sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sou euroasiático

Em Singapura aparecem-me frequentemente formulários (tipicamente relacionados com serviços públicos) onde perguntam a minha "Race".

Adoraria responder "marathon", "pentathlon", "triathlon" ou algo do estilo, mas sei que não é essa a "race" desejada. Eles querem saber a minha "raça".

Se bem me recordo, a última vez que ouvi falar de raças humanas foi alguém a dizer que elas não existem. Não sei se a afirmação é cientificamente sólida, mas gosto das implicações ideológicas e humanitárias e por isso adoptei-a logo (a wikipedia não me ajuda a esclarecer a questão). Por isso costumo deixar o espaço da "raça" em branco.

Em Outubro candidatei-me a ser "Permanent Resident" aqui em Singapura, e lá estava a pergunta habitual no respectivo formulário. Claro que a deixei em branco, apesar de ser tentador escrever ali alguma coisa que pudesse soar positiva a quem fosse avaliar a minha candidatura (partindo do pressuposto, provavelmente não disparatado, de que há algum tipo de discriminação na avaliação dos hiper-eficientes serviços públicos singapurenses).

Mas a entrega da candidatura é feita presencialmente e tive direito a um funcionário das autoridades competentes durante talvez meia hora a analisar os múltiplos formulários e documentos.

Entre outras coisas, ele perguntou:

Qual é a sua raça?

Da última vez que ouvi falar, não existiam raças humanas...

[Felizmente ou infelizmente, o senhor era bastante humilde e não me pôs logo "na ordem"]
Mas... em Portugal não existem raças?

Que eu saiba não. Que eu saiba não existem raças humanas em lado nenhum.

Talvez... "raça portuguesa"?

"Portuguesa" não é uma raça, é uma nacionalidade. Há portugueses de todas as cores, tamanhos e feitios.

Mas... você tem de pôr aqui alguma coisa...

[Finalmente com algum senso prático]
Então diga-me o que quer que eu escreva aí.

Perguntarei ao meu supervisor qual é a raça no seu caso.


Pouco depois ele foi falar com o supervisor sobre este e outros detalhes e voltou uns minutos depois com a resposta:

O supervisor diz que pode escrever "euroasiático".

Ok!


E assim fiquei a saber que sou euroasiático. Nunca é tarde de mais para aprendermos mais sobre nós próprios.

E até fiquei feliz com a resposta: dentro das que eu poderia imaginar, é a mais próxima de não ter raça nenhuma. Afinal, o continente euro-asiático corresponde a mais de 1/3 da área não submersa do planeta, e a quase 3/4 da população humana (considerando que não haja humanos extra-terrestres).

Além disso, já fui tomado por local em países como Azerbaijão, Afeganistão, Índia... portanto deve haver algo de verdadeiro na "etiqueta" de euroasiático.




Então não é que, depois de todo este trabalho, me foi recusada a residência permanente? Recebi uma carta com o resultado da avaliação do meu pedido. Curta e sem explicações, como é de esperar das autoridades singapurenses. Simpaticamente, deixam-me continuar a viver aqui.



Será que o diálogo acima teve alguma coisa a ver com a recusa? Acho que não. Ao bom estilo singapurense, onde o que importa é crescimento económico, o meu ponto mais negativo é provavelmente que ainda não lucrei milhões com a empresa que abri aqui. Se esse dia chegar em algum momento... fico a pensar, um pouco a la Grouxo Marx*, se quererei ser residente permanente num país que (só) aceita pesssoas como eu como residentes permanentes?


*"I don't want to belong to any club that will accept people like me as a member" (daqui)

Nota: Ser "residente permanente" não é algo fundamental para mim. A principal motivação é reduzir burocracia: durante 5 anos não precisaria renovar o meu visto de residência (que me obriga a anualmente submeter uma série de documentos, e pode sempre ser recusado porque não estou a fazer milhões - ou seja, não estou a contribuir significativamente para a economia ou para a receita fiscal de Singapura). Além disso devem existir algumas outras implicações práticas, como poder fundar uma empresa ou outra organização sem necessidade de ser em parceria com um singapurense ou residente permanente, poder ser membro de uma associação, poder comprar casa... Nada de especial.

