foto: Luis Candeias
Preparação
Findas as seis semanas necessárias para soldar o mindinho partido a meio de Fevereiro, tinha 12 semanas para treinar para a maratona de Dili - já estava atrasado! Aumentei rapidamente (com maior risco de lesões, que felizmente não aconteceram – obrigado, corpo!) a duração do treino longo semanal. O corpo reagiu bem e em três semanas comecei a correr duas ou mais horas uma vez por semana. Ainda assim, treinei 25% menos kms (ou tempo) que para a abortada maratona de Hong Kong (HKG, em vermelho no gráfico).
A maratona vertical implicou uns treinos de corrida mais leves, para não assassinar as pernas. O esforço diferente de subir escadas acabou por me deixar com umas dorzinhas no tornozelo esquerdo e no joelho direito – alarmes de lesão! Por isso, decidi descansar nas últimas duas semanas antes da maratona como nunca tinha descansado antes para uma maratona.
Na véspera da prova parecia ter conseguido o objectivo de começar os 42 km sem dores nenhumas. Não tinha corrido os kms todos que teria gostado, mas estava confiante na capacidade cardiovascular e muscular de completar a maratona. Só alguma lesão poderia trazer problemas.
Objectivos
Objectivo principal: como sempre, curtir a prova (sim, é possível curtir uma maratona! Ok, talvez não tanto os kms finais...), os outros atletas, o público, Dili, as memórias dos bons tempos passados ali, as emoções de uma infância e juventude plena de causas timorenses... E, como sempre, curtir a prova também passava por fazê-la o mais rapidamente possível e ficar o mais bem classificado possível :)
Objectivos absolutos (i.e., mais ou menos dentro do meu controlo): Visto que a minha preparação tinha sido mais curta que o ideal e que a maratona vertical me tinha deixado com umas dorzinhas a ameaçar lesão, desta vez não me atrevi a fazer estimativas de passagens ao segundo, como fiz para Mumbai e Nova Iorque em 2008. Senti-me em condições de fazer os 42,195 km num tempo entre 3h05’ e 3’20” (o meu pior tempo até ao momento, feito em Mumbai).
Objectivos relativos: Terminar entre os 100 primeiros (pois suspeitava que não haveria mais atletas inscritos na maratona), com esperança de poder ficar entre os 10 primeiros. E quem sabe não seria possível um lugar com direito a prize money (5 primeiros), pódio, ou até ganhar – dependendo da qualidade dos participantes?
Philimon
Na véspera da maratona, ao embarcar (ou mais correctamente, emavionar) no voo Singapura-Dili perdi logo as esperanças de ser o vencedor da prova: lá estava, (já) bem sorridente, o vencedor: um africano esguio com ar de corredor rápido.
Descobri no dia seguinte que era o Philimon Rotich, queniano (de onde mais?) de 29 anos (27 segundo o passaporte, diz ele... o que me deixa a pensar sobre as idades reais de alguns atletas em campeonatos juniores internacionais...).
Segundo me contou, estava ele no Quénia a passear pela Internet à procura de maratonas para correr quando encontrou a de Dili. Viu prize money razoável para o primeiro classificado (5.000 dólares) e grandes possibilidades de ganhar por ser uma maratona pouco conhecida. O Philimon vive de corridas e agricultura. Tem uma quinta comprada com o prize money (20.000 dólares) da sua vitória na única maratona anterior, há uns anos na Itália. Vendeu um animal da quinta para ajudar a pagar os 1.600 dólares da viagem (bem baratinha, eu diria – de fazer inveja a quem quer viajar de Lisboa a Dili; e o animal deveria ser bem valioso, tenho de investigar a espécie e raça!) e pôs-se a caminho. Três dias de viagem, de Eldoret a Nairobi, mais todos os voos e escalas: Nairobi-Istambul-Singapura-Dili.
Reza a lenda* que ao chegar a Dili ele não tinha dinheiro para pagar o visto de entrada (30 dólares). Parece-me mais razoável acreditar que ele não tinha dólares americanos com ele naquele momento (apesar de não parecer muito sensato da parte dele, já que o dólar americano não é propriamente uma moeda rara e difícil de obter). Acho difícil acreditar que alguém viaja do Quénia até Timor-Leste e não tem dinheiro (“penniless”, segundo os media). O Philimon diz que o presidente Ramos-Horta (que, segundo as minhas fontes fidedignas, estava no aeroporto naquele momento, foi avisado da situação e decidiu ajudar o atleta) o convidou para ficar na casa dele durante os três dias em Dili.
