domingo, 20 de janeiro de 2008

Maratona de Mumbai

Missão cumprida! Completei a maratona de Mumbai no tempo planeado: 3 horas e 20 minutos! Obrigado a todos pelo apoio virtual e/ou telepático!





Alguns leitores poderão perguntar-se (ou, pior ainda, perguntar-me): mas porque raios alguém corre uma maratona??! Boa pergunta... Nunca me coloquei essa pergunta, portanto não sinto necessidade de uma resposta. Corro porque sim e pronto. Pode ser que a tente responder um dia. Entretanto, fica aqui o relato desta loucura, sem perguntas, e ainda menos respostas, existenciais.

Fiquei em 63° entre 432 participantes. O vencedor, John Kelai (do Quénia, surpreendentemente), tinha vencido também em Singapura’2003, a última maratona em que eu tinha participado. Mas parece que ele tem treinado mais: baixou o tempo em 7 minutos, enquanto eu aumentei 5 minutos.

Podem ver os resultados completos em http://www.sport-timing.at/results/results_overview.php?Event_ID=1040.

Para quem gosta de números e estatísticas, na tabela abaixo podem ver os meus tempos de passagem. As três primeiras colunas (“planeado”) eram a minha previsão de hora de passagem em cada km, que passei a uns colegas que talvez aparecessem por lá. A coluna “real” tem os tempos executados – podem confirmar que foram todos dentro da previsão, inicialmente muito perto da média, e depois convergindo para o tempo máximo.




Tempos de passagem estimados vs. reais



E este gráfico mostra o meu ritmo de prova em cada fase: no eixo vertical está o tempo médio por km e no eixo horizontal a distância percorrida (por exemplo, nos primeiros 5 km corri a uma média de pouco menos de 4 min e 40 segundos por quilómetro). A barra cinzenta por trás do gráfico indica o meu objectivo: entre 4’30” e 4’45” por quilómetro. Podem ver que na primeira metade fui acelerando muito ligeiramente e que a partir do km 30 deixei de conseguir manter o ritmo abaixo dos 4’45”. Nos kms 35 e 36 nota-se bem o efeito da única subida do percurso (que maldade colocá-la ali!), e no km 37 a subsequente descida. E, finalmente, os penosos 5 kms finais, planos mas muito duros.


Tempos médios por km




Indianos, corridas e pernas

Constatei duas coisas importantes nesta prova:
1) Existem indianos que correm (mas não muitos)
2) Existem indianos que mostram as pernas (mas não muitos)

Durante os três meses que antecederam a maratona devo ter visto umas três pessoas a treinar corrida (vi algumas outras pessoas a correr por motivos diversos, como apanhar o comboio, mas não por desporto). É comum ver gente a caminhar como exercício físico, mas não a correr. Portanto eu estava um pouco céptico sobre os 30 mil participantes anunciados para o evento – não poderiam ser todos estrangeiros!

Rapidamente percebi que os 30 mil se dividiam em algo como 27 mil na mini-maratona (6 km), 2 mil na meia-maratona e 500 na maratona... Bastante mais provável.

E pude constatar que, em qualquer uma das três provas, muita gente a fez caminhando e não a correr! 6 km a andar ainda vá, deve dar 1 hora e meia ou assim. Mas 21km? E 42km??

Mas o que é facto é que, entre muitos caminhantes, vi também muitos indianos a correr. Na maratona havia bastantes estrangeiros, mas a maioria dos atletas era local. Afinal há (alguns) indianos que correm! E o vencedor da meia-maratona foi um indiano: há alguns indianos que correm bem!

Quando corro perto de casa, os homens por quem passo ficam descaradamente a olhar para as minhas pernas (mais descaradamente do que olham para as mulheres). Eu sou bastante distraído, portanto nunca teria reparado se não fosse mesmo tão óbvio. Possíveis explicações:


  1. Os meus calções (e não as pernas) chamam a atenção. Esta seria a explicação mais plausível se o fenómeno se verificasse apenas quando eu uso os meus calções vermelhos gastos (algumas pessoas acham que são cor-de-rosa), os mesmos que usei nesta maratona, e na maratona de Singapura há 4 anos, e em tantas outras corridas. Eram os calções da selecção de pentatlo moderno talvez em 1998?, portanto ainda só têm uns 10 anos (não, apesar do que alguns leitores poderão estar a pensar, não estou a precisar de uns calções novos). Não só estão gastos na cor como também no tecido, mas continuam a cumprir a sua função de tapar as partes privadas para não gerar pensamentos pecaminosos nem matar nenhuma velhinha de ataque cardíaco, enquanto me dão liberdade de movimentos para correr sem atritos e sem calor. Já verifiquei cientificamente que o fenómeno é independente dos calções utilizados, portanto não é esta a explicação.