7 comentários:

  1. És um ignorante. Claro que em Portugal há raças. E talvez até uma raça portuguesa! O nosso chefe de estado até falou com muito orgulho no “dia da raça”, aqui há uns tempos num feriado que já foi conhecido por esse nome.

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  2. Caro primo, tenho a alegria de te anunciar que existe raça portuguesa, sim.
    Acontece que, por enquanto, apenas é reconhecida aos cães, cavalos, e outros seres vivos não-humanos.
    A nação aguarda, expectante, que este título seja estendido a todo o território português!
    Um abraço muito amigo, prima Catarina
    Mto obrigado pelos teus parabéns internéticos que retribuo a tempo (sim, o meu tempo não se deixa prender pelos critérios deste mundo!) Até!

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  3. Buli, não precisas de te candidatar para seres...cidadão do Mundo!!!! E, sinceramente, acho que a "falta" de raça combina melhor contigo!!!!O teu "pedigree" ainda não tem nome...Ou talvez seja: Buli...sempre!!! (=trabalhei(buli) sempre em prol da defesa de princípios humana e canina e gatilmente justos e universais!!!:))

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  4. Vivam os euroasiáticos. Afinal, pertencendo a essa raça não é possível estabelecer residência permanente em lado algum, precisamente para se poder viver em toda a plenitude desse espaço!
    Ab!
    P

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  5. Homo Sapiens? Humanoide? Homo-Occidentalis?

    : )

    É óbvio o que eles pretendem saber, o governo quer manter algum conhecimento e controlo sobre os números de membros das diversas etnias que povoam a cidade/estado. Mas afinal qual é a grande diferença entre residente autorizado e residente permanente?

    Parece aquela conversa do Marcelo e o aborto, versão Gato Fedorento: Podes morar. Mas és residente permanente? Não. Mas podes morar. E o que é que te acontece? Nada.

    Abraço!

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  6. Bem...

    Auto-estudos universitários, do meu tempo, conseguiam recuar até ao "Pitecantropus Parvonius" e ao "Homo Imbecilis" como base de um antepassado comum de uma entidade abstracta, morfologicamente algo aparentada com os actuais seres humanos, a que comummente se convencionou chamar "caloiro" (ou "infra", nos meios castrenses)... Como a dita classificação apenas durava um ano, acabou por não ser devidamente explorada e ficá-mo-nos pelo corriqueiro Homo Sapiens Sapiens (o apelido repete-se, porque é Sapiens do lado da mãe e também Sapiens do lado do pai)...

    Assim, cinjo-me sempre ao que aprendemos na escola... e que rezava mais ou menos assim...

    Existem actualmente quatro grandes grupos populacionais humanos, a que poderemos chamar raças humanas:
    - a raça branca, ou caucasiana;
    - a raça negra, ou africana;
    - a raça amarela, ou mongolóide;
    - a raça vermelha, ou ameríndia.

    E pronto! Vivemos todos sempre felizes com esta classificação, apenas lamentando a ignorância sobre o povo da Atlântida... É que, para conseguirmos as cores primárias, ainda faltava a "raça azul, ou atalante"... Que existiu, de certeza!

    :-)

    um grande abraço (e da próxima vez, tenta escrever "raça branca, ou caucasiana" nos formulários de Singapura (Não! Raça azul, não! A menos que te queiras candidatar à Faculdade de Engenharia do Porto!))

    Luís

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  7. gostei muito do "raça homo parvonius e homo inb ecilis" porém descobri que não é tão raro assim...é contemporaneo.... o grupo que mais creesce...rsrsrsrs

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