No dia seguinte, como previsto, Philimon ganhou a maratona, com o modesto tempo de 2h34’57”, só um minuto menos que o segundo classificado, o timorense Augusto Soares. Queixou-se bastante do calor, mas suspeito que na segunda volta (eram duas voltas de meia-maratona) ele foi a controlar, vendo que não havia forte concorrência (diz que passou a 1h07’ na primeira volta, o que implica ter feito 1h27’ na segunda... não muito melhor do que os meus 1h33’!). Acredito que se tivesse havido necessidade de um sprint final ele teria bastantes energias para investir ainda.
foto: AFP Photo/Mario Jonny Dos Santos (obtida aqui)
O prize money para o vencedor da maratona de Dili do próximo ano (18 de Junho de 2011, segundo anunciado) foi triplicado para 15.000 dólares e o Philimon já disse que vai voltar, desta vez mais preparado para enfrentar o calor (e, digo eu, a concorrência provavelmente muito mais forte atraída pelo apetecível prémio!).
foto: Elias Friedhelm
Entretanto o presidente Ramos-Horta decidiu convidar o Philimon para voltar a Timor-Leste em Setembro, para treinar com os atletas timorenses e partilhar planos e dicas de treinos. Já combinámos provavelmente encontrar-nos quando ele fizer escala em Singapura a caminho de Dili.
Rosa Mota
Eu nunca treino na véspera de uma prova minimamente importante. Nunca. E não estou a ver quem me poderia convencer a fazer de outra forma. Não estava a ver. Até ser convidado para ir treinar... com a Rosa Mota.
Que corredor poderia recusar tal convite? Não seria eu! Nem se no dia seguinte fosse correr a maratona olímpica com ambição à medalha de ouro (talvez nessa situação fosse ainda mais apropriado aceitar o convite!).
A Rosa Mota é alguém muito especial para mim e provavelmente para a maioria dos portugueses (acima dos 25 anos?). E não só: também dos timorenses, dos brasileiros (ganhou a Corrida de São Silvestre de São Paulo entre 1981 e 1986), dos japoneses... E tantos outros (existe até uma banda Rosa Mota) que admiram, ainda mais que os inigualáveis êxitos na maratona, a sua capacidade de espalhar alegria e inspirar.
A Rosa solidariamente teve em conta que eu ia correr a maratona no dia seguinte (as restantes quatro pessoas no treino iam fazer os 5 km) e decidiu que só caminharíamos da praia da Areia Branca até ao Cristo-Rei ali a 2 ou 3 km. Chegados à base do Cristo, comentou que subir escadas (até ao Cristo lá no alto) não era recomendável na véspera de uma maratona e decidiu que voltaríamos para a Areia Branca. Foi um passeio muito agradável que não desgastou minimamente as minhas capacidades físicas e alimentou claramente as psíquicas, graças às energias positivas do grupo e em especial da Rosa, e também ao espectacular cenário de pôr-do-sol e ao tempo relativamente fresco – passava até uma aragem refrescante (provavelmente “fria” para os locais).
foto: Luis Candeias
Para quem não tem visto a Rosa Mota, basta procurar na memória. Está exactamente na mesma desde este evento que parece que foi ontem:
Sério. A mesmíssima estrutura física, o mesmo corte de cabelo, o mesmo sorriso aberto, generoso, sem filtros, a mesma energia física e psíquica, a mesma passada certinha alimentada a pilhas de longa duração, a mesma competitividade, reagindo automaticamente a qualquer ameaça de ultrapassagem mesmo em treino... Mas também o discernimento para saber quando aceitar perder: deixou o Ramos-Horta ganhar-lhe ao sprint nos metros finais da prova de 5 km.