  2. Os indianos nunca mostram as pernas, e portanto é interessante, exótico, talvez chocante, ver alguém que as mostra. Esta é a explicação mais provável, visto que aqui perto de casa vejo bastante gente nos seus exercícios matinais (caminhada), mas toda a gente usa calças (penso que já vi um ou dois homens de calções).


  3. As pernas dos indianos são diferentes: menos pêlos? mais escuras? Obviamente, nunca reparei, primeiro porque costumam andar tapadas, e segundo porque ainda não estou assim tão indianizado a ponto de ficar a olhar para as pernas do pessoal.


  4. Os indianos gostam de pernas de homens. Esta explicação é também possível. Afinal, eles têm o hábito de passear com outros indianos (também homens) segurando ternamente a mão um do outro, portanto não seria de admirar que gostassem de apreciar as pernas de outros homens.



Então e as mulheres não olham para as minhas pernas? É verdade, tenho de confessar que nunca flagrei nenhuma indiana a olhar para as minhas pernas. Podem imaginar em que estado está a minha auto-estima... Para não me deprimir muito, posso encontrar várias explicações:
a) As mulheres olham mas são discretas
b) Na verdade não encontro tantas mulheres assim quando corro
c) Corro demasiado rápido para elas poderem apreciar

Antes do arranque da maratona, vi passar atletas da meia-maratona (começou 1 hora antes) e quase toda a gente estava de calças. Que coisa desconfortável, correr 21 km de calças... Fiquei a pensar que nem em provas os indianos mostrariam as pernas... Fiquei mais descansado quando comecei a ver os maratonistas: finalmente, a maioria estava de calções! Afinal há (alguns) indianos que mostram as pernas!


A caminho da partida

São 7 da matina, o sol começa a regressar da sua volta ao mundo nocturna. Cá em baixo, nesta cidade que hoje é o centro do meu universo, procuro o caminho para a partida da maratona de Mumbai. Passo por vários corpos deitados no chão, totalmente envoltos em cobertores. Se algum corpo tiver sido abandonado pela respectiva alma vai demorar a ser descoberto, já que não é raro ver corpos por ali deitados ao longo do dia. Mas ainda é hora de dormir para muita gente, com casa e sem casa. E, apesar da música de batida poderosa que já vem da zona da corrida e do movimento de atletas e público, estes sem-abrigo dormem como se fosse um dia normal, se é que eles têm algum dia que se possa chamar normal.

Finalmente entendo por onde tenho de ir para me juntar aos restantes maratonistas. Quando dou por mim, estou a caminhar onde os atletas de elite fazem o seu aquecimento para a maratona: só vejo atletas de pele mais escura que o habitual mesmo na Índia, todos com números de prova de dois dígitos. Penso “e se eu ficasse aqui?” (sendo estrangeiro, apesar de cara-pálida, até poderia funcionar), mas continuo o meu caminho em direcção à partida do “povão”.

Junto-me aos restantes maratonistas não de elite e começo a olhar em volta. O número de atletas é reduzido, semelhante ao da minha primeira maratona, Lisboa em 2000. Poucos atletas significa que vou correr sozinho grande parte do percurso.

Estou certamente numa maratona diferente: alguns atletas de mochila, outros de calças, vários atletas descalços, outros com calçado totalmente inadequado para correr 42 km (ténis tipo all star, por exemplo). Que coragem! Ou loucura?

Pouca gente leva mantimentos para a prova. Fico a pensar quantos chegarão ao fim.


Partida

A partida foi dada quando o povão estava bloqueado por um grupo de soldados a uns 200 metros da largada. Nem sequer ouvimos o tiro de partida. Só percebemos que a maratona tinha começado quando os soldados saíram da nossa frente e nos deixaram correr. Então vimos que já não havia ninguém na largada. Foi nesse momento que desisti do objectivo de vencer a prova. Demorei cerca de 2 minutos desde o tiro de partida até passar na largada, por isso o meu tempo oficial é na verdade 3h22min, e o tempo “líquido” são as tais 3h20min (sim, concordo que os 2 minutos contariam se tivesse batido o recorde do mundo... mas não era essa a minha corrida, por isso deixem-me registar as 3h20min, vá lá).

Comecei a corrida calmamente, entrando logo no ritmo certo, por volta de 4’40” por quilómetro. Sabia que para fazer 3h20min (média de 4’45”/km) teria de correr ligeiramente mais rápido nos primeiros 30 kms, já que o “muro” dos kms finais é muito poderoso e me obrigaria a abrandar. Mas também sabia que não poderia ir mais rápido do que uns 4’30”/km, pois não estava treinado para essas velocidades.

