quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A postos!

É já no Domingo: a maratona de Nova Iorque. Após meses de preparação, estou pronto para mais um desafio de 42,195 quilómetros. Depois de ter completado a maratona de Mumbai em 3h20min no dia 20 de Janeiro, o objectivo é agora bater o meu recorde pessoal na distância (3h03, na minha primeira maratona, há 8 anos) e terminar abaixo das 3 horas: 2 horas, 59 minutos e 59 segundos seria fantástico.

Como posso ambicionar melhorar o meu tempo em 20 minutos apenas nove meses depois? É fácil: há por aí uns laboratórios que produzem umas pastilhas espectaculares que nos fazem mais rápidos, mais fortes, mais resistentes, mais inteligentes e outros efeitos maravilhentos em muito pouco tempo. Brincadeira! No último ano talvez tenha tomado uma ou duas pastilhas para combater alguma constipação, mas de resto estou totalmente limpo – venham os controles anti-doping! Limpo de drogas, de álcool e praticamente de carne também... Como é que posso julgar-me capaz de tal desempenho?

Após a maratona de Mumbai analisei os factores internos e externos a influenciar para melhorar o meu tempo e defini a estratégia de ataque. [Aviso: os parágrafos que se seguem poderão ser esotéricos ou entediantes para os menos interessados em detalhes técnicos ou simplesmente palavrosos]


Factores internos

Para além da mente (psicologia), identifiquei os principais factores “internos” que eu poderia influenciar na minha preparação – a minha resistência, velocidade e peso:

Resistência: Claro que é preciso resistência (i.e., capacidade de realizar um esforço físico de longa duração) para terminar uma maratona. Essa resistência obtém-se fundamentalmente com treinos longos (no meu plano, até 36-37 km). Nesta preparação fiz mais treinos acima de 2 horas do que para maratonas anteriores (foram sete). E certamente bati o meu recorde de kms corridos em 7 dias seguidos: na semana entre 28/Set e 4/Out corri mais de 8 horas em 5 treinos, totalizando cerca de 110 km. Essa semana começou com a meia-maratona de Newport, que completei em 1h23'48” (não corria uma meia-maratona tão rápida desde Buenos Aires em 2005, e antes disso desde 2002). Quatro dias depois fiz um treino de 37 km e, depois de apenas um dia de descanso, corri uma nova meia-maratona (no Central Park), que esperava fazer mais devagar dado não poder ter recuperado ainda do treino longo, mas que terminei em pouco mais de 1h24'! Foi uma semana muito animadora para manter as aspirações de baixar das 3h na maratona.




Foto: Ken Shelton Photography

Na meia-maratona de Newport, por volta da milha 9 (alguma figura conhecida na foto? não, não me refiro ao tipo de barba...); nesta prova comecei a aprender a "correr em milhas"! quem diria que uma meia-maratona tem 13,1 milhas?



Velocidade: Correr uma maratona em 3h exige uma velocidade média (14 km/h) mais rápida que a minha velocidade habitual em treino (ultimamente perto dos 12,5 km/h). Desde que deixei o pentatlo competitivo em 1999 praticamente deixei de fazer treinos rápidos de corrida e passei a participar em provas com reduzida frequência – por isso tenho perdido bastante velocidade. Nas vezes em que treinei para as anteriores maratonas nunca consegui fazer treinos de velocidade ao mesmo tempo que aumentava a quilometragem (estava tão cansado a recuperar dos treinos longos que era impossível pensar em treinos rápidos, além de que há sempre um maior risco de lesão quando se aumentam as duas variáveis: volume e intensidade). Desta vez decidi arriscar e fiz, pela primeira vez em bastantes anos, séries de corrida (repetições de 400, 800 e 1000 metros) e treinos de limiar anaeróbio (20 a 40 minutos a ritmo de meia-maratona). São treinos mais duros, de algum sofrimento, mas que geram um estranho bem-estar pós-treino e que me fizeram sentir cada vez mais forte e mais rápido, sem ficar cansado nem lesionado – recuperei muito bem de um treino para outro.

Peso [queridos pais, podem saltar este parágrafo!]: Sem dúvida, se eu pesar menos conseguirei correr mais rápido com o mesmo esforço. Entre Abril e Julho, sem qualquer esforço nesse sentido, simplesmente graças a uma maior actividade física (juntando a natação e o ciclismo à habitual corrida) e alimentação mais regrada (menos açúcar e menos gordura), perdi cerca de 3 kgs. Pela primeira vez em 15 anos a minha avó e os meus pais podem afirmar com verdade “estás mais magro!”. Nos últimos 15 anos o meu peso tinha sido praticamente constante: uns 66 kgs (excepto dois períodos “negros” em que cheguei a escandalosos 69 kgs). Depois de ter perdido estes 3 kgs que pensava ser impossível perder, concluí que ao longo do tempo tinha transformado músculos em gordura – agora noto que realmente a minha barriga e as minhas pernas estão mais “secas” (segundo algumas medições – sabe-se lá se fiáveis – efectuadas em Julho, a minha taxa de gordura corporal era inferior a 10%).