foto: Elias Friedhelm
Atenção a um detalhe importante no vídeo: a Rosa Mota também usa calções vermelhos!! Isso recorda-me do maior elogio que já me fizeram como atleta. Aconteceu em Viana do Castelo há uns meses. Manhã de Dezembro, frio abaixo dos 10º Celsius. Corria eu pelas ruas pedonais do lindíssimo centro da cidade, com os meus famosos calções vermelhos e uma t-shirt de manga comprida. Ao aproximar-me de um grupo de quatro ou cinco senhoras, notei que olhavam para mim e faziam comentários, provavelmente sobre o frio e a minha escassa roupa. Quando passei por elas só ouvi “Ah, a Rosa Mota era a mesma coisa!” Eu e a Rosa Mota a mesma coisa?!!?! O delírio!!!!!!! Achei o comentário demasiado generoso mas claro que gostei de ser comparado a tão ilustre, dedicada e bem sucedida maratonista e pessoa!
Melhor ainda só ter tido a honra de ser chamado “o atleta” pela própria Rosa Mota neste fim-de-semana!
Antes da partida
Pelas 8 da noite comi uma massa bem simples (trazida de Singapura assim garantindo controlo total dos alimentos) para carregar-me de energias. Preparei as coisas para a prova e deitei-me pelas 10 horas. Antes de adormecer reflecti e visualizei o que faria desta maratona uma excelente maratona. Como a curtiria com todos os sentidos, com todo o meu ser (corpo, mente, coração e espírito). Qual o ritmo certo a imprimir, como gerir a energia e os abastecimentos de líquidos e de gel energético. Tudo a postos!
5:00 da manhã. Acordei de uma noite de sono curto, em que acordei muitas vezes, talvez devido ao barulho de uma festa nocturna próxima, o ruído do frigorífico no quarto, alguma ponta de ansiedade pelo excelente dia que me esperava... Cortei o jejum com duas bananas e uma barra de cereais. Despejei líquidos e sólidos para ir o mais leve possível e prevenir dores abdominais.
5:50 da manhã. Saí da “Casa Minha” (onde fiquei hospedado). Noite escura. Temperatura simpática, fresquinha. Galos a cantar.
Para aquecimento, e como meio de transporte, corri devagar (e com atenção para não tropeçar em nada no escuro) os 2 km até ao Palácio do Governo, onde seria a partida e a chegada. Só comecei a suar um pouco ao chegar lá. Temperatura animadora!
foto: Elias Friedhelm
(Nota: Os mais observadores terão reparado que não usei os meus calções vermelhos nesta prova; a razão é prática - estes calções pretos têm um bolso simpático onde posso levar gel energético)
Ao chegar veio logo falar-me o Philimon, lembrando que nos tínhamos visto no avião na véspera: “Olá, como estás?” Falámos dos tempos esperados para a prova e confirmámos que não entraríamos em competição directa: ele esperava fazer algo próximo de 2h20min. Ele estava com sede e partilhei um pouco da água que tinha trazido comigo. Recordando uma corrida de “10” km que fiz em Dili em 2003, lembrei-me de lhe recomendar que tivesse cuidado para não se enganar no percurso, já que muito provavelmente ele lideraria a prova e talvez não estivesse super bem indicado.
Sentia algum sono, devido à madrugada e a ter dormido pouco nos dias anteriores, com jet lag por ter voltado da Europa recentemente. Mas sentia-me muito bem e estava a curtir muito o ambiente, as boas energias no ar. Tinha um sentimento de que ia ser uma grande corrida! :)
Despejei uns últimos líquidos e tomei um gel energético. Vamos lá!
Partida
Claro que decidi partir ao lado do Philimon. Se não o fizesse aqui, não sei quando seria a próxima oportunidade de partir ao lado do vencedor de uma maratona! E quem sabe ele não me passaria algum talento corredor por osmose?
O presidente Ramos-Horta deu a partida com uma buzina prolongada. E durante umas gloriosas décimas de segundo fui o líder da primeiríssima maratona internacional de Dili, ao ser o primeiro a reagir à buzina!
Mas logo o Philimon e uma tropa de entusiasmados timorenses se lançaram para a frente num ritmo claramente acima do que eu queria imprimir à corrida. Calculei que ficaram à minha frente naquele arranque pelo menos 30 atletas, talvez 40. Pensei que veria muitos “morrer” e ficar para trás nos poucos kms seguintes, mas, para minha surpresa, isso não aconteceu – aquele pessoal aguentou-se muito bem!