O que é que alguém pensa quando começa uma maratona? Posso pensar muita coisa, mas algo que não me passa pela cabeça é que vou correr 42 km. Começo a maratona sabendo que vou passar bastante tempo a correr, mas não penso na brutalidade do esforço a completar. O importante é saber que estou preparado para completar a prova. Essa confiança vem dos meses anteriores de preparação disciplinada. Sei que treinei menos que para maratonas anteriores, e que estou em pior forma, mas por isso mesmo o meu objectivo é menos ambicioso.

Desde o início fui ultrapassando pessoal que tinha começado rápido demais e que ia abrandando. Na verdade, alguns nem sequer começaram rápido demais: havia pessoal a começar a maratona a andar! Imagino que pretendiam completar os 42 km sem correr... Estimei logo umas 8 horas na melhor das hipóteses. Os indianos gostam realmente muito de caminhar. Também na meia-maratona, que tinha partido 1 hora antes da maratona e que partilhava os primeiros 11 kms, havia centenas de pessoas a andar, com ar de quem não tinha corrido um único metro!

Logo no segundo quilómetro passa por mim um rapaz a sprintar loucamente, a ritmo que só dá para aguentar uns 200 metros. Pára pouco depois e continua a andar... Um minuto depois, passa por mim de novo em alta velocidade. “Louco... será que pretende fazer os 42 km assim??” Claro que nunca mais o vi.

Pouco depois do km 3, quando os atletas mais rápidos já passavam no outro sentido da marginal reparo num rapaz descalço a correr uns 30”/km mais rápido que eu, com todo o ar de quem vai aguentar o ritmo até ao fim. Espero que os pés tenham aguentado!

Nessa altura começamos a correr junto ao mar, à esquerda. Reparo que nos quilómetros seguintes a estrada continua na sombra. Óptimo, o sol vai demorar a aparecer e a temperatura vai continuar moderada. Tinha pensado que seria uma prova difícil com muito calor e humidade, mas nem está tão quente assim.

Por volta do km 7 reparo que outro atleta corre ao meu lado. Ele acelera um pouco e faz-me sinal para o acompanhar. Penso “vai lá tu à tua velocidade que eu estou muito bem na minha”. Ele acaba por resignar-se e fica ao meu lado novamente. Pergunta-me “what is your time?”. Eu “3h10min to 3h20min”. “Ah... that’s too fast”, responde. E eu, pensando que estávamos no ritmo certo para o meu tempo, pergunto “what’s your time?”. Ele responde “4h”. Quatro horas??! “You’re going too fast”, digo-lhe, “you should go 30” to 1’ slower per km!” Ele responde que já tentou ir mais devagar noutras provas mas que não resulta, então que prefere dar o máximo que conseguir até à meia volta (que seria no km 24, três kms depois do meio). Pensei que ele estava a precisar de um treinador mas não me voluntariei para o ajudar naquele momento... Fiquei feliz por ele quando uns dois ou três kms depois ficou para trás. Espero que tenha abrandado radicalmente.


Mantimentos

A partir do km 12, quando o pessoal da meia-maratona deixou de seguir no mesmo percurso, fiquei bastante sozinho. Até ao km 30 fui passando e sendo ultrapassado por um atleta indiano com ritmo parecido, mas ele acabou por abrandar mais nos derradeiros kms e terminou uns minutos depois de mim.

No km 14 (uma hora e pouco de prova) tomei o primeiro PowerGel. É basicamente um gel de açúcar (composto de água, maltodextrina, frutose, minerais e vitaminas) que ajuda a repor rapidamente alguma energia durante o exercício. Uma embalagem contém 108 kcal, uma pequena fracção do consumo energético de uma maratona, que deve ser algo próximo das 3000 kcal. O importante é ter energia para o cérebro funcionar. Na minha primeira maratona eu não sabia o que era isso do “muro” e aprendi da pior forma. Agora já detecto falta de energia mais facilmente – o primeiro sintoma é uma sensação de sono...




Primeiro PowerGel, km 14



Logo nos primeiros kms tinha reparado na boa qualidade do apoio aos atletas: água a cada 1 ou 2 kms, e alguns postos médicos mais espaçados. Peguei sempre numa garrafa de água desde a primeira oportunidade, inicialmente para despejar por cima da cabeça e aliviar o calor. Nos primeiros 15 kms ainda me esforcei por deitar as garrafas vazias em caixotes de lixo, mas a escassez de caixotes de lixo e o cansaço (a falta de açúcar começou a tornar difícil acertar no “cesto”) fez-me desistir. Passei a tentar pelo menos deitá-las para o chão perto de um dos assistentes da prova. Havia bastante gente a dar apoio, inclusive na limpeza, e estavam a fazer um muito bom serviço de deixar a rua limpa. Aliás, notei em geral que Mumbai estava bastante limpa – não sei se propositadamente para a maratona ou porque a campanha de civismo e limpeza da cidade (com cartazes por todo o lado) está a surtir efeito.

