito estranha: que raio de horas para acordar para ir correr!

Alguns bares ou discos ainda funcionavam, mas estava tudo bastante morto. Passei por vários grupos com ar de se estarem a despedir, vários aparentando serem os funcionários do estabelecimento que acabava de fechar. Vidas diferentes... Eu a olhar para eles e eles a olharem para mim.

Um par de kms mais à frente, em Robertson Quay, já longe dos bares e restaurantes, três raparigas vestidas de night conversavam tranquilamente. Provavelmente reclamavam dos namorados , da falta deles, ou da noite sem sucesso no engate ali ao lado no Zouk (discoteca famosa já em 2003 quando fiz o meu MBA aqui em Singapura; depois de ouvir os meus amigos a falarem dela o ano todo, acabei por ir lá ver o que tinha de tão especial no final do ano lectivo – pareceu-me uma disco como outra qualquer; ou seja, bastante desinteressante para mim).

Pouco depois entrei na Alexandra Road, já a sentir-me a chegar a casa. Faltavam só mais 7’30” médios! Ao longe, apesar do cérebro cansado e do escuro da noite naquela zona menos iluminada, avistei alguém vindo na minha direcção empurrando um carrinho. Noutra cidade qualquer teria pensado que seria um sem-abrigo empurrando todos os seus pertences. Mas em Singapura...? Fomo-nos aproximando e o carrinho foi se revelando um carrinho de bebé. E a pessoa uma mulher, ou mais precisamente uma mãe. E o carrinho levava realmente um bebé! Às 3:40 da manhã?? Gente estranha... Será que a rapariga (de aparência “ocidental”) tinha vindo recentemente de longe e estava com um sério jet lag? Ou o bebé estava imparável e a única forma de o acalmar tinha sido sair para um passeio?

Entrei nos últimos 7’30” médios já a sentir-me em casa.


4:00 Casa

Cheguei! Ah! Cansado e quente, totalmente ensopado em suor. Muito bom! Ainda bem que decidi correr antes de dormir. Fiquei cheio de energia! Nada como, depois dos exercícios de flexibilidade, um bom duche frio para baixar a temperatura do corpo e dormir!

Talvez faça isto mais vezes. Tempo mais fresco, ruas vazias, e aqui e ali umas estranhas criaturas da noite. Melhor que o Night Safari!?

2 comentários:

  1. Mto bom conhecer os sítios de onde falas :) Fizemos umas maratonas dessas a caminhar, não a correr, não tão tarde, mas também foi nice!

    Espero que a meia maratona para a qual te estavas a preparar tenha corrido bem ;)

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  2. Só tenho um comentário...
    Há realmente gente estranha a estranhas horas da noite ou madrugada a fazer coisas estranhas...
    Bjs Rita

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