E comecei as duas semanas de taper (termo técnico para o período de descanso em que o corpo recupera do esforço acumulado nas semanas de treino mais pesado, construindo forma para o grande dia). Estava e estou em super forma. Os treinos longos tinham sido relativamente fáceis, sentia algum cansaço devido aos kms acumulados, mas estava confiante na recuperação até dia 28. As temperaturas em Hong Kong tinham estado baixas (perto dos 10ºC) o que me deixava ainda mais animado para conseguir um bom tempo. Parecia-me possível algo próximo das 3 horas, possivelmente abaixo, e quem sabe até recorde mundial buliano, batendo as 2h57'51" de Nova Iorque 2008?
Até que na terça-feira passada, descalço como sempre quando estou em casa... trungas! Bati com o dedo mindinho do pé esquerdo no pé da cama. Dor lancinante durante um segundo, até equanimemente conseguir assumir o controlo, observar a dor (sem palavrões!) e dissipá-la. Pensei que o dedo ia doer durante um dia e que nem sequer teria de abdicar do treino seguinte (dois dias depois). Descalço, o dedo até estava óptimo. Mas tentei calçar ténis para correr na quinta-feira e o dedo doía muito. Não corri.
Na sexta-feira (há uma semana) tive que andar de sapatos e passei a tarde a coxear. Até aí eu ainda estava convencido de que teria tempo para recuperar e correr a maratona. Só quando uma amiga me disse "vê lá se não partiste o dedo" é que percebi que talvez não pudesse correr! Pensei que ia ficar frustradíssimo, mas não: aceitei a possibilidade de não correr com muita equanimidade! Que poderia fazer? Comprar um dedo novo?
Nem fui ao médico. Segundo a minha pesquisa no google, o tratamento a dar em caso de fractura é repouso e atar o mindinho ao dedo do lado, para o ajudar a soldar-se direito. Gelo e elevação do pé são recomendáveis nos primeiros dias, para diminuir a inflamação. E é o que tenho feito. Para quê ir ao médico? Para ele fazer um raio-X e me dizer se há ou não há alguma coisa partida? Não preciso da confirmação: basta saber que tenho de descansar até o dedo estar bom.
Se eu conseguisse correr descalço até talvez desse para fazer a maratona, porque o dedo só dói quando estou calçado... mas ainda não desenvolvi essa habilidade.
Escusado será dizer que o meu treinador acha que esta história é mas é uma grandessíssima tanga!
Fiquei a pensar nas boas e más razões para conseguir não ficar frustrado com esta situação:
- Na verdade, no meu subconsciente, eu estava com medo de ter de provar que estava em super forma e fazer um super tempo! (é possível - uma maratona não é propriamente uma coisa fácil, há sempre alguma dor física envolvida...)
- A minha equanimidade está realmente bem desenvolvida (acho que vai melhorando, mas pode ser sempre melhor!)
- Já estava com ideias de correr outra maratona em Junho, e correr esta poderia atrasar o início dos treinos para a seguinte
- Treinar para mim é parte do caminho da vida. Não é simplesmente um meio para ficar em forma (muito menos um sacrifício!) para um evento especial (a maratona). E estas 8 semanas de treino valeram imenso por elas próprias: descobri que consigo correr mais de 100 kms por semana sem ficar lesionado e descobri óptimas trilhas para correr no McRitchie Reservoir e no parque Bukit Timah. Antes achava que Singapura não era uma ilha amigável para corredores, mas mudei totalmente de opinião!
Não deixa de ser irónico que, depois de centenas de kms a pisar pedras e raízes arriscando torcer um tornozelo, a passar ao lado de lagartos e cobras coloridas arriscando uma mordidela, quase entrar em áreas de tiro livre dos militares singapurenses arriscando um tiro... não possa correr porque bati com o mindinho em casa!!
Irei a Hong Kong apoiar a minha miúda, que vai correr a meia-maratona, e depois vamos passear uns dias em Macau. Tenho pela frente mais um mês no "estaleiro" (zero corrida, mais natação) até o dedo ficar bom. E depois é voltar à estrada e às trilhas para preparar uma boa classificação na primeira maratona de Dili!!
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