quinta-feira, 10 de julho de 2008

Quem vais comer ao jantar?

Uma das implicações da sociedade especializada e globalizada em que vivemos é que estamos muito longe da origem da grande maioria (totalidade?) dos produtos que usamos ou consumimos. Não só de produtos mais complexos como computadores, frigoríficos ou automóveis, mas também de coisas tão simples como um prato, uma cadeira ou uma cama (quem já tentou produzir algum destes produtos?). Mesmo um eremita de vida simples, que tenha abolido grande parte das necessidades materiais, talvez não produza a sua própria roupa ou algo ainda mais essencial como a sua própria comida.

Quem nos garante que aquilo que nos chega é “moralmente bom” e foi “moralmente bem” feito? Quem define o que é “bom” e o que está “bem”? Para descanso da nossa consciência, delegamos muitas dessas definições (no Estado, na Igreja, nas ONGs, em algum familiar ou amigo de opiniões mais fortes...) e tendemos a esquecer que elas existem. De vez em quando talvez nos interroguemos, mas rapidamente chutamos a dúvida de volta ao canto do cérebro de onde ela se extraviou: “Sim, sim... existem por aí umas leis para garantir que essas coisas funcionam bem”. E, se algo dá errado, claro que a responsabilidade não é nossa: “Pois... eles não definiram bem as regras... o que é que eu poderia fazer?”

Algum problema? Provavelmente sim.

O meu consumo é o motor de uma cadeia montada para satisfazer as minhas “necessidades”. Cada compra é um voto a favor dessa cadeia e de tudo o que a envolve. Cada compra representa a minha assinatura, em papel azul de 25 linhas e reconhecida em cartório, aprovando tudo o que se passa ao longo da cadeia produtiva. Será que consigo ficar de consciência tranquila com as aprovações que faço todos os dias?

Não sou a pessoa mais consciente ou responsável do mundo, mas não consigo evitar algumas perguntas desconfortáveis como:


  • De quem é o couro dos meus sapatos? (com sorte talvez sejam sintéticos)

  • Como vivem os chineses que fabricaram a minha bicicleta de montanha que custou 50 Euros no Carrefour? Como é que a bicicleta pode ser tão barata??

  • Como vivem e morrem os seres vivos que nos servem de alimento?

  • Para onde vai o lixo que deito fora todos os dias?? (e que também faz parte dessa cadeia que eu aprovei)

  • Etc. etc. etc.




Ultimamente tento pensar que só deveria consumir algo que fosse capaz, fisica e moralmente (talvez não tecnicamente), de produzir eu próprio, com as minhas mãos, o meu suor, os meus valores. Parece-me uma boa teoria. Como tantas outras, não é fácil colocá-la em prática – mas isso não é desculpa para ser irresponsável! As duas principais dificuldades são:


  1. Falta de informação – não é fácil saber em detalhe como cada coisa chegou até mim (e onde vai parar depois de passar por mim)

  2. Comodismo – não é fácil abdicar de coisas que aprecio mas que suspeito (ou até sei!) que não são “limpas”, “boas”


Como posso dormir descansado? Ignorante e feliz? Tomo a pílula e volto para a matrix?

zzz
zzz
zzz




Se por acaso ficou por aí alguém que tomou a pílula errada, talvez queira assistir à história das coisas (20 minutos para fazer pensar) ou a este impressionante vídeo sobre algo que eu não seria capaz de fazer com as minhas mãos: [ATENÇÃO: desaconselhável a pessoas mais sensíveis!]




Fonte: PETA.org

2 comentários:

  1. Pensar em tudo isto é muito interessante, especialmente se se estiver demasiado perto de ter mesmo que viver com muito pouco ou quase nada das evoluções da tecnologia. Eu, por exemplo, estava praticamente esquecida que peru não era aquela massa em forma de bife que já se vende em "couvettes" de plástico no Jumbo, quando me relembrei, no Chinjenje, que se eu comesse galinha todos os dias, para além de a ter que matar para a comer, ainda as extinguia antes do fim da semana. Lá me lembrei de quando vivia em Campizes e a minha mãe um dia deixou fugir uma galinha sem cabeça já meia depenada que correu quintal fora, ao som da terrível música da Cuca do sítio do Picapau amarelo que dava na televisão, quando eu estava a chegar da escola já lusco-fusco. E foi aí que eu concluí que preciso de alguém para fazer o "trabalho sujo" porque se fosse preciso eu matar um animal para comer tinha que ser vegetariana. Esse moralmente apaz inclui pagar para que alguém nos faça essas coisas? É que se for assim... zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

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  2. Será que é por isso que trabalho na água e nos esgotos?

    Posso-te adiantar que o sítio para onde vão os últimos é para o mesmo sítio onde se vai buscar os primeiros. Há que confiar muito na tecnologia...

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