Segundo me comentou depois a Lucie, vencedora feminina, as atletas timorenses picaram-se com ela nos kms iniciais: cada vez que ela começava a passá-las, elas arrancavam para a frente. Mas não foram só elas que começaram rápido de mais: a própria Lucie passou a 1h26’ na meia maratona e terminou em 3h03’ – ou seja, a segunda metade foi bastante mais lenta, em 1h37’. O Philimon fez 1h07’ + 1h27’...
foto: Elias Friedhelm
Eu próprio, pensando que tinha arrancado num ritmo bem controlado, passei no primeiro km em 4’16”, em vez dos desejados 4’30”/km. Bom saber que conseguia correr a 4’16” sem qualquer esforço! Mas logo levantei o pé do acelerador e acertei o velocímetro no km 2.
Primeira meia-maratona
Corri ao lado de outro atleta (Michael Parr, um “ocidental”) do km 3 até ao 16. Íamos num ritmo certíssimo de 4’30”/km (perfeito para terminar os 42 km em 3h10’) que se sentia bastante fácil (como teria de ser se ambicionávamos correr 42 km), passando um ou outro atleta que tinha começado rápido de mais.
O piso era bom, de alcatrão em bastante bom estado. A cada 3 kms havia um posto de abastecimento muito apreciado, com água e bebida energética. Esforcei-me por beber sempre alguma coisa em cada posto, sabendo que ia perder muita água naquelas 3 horas.
Passámos por vários bairros nos arredores de Dili. As pessoas tinham saído à rua e observavam – a maioria em silêncio – os loucos corredores (quase ninguém imaginava que estávamos a correr 42 km, suspeito). Aqui e ali uns gritos de incentivo ou de gozação. Ouvi muitas vezes “malae” (estrangeiro), sabendo que falavam de mim e do meu companheiro de ritmo. Os miúdos pequenos eram geralmente os mais expressivos. E eu ia respondendo com “Bom dia” e “Obrigado”.
Passei por vários amigos e conhecidos timorenses, líderes das federações desportivas, que obviamente não me tinham visto até eu gritar “Olá João/Filomeno/Carlos/Victor!”. Divertido e energizante encontrar gente conhecida de forma inesperada!
Na segunda principal subida do percurso (nenhuma delas muito íngreme) o Michael ficou para trás (acabou em 3h27’). Arranjei então companhia de um dos muitos timorenses de calções verdes com listras amarelas (das Falintil-Forças de Defesa de Timor Leste, descobri mais tarde). Juntos ultrapassámos um grupo de seis atletas: cinco rapazes que pareciam acompanhar uma rapariga. Pelas minhas contas ainda havia pelo menos 20 atletas à nossa frente.
Passámos na meia-maratona num tempo perfeito para as minhas ambições: 1h34’37".
Segunda meia-maratona
Ao passar na meia-maratona sentia-me muito bem em termos energéticos e cardiovasculares. Mas estava a sentir bastante os tornozelos e as pernas e comecei a pensar que poderiam começar a doer “demasiado” (seja lá isso o que for...). Acho que foi a primeira vez que passei a metade da maratona e fiquei a pensar que 42 são muitos kms! (Em Nova Iorque eram “só” 26 milhas – e o número mais baixo ajuda realmente a encarar a corrida!) Estava difícil de imaginar manter o ritmo na segunda volta, e por isso decidi não pensar no assunto e simplesmente continuar a correr. As boas notícias eram que o temido calor não se fazia sentir: estava quente, mas corria uma brisa suave até refrescante – algo que eu nunca tinha sentido em Dili antes!
Felizmente, em parte provavelmente por ter entrado em algum tipo de transe, de estado alterado de consciência (sempre bastante lúcido – não se preocupem, pais!), os kms começaram a passar muito mais rapidamente. Psicologicamente, claro: na verdade o relógio continuava a marcar kms próximos dos 4’30”, por vezes um pouco abaixo. Excelente!
Rapidamente (bom, uns 35 minutos depois) cheguei ao km 29 e o ritmo continuava o mesmo! Até houve ali uns kms mais rápidos, próximos dos 4’15”/km!).