Factores externos

Os principais factores “externos” que identifiquei, influenciáveis ao escolher a maratona a correr, foram o clima, o percurso e a animação:

Clima: Já pude observar que o meu desempenho sofre bastante com a temperatura ambiente. Mais frio, mais rápido. Mais quente, mais lento e mais cansado. Isso foi especialmente evidente nas quentes e húmidas maratonas de Singapura (2003) e Mumbai (2008). Por isso já tinha decidido há algum tempo que teria de escolher uma maratona “fria” para bater o meu recorde. Nova Iorque é excelente: segundo o site da prova, a temperatura média no dia da prova tem sido de 13ºC. No fim-de-semana passado achei que ainda não estava suficientemente frio e pensei como seria bom se arrefecesse um pouco... Alguém me ouviu e decidiu regular o termóstato para os 4-5ºC... brrrrrrrr! Agora estou a achar que está demasiado frio e já nem sei bem que devo vestir para a prova. Uma variável climática que não tinha considerado é o vento: aqui venta forte e, infelizmente, nem sempre a favor. O percurso da maratona é mais Sul-Norte do que Norte-Sul... portanto o sentido em que sopre o vento será determinante para eu manter ou não as minhas ambições de tempo final.

Percurso: Claro que um percurso plano é mais fácil que um percurso com subidas e descidas (melhor que plano só o percurso da meia-maratona da Ponte 25 de Abril, que só tem descidas!). Segundo os entendidos, o percurso da maratona de Nova Iorque é duro, especialmente devido às subidas (as principais ao cruzar pontes – vejam aqui a altimetria), ao vento, e às multidões de público e atletas que fazem os 42 km um pouco mais longos (por ser difícil percorrer sempre o caminho mais curto possível). Não foi uma escolha perfeita, mas acredito que o frio e as multidões (irradiadoras de energias positivas) ajudarão a vencer as subidas e o vento contra.





Animação: Das quatro maratonas que fiz até hoje, apenas uma (a de Madrid'2001) tinha um número decente de participantes e uma quantidade simpática de espectadores animadores. Lisboa'2000 e Mumbai'2008 tinham poucos participantes (uns 500) e muito pouco público, e a de Singapura'2003 tinha mais participantes (uns 2.500) mas também pouco público. No Domingo não me poderei queixar de companhia na prova: 39.000 atletas e dois milhões de espectadores! Mais de 120 bandas a tocar (lembro-me de ter sido das coisas que mais apreciei em Madrid, onde só havia uma meia dúzia de bandas)! E ainda, ao contrário de Mumbai em que não havia absolutamente ninguém mais próximo a dar apoio ao vivo e em directo, terei vários amigos cujos gritos de incentivo espalhados pelo percurso me carregarão de energias pelos seguintes kms. Com certeza não faltarão energias positivas. Mas se por acaso faltarem, naqueles sempre penosos 5 kms, perdão, 3 milhas finais, posso sempre pôr-me a cantarolar algo que me anime a continuar a remar com bom ritmo:






Apoio à distância

Agradeço as palavras de apoio que tantos amigos e familiares têm transmitido ao vivo, telefónica, electrónica e telepaticamente. Obrigado!

Se quiserem acompanhar a prova sem esperar pelas minhas eventuais notícias, visitem as bulicenas no Domingo. Começo a correr às 9h40 da manhã, hora local (14h40 em Lisboa). Se as tecnologias funcionarem como esperado, as bulicenas serão actualizadas com os meus tempos de passagem a cada 5 kms, meia-maratona, milhas entre a 16 e a 26, e meta.

(Se falhar algum ponto, antes de ligarem para o 112, o 911 ou o +1-555-MARINES, pensem que pode ter sido simplesmente a falha de alguma tecnologia pelo caminho: o sistema de chip e respectivo detector que controla as minhas passagens, a comunicação entre esse detector e o sistema de informação que por sua vez está ligado a algum outro sistema que envia e-mails de aviso que são recebidos em algum servidor do google que por sua vez os publica nas bulicenas, às quais vocês acedem através de algum fornecedor de acesso à Internet – e com certeza tudo é muito mais complicado do que esta minha simplificação ignorante... Cheira-me que a probabilidade de alguma destas ligações falhar é bastante maior do que a de as minhas pernas, coração ou cabeça falharem.)

Se além da possibilidade de consultarem as bulicenas quiserem receber e-mails de aviso sobre o meu progresso na prova, podem inscrever-se aqui .

