domingo, 27 de julho de 2008

O ciclista africano

Terminou hoje o Tour de France 2008 e, mais uma vez, graças às extraordinárias características genéticas que lhes permitem desempenhos sobrenaturais em desportos de resistência, os ciclistas quenianos dominaram a prova (ver resultados).

Dominaram?? Ninguém viu um único ciclista negro no Tour de France, pois não? Três ciclistas africanos completaram a prova: sul-africanos, brancos, da equipa italiana Barloworld, o primeiro deles, John-Lee Augustyn, em 48°.

Existem ciclistas africanos?

Claro que existem ciclistas (competitivos) africanos, e alguns serão negros. No ranking africano da União Ciclista Internacional (a federação internacional da modalidade) encontram-se bastantes. O líder de 2008 é um sul-africano com o elucidativo nome de Nicholas White. A sua equipa, Microsoft South Africa, é integralmente constituída por ciclistas brancos.

No ranking europeu, certamente o mais competitivo a nível mundial, o primeiro africano é, em 220°, de novo um sul-africano branco, Robert Hunter.

Esta ausência de ciclistas negros competindo ao mais alto nível reflecte um conjunto de factores, sendo obstáculos socioeconómicos talvez os mais importantes. O menor desenvolvimento económico do continente africano limita os quilómetros de asfalto com qualidade para prática de ciclismo de estrada. O reduzido rendimento per capita e a baixa profissionalização do desporto reduzem a disponibilidade para praticar ciclismo (os atletas precisam de uma fonte de rendimento para comer e pagar as contas, que lhes toma tempo) e dificultam a aquisição das caríssimas bicicletas imprescindíveis para quem quer ser competitivo. As bicicletas que circulam no Tour de France custam milhares de Euros (5.000+), e cada ciclista usa duas ou três: para as etapas em pelotão (uma para etapas planas, outra para etapas de montanha), e outra, tipicamente ainda mais cara, para os contra-relógios.

Benefícios do ciclismo africano

Que importa se existem ou não ciclistas negros competindo ao mais alto nível? Deveria o ciclismo de estrada de alto nível ser uma prioridade para o continente africano? Provavelmente não, há muita coisa por resolver. Mas isso não quer dizer que não possa ser um bom desenvolvimento se alguém se motivar pela causa.

Ciclistas negros com visibilidade internacional constituiriam uma referência para muitos africanos que se identificariam com eles e possivelmente os tomariam como modelos a seguir. Mesmo que quase nenhum chegasse ao ciclismo profissional, ou mesmo ao ciclismo competitivo em geral, milhões de jovens e menos jovens veriam o ciclismo como uma opção para melhorar a qualidade de vida, tanto reduzindo os quilómetros percorridos a pé como praticando ciclismo “por desporto”. Mais pessoas a usar bicicleta no dia a dia aumentaria a disponibilidade para outras actividades (ao reduzir o tempo em longos percursos a pé), melhoraria a saúde (pressupondo que essas pessoas teriam acesso a calorias suficientes para compensar os eventuais gastos extra na bicicleta; de qualquer modo, 1 km de bicicleta é menos caro em calorias que 1 km a pé – exemplos de calculadoras de calorias aqui e aqui), aumentaria a auto-estima da população (mais saudável, mais capaz, melhor humor), e possivelmente atrasaria a adopção de meios de transporte poluentes como as motos, entre outros efeitos benéficos. Claro que também aumentariam os acidentes de bicicleta (mas raramente são graves, na minha experiência – óptimos para endurecer mãos, cotovelos e joelhos!)

Bikes for Africa

Todos estes efeitos podem ser conseguidos sem ciclistas negros no Tour de France. Existem várias iniciativas para levar bicicletas para África e promover o uso desse meio de transporte ecológico e saudável. Experimentem uma busca no google com “bikes for Africa”. Aparecem projectos como Re~Cycle, que recicla bicicletas no Reino Unido, a Australian Goodwill Bicycles Abroad (bicicletas australianas), e, entre outras, esta Bikes por Africa (bicicletas neozelandesas). Entretanto eu já tinha lido sobre outra Bikes for Africa e, mais recentemente, sobre Baisikeli (projecto dinamarquês).