Nota: Entre os km 5 e 18 não pude marcar as passagens por km (não estavam bem assinalados), por isso o gráfico mostra o ritmo médio nesses 13 kms
Então comecei a contagem decrescente: 13 km fazem-se em 1 hora... 12 km...11... 10... Depois de passar a primeira timorense, ali pelo km 34, nunca mais vi outros atleta. Aliás, nos kms finais não havia nenhum atleta 1 km à minha frente nem 1 km atrás. Estava completamente em contra-relógio individual.
Pelo km 35 um grupo de miúdos deve ter lido a bulicena sobre a maratona de Nova Iorque e decidiu reproduzir o túnel de energia! Fizeram uma barulheira espectacular que me induziu excelentes descargas eléctricas pela pele e espinha dorsal. Mas a maioria das pessoas que se tinham juntado à volta da estrada olhavam sem se manifestar. Ainda assim, melhor do que ruas totalmente desertas – obrigado!
Meta
Pela segunda vez, depois da maratona de Nova Iorque, não houve muro! A estratégia de abastecimento de bebida energética a cada 3 km e gel energético a cada 12 km (três em total) funcionou muito bem!
Mas começava a sentir vontade de andar... de chegar à meta e finalmente parar de massacrar as pernas e tornozelos! Os quatro kms finais (felizmente em descida e planos) custaram bastante a passar. Pareciam mais compridos que na (exactamente igual) volta anterior. Nada como viver o presente, com equanimidade, e perceber que continuava a avançar ao ritmo de sempre e mais cedo ou mais tarde a meta passaria por mim.
foto: Luis Candeias
A menos de 1 km da meta, já na marginal junto ao mar, vinha na direcção contrária pessoal que tinha acabado a meia-maratona e pararam para me aplaudir e incentivar – obrigado!! Já vinha ali a curva antes da meta! Como nos jogos de computador, as baterias recarregaram-se com a perspectiva de estar a acabar e com a energia emanada pelos espectadores, cada vez mais, e mais animados e animadores! Recta final, meta à vista. Olhei o relógio junto à linha de chegada: acabava de marcar 3:08:00. Multidão a aplaudir. Vozes familiares a darem uma força especial para terminar forte. Agradeci. Acelerei o que as pernas permitiram. Curti o momento. Cruzei a meta. Já está!! Finalmente posso andar. :)
foto: Luis Candeias
Rescaldo em família
Participar numa prova com poucos atletas (79 na maratona) tem várias vantagens para além da garantia de um lugar nos top 100. O melhor de tudo é o ambiente familiar e o privilégio de conhecer e falar com toda a gente, especialmente num país relativamente pequeno (1 milhão de habitantes) como Timor-Leste.
A Rosa Mota veio procurar-me depois da prova. Elogiou o tempo final, achando que 3h08’ aqui valiam até mais que as 2h57’ de Nova Iorque (dadas as diferenças de temperaturas). Falámos sobre os diferentes níveis de “estragos” causados por uma maratona e os tempos de recuperação variáveis entre atletas. Ela podia treinar normalmente no dia seguinte a uma maratona. Eu tenho de dar uns dias de descanso às pernas para se reconstruírem.
Simpaticamente, o embaixador de Portugal, Luis Barreira de Sousa, também me felicitou e se interessou pelos meus projectos desportivos e profissionais. Tive até oportunidade de trocar umas impressões com o presidente Ramos-Horta sobre o desenvolvimento desportivo em Timor-Leste.
foto: Gaia Discovery
Na entrega de prémios estive na conversa com o Philimon [acabou de me ocorrer: será que ele conhece Mortadelo y Filemón??] e foi aí que fiquei a saber um pouco mais sobre a história dele.
foto: Gaia Discovery
E mesmo à minha frente estava sentado um rapaz timorense cuja cara me era familiar... Cumprimentou-me e lembrou-me que eu lhe tinha dado uma t-shirt há uns anos. Finalmente, ao vasculhar em fotos de 2003, lembrei a história: era o Calisto da Costa - o melhor corredor timorense aquando da minha primeira visita (tinha participado nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000, completando a maratona no respeitável tempo de 2h33'11"). Ele ia ser entrevistado para uma reportagem televisiva e, como não tinha uma camisola de corrida, eu ofereci-lhe a minha, que tinha sido da selecção nacional de pentatlo uns anos antes (e estava em bom estado porque praticamente eu só a tinha usado em provas internacionais – sério!). Ele tem excelente memória!