Podem ver os meus tempos planeados para Domingo aqui:





Não “orçamentei” velocidades diferentes nas subidas e descidas (uma sofisticação a adicionar numa próxima ocasião), mas tive em conta o facto de nunca nas quatro maratonas anteriores ter conseguido manter o mesmo ritmo nos quilómetros finais: nos primeiros 30 e poucos quilómetros tentarei manter um ritmo ligeiramente mais rápido que a média, esperando que o ritmo lento no final não me faça falhar o objectivo das 2h59'59”.


Curtir a corrida!

Estou ansioso por começar a correr. Há bastantes anos que não me sentia tão ansioso por começar uma competição (parece que vou para um campeonato do mundo de pentatlo!). Talvez porque há bastantes anos que não investia tanto numa prova? E que não me colocava um objectivo que me parece tão... desafiante?

Na minha primeira experiência aprendi a respeitar muito a “senhora maratona”. Sei que muita coisa pode acontecer que não me permita fazer o tempo desejado. Ou sequer concluir a prova! Acima de tudo, no Domingo quero curtir a corrida (“curtir 42km a correr??!?!”), o ambiente único desta maratona, os 39.000 atletas (juntos percorreremos o equivalente a 40 voltas à Terra!) com os seus desafios individuais, as suas emoções, as suas dificuldades e as suas vitórias, os dois milhões de espectadores a apoiar amigos e anónimos, as mais de 120 bandas a tocar estilos diferentes mas certamente com ritmos inspiradores, os amigos prontos a descarregar injecções de energia directamente na veia, as vistas de Staten Island, Brooklin, Queens, Manhattan, Bronx, Central Park... ah sim... aquela vista extasiante da meta no Central Park, que teima em não chegar!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Martti Ahtisaari

O prémio Nobel da Paz 2008 foi hoje atribuído ao mediador internacional Martti Ahtisaari, antigo presidente da Finlândia (1994-2000), pelos esforços no estabelecimento de paz duradoura em diversos pontos do globo.

O Comité do Prémio Nobel chamou-o “um mediador internacional excepcional” cujos esforços “contribuíram para um mundo mais pacífico e para a fraternidade entre nações”. Segundo o presidente do Comité, “ele é um campeão mundial no que toca a paz e nunca desiste”.

Outras qualidades destacadas na imprensa são a sua abordagem directa, sem rodeios, a determinação de ferro, paciência Zen e extrema persistência.

Claro que alguém com tanta visibilidade não pode passar sem críticas, mas é impossível não admirar o seu impacto no mundo.

Para Ahtisaari, ajudar a Namíbia na transição para a independência após anos de conflito com a África do Sul foi o seu trabalho mais importante, por ter demorado tanto tempo: 13 anos. Mas ele interveio em muitos outros conflitos, como no Kosovo, Iraque, Irlanda do Norte e Aceh (Indonésia).

Em 2005, ele ajudou a terminar o conflito de três décadas entre o Movimento Aceh Livre e o governo da Indonésia, através da sua ONG Crisis Management Initiative (dedicada a criar e manter a paz em zonas de conflito). Aproveitando o efeito conciliador do tsunami que devastou algumas zonas do sudeste asiático em Dezembro de 2004, Ahtisaari mediou cinco encontros de progressiva aproximação entre Janeiro e Julho de 2005. Como resultado, a 15 de Agosto de 2005 foi assinado um acordo de paz, cobrindo interesses críticos de ambas as partes e estabelecendo condições para uma implementação realista (autonomia de Aceh, abandono de exigências de independência, desarmamento dos rebeldes, retirada das forças indonésias não locais, respeito pelos direitos humanos, amnistia para rebeldes e prisioneiros políticos, monitoramento da implementação do acordo, etc.). [Mais detalhes sobre o processo de paz no site da CMI]




Foto: Jenni-Justiina Niemi (copyright: CMI)



Um dos negociadores no conflito terá comentado: “O método dele era realmente extraordinário. Ele disse, 'Vocês querem ganhar, ou querem a paz?'”


Não é necessário participar num conflito internacional para considerar a pergunta relevante. Quantas vezes não respondemos torto a alguém próximo, ou escalamos uma discussão usando “armas” cada vez mais poderosas, deitando na fogueira achas (ou gasolina!) em vez de água, simplesmente porque não resistimos ao impulso de querer “ganhar” a disputa? Esquecemos tantas vezes os nossos principais interesses, ofuscando o longo prazo encandeados com o imediato, que pomos em causa relações importantes com as discussões mais fúteis. Não apelo ao conformismo e à passividade – há disputas que podem e devem ser lutadas e ganhas, quando levam a um mundo melhor. Apelo à sabedoria. A sabedoria de engolir o orgulho e optar pela paz quando a guerra não leva a nada. Desejar a paz de verdade leva ao fim de conflitos, dos mais íntimos aos mais globais. Por vezes basta um pequeno movimento unilateral em direcção à paz para aniquilar a espiral de conflito.

O que é que eu quero? Quero ganhar, ou quero a paz?