sábado, 7 de novembro de 2009

Timor em mudança

Voltei a Timor-Leste! (depois das visitas em 2003 - exaustivamente documentada nas bulinovas -, 2006 e 2008)

Em 2008, talvez influenciado pelo facto de haver campos de refugiados em vários pontos proeminentes de Dili (ainda efeitos da crise de 2006), pareceu-me que a cidade estava mais ou menos igual a 2003. Os mesmos edifícios em ruínas desde a destruição pós-referendo em 1999, os mesmos buracos nas ruas e passeios, provavelmente já com uma prole digna de uma família timorense, os táxis decrépitos a ameaçar desmantelar-se a qualquer momento enquanto circulavam a 15 km/h...


Mudanças

Desta vez, passado um ano, Dili pareceu-me bastante diferente, em geral para melhor. São certamente impressões superficiais de alguém que só passou uma semana em Timor e não saiu da capital. Mas desejo que as coisas boas que são visíveis a um visitante sejam reflexo de mudanças mais profundas e positivas para os timorenses, que lhes permitam viver vidas mais confortáveis, com mais oportunidades, mais escolhas, mais felizes.

A primeira mudança em que reparei são os táxis amarelos. Não só foram pintados de amarelo como me parece ver menos táxis à beira da morte, alguns até talvez quase novos!



E o trânsito está bastante mais intenso: o número de automóveis deve ter aumentado significativamente. Agora até há filas de trânsito, que abrandam o trânsito dos habituais 20 km/h para uns 10-15 km/h.

Na minha primeira corrida matinal, ao reparar nas mudanças na cidade e no trânsito, não sei por quê, pensei "só faltava ver aqui um BMW!" E uns minutos depois passou por mim um BMW, daqueles com ar de poder ter sido utilizado num James Bond há uns 8 anos. Bastante sobrenatural.

A segunda mudança, evidente para quem anda a pé pela cidade, é a dificuldade em encontrar um buraco onde possa cair! Posso andar muito mais distraído que o habitual sem arriscar a vida a cada dez passos (agora é só a cada 500 passos, talvez?). Não só as estradas estão melhor alcatroadas como foram construídos passeios por toda a cidade.

E a outra mudança muito evidente em que demorei mais a reparar: a cidade está muito mais limpa! E a praia da Areia Branca, ali a 4 kms, também. Explicação: a resolução do Governo declarando sexta-feira de manhã período de limpeza para funcionários públicos de todos os níveis.



No ano passado já existiam alguns semáforos, mas este ano pareceram-me muitos mais. Ultra-modernos, até com contagem decrescente para mudança de cor.



Muitos edifícios foram (ou estão a ser) construídos ou renovados. Até um moderno centro comercial está a ser construído na estrada de Comoro (segundo este artigo, no valor de $30 milhões... quantos anos vai demorar a dar retorno??).

Palacio Presidencial

Igreja de Motael

Secretaria de Estado da Juventude e Desporto

Procuradoria Geral da República

Casa Europa

Banco australiano ANZ



Parques que no ano passado eram campos de refugiados foram arranjados e agora são frequentados para lazer dos dilianos.



A Timor Telecom domina o mercado publicitário, com razoável poluição visual da cidade. As boas notícias são que uma ligação Internet de banda larga já só custa $49 por mês.



No desporto, em Agosto aconteceu a primeira Volta a Timor. Em bicicleta de montanha, claro.



E a federação de futebol em breve vai inaugurar a FIFA House - um dos edifícios mais vistosos da cidade.

FIFA House - Campo da Democracia


Parece-me que há bastantes mais restaurantes de variadas gastronomias. Neste momento é possível experimentar em Dili, pelo menos, comida timorense, indonésia, portuguesa, brasileira, chinesa, tailandesa, vietnamita, japonesa... Até abriu mais um estabelecimento de fast food (em 2006 já havia um restaurante de hambúrgueres) quase com aspecto de McDonald's.



Outras coisas não mudam

O Hotel Timor continua a ser o centro da actividade social e provavelmente política da cidade e do país. Passei lá um dia à hora do almoço e encontrei, sem qualquer combinação, provavelmente todos os meus conhecidos (não timorenses) num raio de 2000 km: cinco pessoas, uma das quais eu pensava que estava em Adis Abeba e não em Dili!

Os governantes continuam muito acessíveis. Por trabalho reuni com o Secretário de Estado da Juventude e Desporto e com o Presidente da República. Também encontrei o Primeiro-Ministro, brincalhão e informal como sempre, na cerimónia de abertura da taça do 18º aniversário do 12 de Novembro (acho um pouco estranho isto de comemorar datas de massacres, mas enfim...), onde ele até jogou futebol.



O catolicismo continua forte. No Dia de Finados (feriado em Timor) não deve haver quase nenhum timorense que não vá ao cemitério levar flores e rezar pelos antepassados, por vezes em distritos a várias horas de viagem. Pelo menos todos aqueles com quem falei tinham ido ou iriam mais tarde, e durante a minha corrida matinal a zona em volta do famoso Cemitério de Santa Cruz parecia tão activa - mas por melhores razões - como nas imagens do 12/Nov/91.


Reflexões

É impossível passar por Timor (ou outro país em semelhante grau de desenvolvimento económico) e não reflectir sobre como se pode viver num país em que há tão pouco. Em que quase nada pode ser dado por garantido. E comparar com a forma como se vive noutros países, em que ao termos quase tudo reclamamos do quase nada que não temos. Esquecemos que todo este conforto não existe por termos nascido com direitos vitalícios especiais. Esquecemos que a água e a electricidade vêm de algum lugar. Que as frutas e legumes não nascem no supermercado. Que o carro e o telemóvel não são apêndices que crescem em quase todos os seres humanos adultos. Que o lixo não se evapora do mundo quando o deitamos no caixote. Em Timor parece mais fácil dar valor a coisas tão simples como um caixote do lixo. Água para matar a sede. Uma brisa para aliviar o calor. Estar vivo.

Também não posso deixar de recordar os muitos anos em que a situação de Timor representava para mim a injustiça do mundo, a opressão dos mais fracos, a causa perante a qual ninguém poderia ficar indiferente. E especialmente recordo o mês de Setembro de 1999, há 10 anos, quando enquanto tentava acabar o meu trabalho final de curso ia vendo as terríveis notícias que chegavam aqui de tão longe. E os portugueses activos como nunca (ultimamente consta que só saem à rua durante Europeus ou Mundiais de futebol), entre concentrações, cordões humanos, flores na água, roupas brancas, faxes, e-mails, destaques em todos os meios de comunicação... Todos por Timor. [aqui uma excelente compilação dos acontecimentos desse mês]

Por que será que parece ser preciso um Timor para nos importarmos com alguma coisa?

4 comentários:

  1. Boas noticias e excelente reflexão.

    Foi realmente prodigiosa a mobilização dos Portugueses há dez anos, por uma causa "perdida", por uma terra e um povo de que a maioria de nós só conhecia das páginas dos jornais.

    Hoje não há falta de outras causas nobres pelas quais lutar, mas agora estamos bem mais adormecidos...

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  2. Nuno,
    Excelente, como sempre!
    Dás-me permissão para replicar este teu link para a minha rede do FaceBook?
    Um grande abraço
    Luís de Matos
    [Luis.M.Matos@ZON.pt]

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  3. Olá Nuno!

    Brigado pelas news!
    Ler os teus relatos é sempre uma óptima maneira de viajar em low-cost!!!
    À tua custa sinto que já conheço metade do mundo
    e até chego a perder o desejo de viajar!
    :)
    ABRAÇO!
    João.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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