Esta semana li (ou reli - a minha memória é curta) um artigo sobre a "vida secreta de Madre Teresa de Calcutá", a propósito do lançamento do livro Mother Teresa: Come Be My Light em 2007.
O artigo descreve como ela passou quase 50 anos sem sentir a presença de Deus (mais ou menos desde a fundação das missionárias da Caridade até à morte em 1997). Em alguns momentos parecia até duvidar da existência de Deus. Aparentemente ela continuava a fazer o seu trabalho no dia-a-dia, motivando as pessoas em sua volta, conseguindo esconder com sorrisos aquilo que lhe ia na alma, mas profundamente triste.
Fiquei a pensar... Será que Teresa era infeliz, apesar do bem que fazia ao próximo? O artigo descreve uma Teresa que não soa realmente muito feliz... Será que a teoria do egoísmo generalizado está errada? Ou é a "excepção que confirma a regra"? (Aquela frase sem lógica nenhuma frequentemente usada para não ter de explicar algo que não encaixa nas teorias vigentes.)
Talvez Teresa fosse, além de uma mulher de iniciativa e imensamente generosa, algo neurótica? Por quê stressar tanto com isso de "sentir Deus"? Afinal, o que significa "sentir Deus"? Sendo Deus transcendental, parece algo ambicioso querer "senti-lo" (em termos de seis sentidos, ou mesmo da razão ou do coração). Consta que no juízo final Deus dirá "sempre que fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizeste." [Mt 25,40] Por que não lhe haveria de bastar sentir o carinho dos “pequeninos” com quem interagia no dia-a-dia?
Provavelmente não importa se Teresa era ou não feliz – espero e acredito que fosse, mas não posso fazer nada sobre isso agora. O que importa é se eu sou feliz. Se tu és feliz. Se as pessoas à nossa volta são felizes.
Não acredito em juízo final, nem em Céu nem em Inferno: isso é tudo demasiado longínquo, e portanto difícil de ponderar nas decisões do dia-a-dia. Facilmente me torno um egoísta cego se forem essas as minhas referências. Acredito em céu e inferno aqui e agora. Nesta vida. No presente. Céu é ser feliz, inferno é ser infeliz. Não há juízo final – sou julgado a cada instante da minha vida. E acredito que recebo da vida aquilo que procuro. Vazio se procuro vazio. Felicidade se procuro felicidade.
Chegar à felicidade (ou simplesmente estar vivo) costuma implicar algum tipo de dor – física, emocional, mental, espiritual... Mas dor não tem de implicar infelicidade: posso e devo, equanimemente (algumas ideias sobre desenvolver a equanimidade em “A arte de viver”), com serenidade, observar a dor – “hmm... dói-me...” – aceitando que ela está presente e que provavelmente desaparecerá mais cedo ou mais tarde. E reconhecer que aquilo que estou a viver é em grande parte responsabilidade minha, deriva das opções que fiz, decisões que tomei, ajuda a relembrar o caminho de felicidade que escolhi, que possivelmente exige determinadas privações e provações. E que sentido faz sofrer com aquilo que não está ao meu alcance mudar?
Um exemplo extremo de felicidade que passa pela dor é o de Jesus Cristo quando, pelas três da tarde de uma sexta-feira na Páscoa de um ano próximo do 33, antes de se apagar, gritou "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" [Mt 27,46]. Acredito que, apesar do sofrimento, Jesus homem estava também egoisticamente a procurar a sua felicidade (sim, espalhando felicidade). Em última análise, meteu-se naquela alhada porque decidiu que era o caminho certo, o caminho da felicidade, mesmo que trouxesse tantas dificuldades.
Não estou a sugerir que é fácil ser um egoísta de horizontes largos, antes pelo contrário. A tendência de desvalorizar o futuro e obter rápida satisfação torna-me muitas vezes cego. E mesmo que não esteja cego, por vezes a minha inteligência está em baixo de forma e nem sempre tomo as melhores decisões. A bulinova sobre a teoria do egoísmo generalizado oferece algumas ideias para tentar seguir o bom caminho: totalmente egoísta, mas comprometido com a tarefa constante de reduzir a cegueira e a estupidez.
Sê feliz e espalha felicidade!