terça-feira, 15 de abril de 2008

Reforma aos 32

“O que é que tu fazes?”

Excepto quando quem pergunta é o agente de controlo de imigração nos Estados Unidos, a minha resposta é sincera: “Estou reformado”.

Curiosamente, as pessoas ficam surpreendidas e até incrédulas quando digo que estou reformado aos 32 anos: “Já tens 32 anos??” É verdade, estou muito bem conservado :)

“Não estás a falar a sério... Estás só num intervalo, um período de descanso... É isso, não é?” Mais ou menos... mas o melhor é responder que sim se não ainda me enfiam num manicómio!

O que significa “reforma”? O dicionário é surpreendentemente elucidativo:

- acto ou efeito de reformar
- mudança para melhor
- melhoramento
- conserto
- reparação
- restauração
- modificação
- reorganização
- substituição de objectos fora de uso
- modificação de uma ordem existente
- nova organização
- nova forma
- novo feitio
- estatuto de um ex-trabalhador, beneficiário do sistema de segurança social da Caixa de Previdência, que recebe uma pensão vitalícia por ter sido dado como incapaz para o serviço, ao atingir o limite de idade ou devido a invalidez
- situação de um militar ou funcionário público nas mesmas circunstâncias
- aposentação
- jubilação

[Nota: excluí os significados históricos]


Grande parte dos significados são positivos, implicam uma melhoria, a correcção de algo que não estava bem. É curioso como o significado associado a ex-trabalhador é terrivelmente negativo e até insultuoso, uma calúnia para a maior parte das pessoas: “dado como incapaz para o serviço”??

Que quero dizer com “estou reformado”? No sentido mais convencional, significa que não sinto pressão para trabalhar em actividades remuneradas.

Não, não estou milionário (pelo menos não em euros, em rupias indonésias estou certamente). Nem é preciso ser milionário para nos reformarmos: basta atingir uma cobertura financeira infinita ou próxima do infinito. Ou seja, basta que as nossas poupanças (e rendimentos que elas geram) permitam cobrir as nossas despesas durante muito tempo. É essa a minha invejada situação, pelo menos enquanto desgraças financeiras ou de saúde não a alterarem. É como se tivesse “um milhão de contos” (ou outra quantia exorbitante) na minha conta bancária. Mas não tenho, simplesmente tenho o suficiente para viver uma vida relativamente simples durante bastante tempo.

Não quer dizer que nunca mais vá trabalhar na vida: não tenho nada contra trabalhar em geral – é muitas vezes uma óptima forma de investirmos o nosso tempo e energia! Também não quer dizer que nunca mais vá trabalhar de forma remunerada: não tenho nada contra ganhar dinheiro (desde que não seja de forma imoral).

O trabalho como consultor de gestão que me ocupava nos últimos anos era interessante e muitas vezes até divertido: viagens pelo mundo, projectos variados em indústrias diversas, com muita aprendizagem ao resolver problemas desafiantes, formação de qualidade, excelentes clientes que muitas vezes se tornaram amigos, colegas interessantes, em geral bons companheiros, vários óptimos amigos, boa remuneração... Mas havia duas características menos positivas, para mim críticas: a falta de controlo sobre o meu tempo (normalmente muito condicionado pelos compromissos profissionais) e, mais importante, a falta de uma missão – até que ponto estava a contribuir para deixar o mundo melhor?

Depois de algum tempo em que a constante animação e intensa aprendizagem alimentaram o meu dia-a-dia, comecei a sentir que estava a viver sem paixão, de forma confortável mas sem grande entusiasmo, e que se continuasse nesse caminho me arriscava a viver assim até ao fim da minha limitada vida. Dentro de uns anos olharia para trás e teria sérias dificuldades em justificar a minha passagem por este mundo. Por isso decidi reformar-me.

Ao não sentir pressão para ganhar dinheiro, mais do que nunca sinto a responsabilidade de me reformar, de me melhorar, de encontrar aplicações relevantes e meritórias para o meu tempo e energia. Procuro actividades, projectos que me preencham, que despertem verdadeira paixão, que me dêem uma missão que me faça saltar da cama de manhã com aquela garra de "vamos lá!". Causas que me façam sentido, justifiquem o investimento do meu ser, da minha existência. Afinal, cada ano que passa representa uns 2% do que me resta de vida (considerando que não vou ser pioneiro da imortalidade humana). Para quê empregar-me em causas sem sentido?

Ao reformar-me enchi-me de um enorme sentimento de leveza, de liberdade... Senti que estava a partir para outro mundo!



2 comentários:

  1. Muito bom ;)

    Mas afinal o k ké fazes todos os dias????

    Bjocaaaaaaaas LOL

    Inês Fe

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  2. Olá,

    uma opiniao(zinha):

    se ponderas poder vir a trabalhar de novo entao, na verdade, nao estás reformado. Estas simplesmente num periodo da tua vida em que optas-te por nao trabalhar, numa pausa, por mto prolongada que seja.

    se continuas a trabalhar, simplesmente envolvido em projectos pro-bono, nao estás tambem reformado - trabalhas. O facto de receberes ou nao salário por isso é da tua exclusiva conta e interesse, nao te qualifica
    como reformado.

    por ultimo, entendo que responderes 'estou reformado' atraia mais olhares e admiracao por parte de quem te ouve... mas reformado nao é o mesmo que ter-projectos-de-vida nao remunerados. Senao aí uma mae seria tb 'reformada' e um padre e a amiga da esquine que vive ás custas dos pais... lol

    abraco

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