Além de enviarem “lixo” de países mais ricos que se espera que se converta em meios de transporte em África, várias destas iniciativas geram emprego local, ao criar uma indústria africana de recuperação de bicicletas usadas, financiada pela subsequente comercialização.

Não encontrei nenhuma iniciativa portuguesa do mesmo tipo, o que não admira, tendo em conta que a prática do ciclismo é insignificante em Portugal. Num Eurobarómetro realizado em 2007 sobre “Atitudes sobre temas relacionados com a Política de Transportes da UE”, Portugal é o antepenúltimo país da UE27 (à frente de Malta e Luxemburgo) em utilização da bicicleta como principal meio de transporte: 1% da população. [Gostaria de saber quem são! Eu não conheço ninguém!]





The African Cyclist

Se eu pensasse em desenvolver o ciclismo competitivo em África, começaria provavelmente pela bicicleta de montanha, muito mais apropriada para prática em qualquer tipo de terreno (apesar de ser uma disciplina muito menos profissionalizada que o ciclismo de estrada e portanto ser mais improvável produzir atletas que consigam viver do desporto).

Mas há quem acredite e esteja motivadíssimo por levar em frente o projecto do ciclista negro no Tour de France. Em Singapura conheci o Nick (foi ele quem generosamente emprestou a super-bicicleta que me permitiu conquistar o terceiro lugar no triatlo de Singapura há duas semanas).





O Nick é fotógrafo por conta própria e apaixonado do ciclismo. Possui várias bicicletas excelentes, mas não é um super-atleta: pedala por prazer, não compete. Ao observar a ausência de ciclistas negros nas grandes competições internacionais, decidiu fazer alguma coisa. Foi até ao Quénia em busca de ciclistas. E encontrou. Encontrou o Zakayo Nderi e o Samwel Mwangi. Trouxe-os para Singapura no ano passado e, finalmente, durante Agosto, irão até França cronometrar uma subida em Alpe d'Huez. Não menos que a mais famosa “escalada” do Tour de France (leiam os artigos na Wikipedia: em português ou, mais completo, em inglês). É cronometrada oficialmente desde 1994, e portanto constitui óptima referência para testar um atleta com ambições de se bater com os melhores do mundo. O objectivo é que estes ciclistas consigam um tempo comparável com os dos atletas do Tour, para demonstrar que têm as capacidades físicas necessárias. Depois será possível abordar e impressionar potenciais equipas, patrocinadores e parceiros para avançar com o projecto.

Será provável encontrar um ciclista negro no Tour nos próximos anos? Talvez não. Mas o mundo só muda sempre que alguém concretiza um projecto improvável.

Vamos aguardar novidades no site do projecto: http://www.theafricancyclist.com

Boas pedaladas!

2 comentários:

  1. Meu amigo Português , uma coisa é o atleta disputar 2500 Km no Tour de frannce e ter que subir todo fadigado o Alpe D'Huez .... outra é o atleta se preparar somente para esta escalada ... lembre-se que ou o cara siobe na frente , ou sprinta muito e ganha a prova ou estara fadado a ser um gregário ! será que conseguiriam mesmo treinando com uma equipe profissional Pro Tour acompanhar o ritmo de F1 que é imprimido durante as etapas planas ? e depois terem que fazer um crono ? e depois ter que escalar as Hours Concours do Tour ? e chegar tomando só 2minutos e 30segundos do Armstrong , Sastre , Contador ?
    refaça seus cálculos , com o elemento FADIGA !!! ae me envie resposta no www.fotolog.net/jucaxc ou jucamtb@hotmail.com

    obrigado , entenda como algo construtivo !

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