Alcino
Mas o momento alto da entrega de prémios foi quando Ramos-Horta chamou o “verdadeiro herói”, (palavras dele) para ser homenageado. Ninguém menos que o mais famoso atleta paralímpico timorense: Alcino Pereira.
foto: Elias Friedhelm
Descobri então que ele tinha feito a maratona completa! 42 km. Qua-ren-ta e dois qui-ló-me-tros. Quarenta e dois. 42.195 metros. 5 horas, 47 minutos e 26 segundos. Fiquei até meio envergonhado de estar orgulhoso do meu feito. O Alcino não tem a mesma facilidade de movimentos e o mesmo controlo motor que eu tenho ou que a maioria dos leitores das bulicenas têm. Mas não lhe falta força de vontade, determinação, disciplina. Provavelmente muito acima de qualquer um de nós. Desde a minha primeira missão olímpica em 2003 que conheço o Alcino e o admiro pela constância nos treinos (deve ser o único que está lá todos os dias, faça chuva, sol ou temporal), a dedicação total ao atletismo. E, ainda mais inspirador, pela boa disposição e amizade, sempre pronto para um potente aperto de mão ou um abraço apertado. Não pares, Alcino!!
A maratona de Nova Iorque foi espectacular, mas, a maratona de Dili, tão familiar, foi ainda melhor! Animação total.
Agradecimentos
À Filipa e ao Luis pelo incrível apoio logístico e moral, convívio e reportagem fotográfica.
Ao Pedro pelo convívio e marcação do excelente alojamento na Casa Minha.
À Rosa pela sempre fantástica disposição, simpatia, boas energias, conselhos sábios de milhares de kms de experiência, muita inspiração!
Aos atletas, timorenses e estrangeiros, que aceitaram o desafio!
A todos os que me apoiaram e apoiaram os outros atletas ao vivo: Maria João, Filipe, Afrânio, João, Carlos, Filomeno, Victor, e outros milhares espalhados pelas ruas de Dili e arredores.
Aos que enviaram boas energias, ondas telepáticas e palavras de apoio - família, amigos e simpatizantes!
Ao Elias e Mallika (Gaia Discovery) pelas fotos.
À Gina e todo o pessoal da Casa Minha pela simpatia, hospitalidade, excelente serviço, e pelo luxo de uma piscina óptima para arrefecer e descontrair depois da prova.
Aos organizadores e voluntários que montaram uma prova muito boa, bem organizada, um óptimo percurso (melhor só se fosse uma volta de 42 km!), bons sistemas de abastecimento e apoio médico.
Ao presidente Ramos-Horta por continuar a estimular o desporto como ferramenta de paz e desenvolvimento.
*A julgar pela quantidade de notícias que rapidamente se espalharam pela Internet fora, com informações claramente incorrectas (óptima contribuição para o meu forte cepticismo quanto ao sentido de verdade dos jornalistas – desculpem a generalização, se houver por aí algum jornalista que rigorosamente nunca “ajusta” os factos). Vejamos por exemplo esta notícia da supostamente respeitável agência noticiosa alemã, Reuters. Informações incorrectas, tanto quanto sei, e que seriam (a) tão facilmente verificáveis se o jornalista se desse ao trabalho ou (b) tão facilmente omitidas porque nem são muito relevantes (excepto talvez o facto de ele ter corrido a maratona):
- a idade do Philimon não é 33, mas sim 29 (ou quanto muito 27, segundo o passaporte...)
- o visto de entrada custa 30 dólares, e não 40
- ele participou na maratona, e não na meia-maratona
- ele obviamente não “spotted President Jose Ramos-Horta in the airport” porque claro que ele não conhece a cara do presidente. Consta que o presidente estava naquele momento no aeroporto, foi informado da situação e veio falar com o Philimon – muito mais verosímil, não?
Claro que fico a pensar se estes jornalistas são desonestos ou simplesmente ingénuos, burros ou estúpidos, e se as citações supostamente do Philimon alguma vez foram proferidas. Especialmente quando este padrão de as notícias não corresponderem aos meus conhecimentos de factos ou palavras se repete quase sempre que tenho oportunidade de ter informação em primeira mão. Para ficção e palavras bonitas posso ler romances, obrigado!