Depois do km 12 começaram a oferecer também uma bebida isotónica em alguns pontos de apoio, mas pareceu-me uma bebida pouco energética. Se eu não tivesse trazido os meus próprios mantimentos (quatro saquinhos de PowerGel) com certeza teria tido problemas em manter níveis de energia minimamente saudáveis até ao fim.


Paragem nas boxes

Antes da partida já sentia vontade de despejar uns líquidos... mas a única casa-de-banho que vi tinha uma fila razoável, e tenho reparado que as filas nas casas-de-banho indianas não avançam muito rapidamente (suspeito que isto de não usar papel higiénico não ajuda na velocidade). Decidi que provavelmente teria de fazer uma paragem nas boxes em algum momento da prova.

No km 10 tinha passado por uma casa-de-banho, mas também aí a fila era enorme porque o percurso ainda era partilhado com a meia-maratona. Tinha esperança de encontrar casas-de-banho na passagem à meia-maratona, mas nada. Resignei-me e comecei a pensar que teria de encontrar um lugar sossegado, descampado, longe de público, para aliviar a bexiga. Já bastava a dor normal de uma maratona, não precisava de uma sensação desagradável extra. O problema era que havia pessoas por todo o lado!

O povo saiu à rua para ver, aplaudir e incentivar os loucos que se aventuraram a correr os 42 km. Havia gente em quase cada metro de todos os 42.195 (na maratona de Lisboa só me lembro da minha família, o pessoal inebriado a sair da Kapital às nove da manhã, e poucas pessoas mais...). Infelizmente não contei com torcida de pessoal conhecido, mas a falta de açúcar no corpo em alguns momentos fez-me ouvir “Bora lá!!” e algum outro incentivo totalmente inverosímil.

Finalmente, por volta do km 23, pouco antes de dar meia-volta e começar o regresso em direcção à meta, vejo a minha ultima hipótese: uma marginal junto ao mar, tipo ciclovia Cascais-Guincho, com muito pouco público! Começo a reparar que quase não há público mas que há um polícia ou segurança a cada 50 ou 100 metros... Teve de ser ali: a uns 20 metros de um polícia, encosto à berma, junto a uma placa de um patrocinador da maratona para ficar mais discreto, e despejo os líquidos inúteis (praticamente só água, portanto não contribuí assim tanto para sujar a cidade). Gastei ali uns 20 segundos, mas foram muito bem investidos. Tinha de me começar a preparar para outras dores, e por isso tomei mais um PowerGel pouco depois do km 24.




Retorno, km 23




O muro

Até ao km 30 a corrida fez-se razoavelmente bem, e os meus tempos médios mostram que mantive um ritmo estável, até com ligeira aceleração, dentro dos meus objectivos. No km 33 voltei a sentir “sono” (ou seja, falta de gasolina) e decidi tomar o terceiro PowerGel. O ritmo estava a piorar, agora perto dos 4’50” por km e sabia que estava prestes a ter de enfrentar a única subida da prova (uma colina que já tinha subido e descido no sentido inverso, por volta do km 10).

O cérebro ainda permitia fazer alguns cálculos e pensei que mesmo que o ritmo piorasse para 5 minutos por km ainda conseguiria completar a prova em cerca de 3h18min – não seria difícil cumprir o meu objectivo!

A subida no km 35 foi o começo do fim da prova. Senti o ritmo a baixar bastante e o relógio confirmou: 5’18”. Foi o quilómetro mais lento de toda a maratona. Pensei que a descida subsequente me permitiria recuperar alguns segundos, mas as pernas começaram a ameaçar fazer greve e não fui assim tão rápido: o km 37 saiu em 4’45”. Pela primeira vez numa maratona senti que talvez fosse sofrer cãibras, como já vi tantos maratonistas sofrerem nos kms finais, mas felizmente não chegou a acontecer.

Cá está o muro: as minhas reservas de glicogénio estão em baixo, as pernas mudaram o combustível para gordura... Sinto-me meio apagado. Decido tomar o último PowerGel, para ajudar a manter-me minimamente lúcido nos 5 kms finais.

Nessa altura o percurso é plano e volto à estrada marginal, com o mar agora do meu lado direito. Tento focar os olhos (tarefa difícil devido à hipoglicemia) no percurso lá ao fundo onde tenho de virar à esquerda a caminho da meta. Parece muito mais longo do que 2 horas e meia antes! Quem é que colocou aqui estes kms a mais??

E está bem quente agora: o sol já vai alto e não resta nem um centímetro quadrado de sombra na estrada.

Também não restam muitos atletas. Estranho que ninguém me ultrapasse, agora que vou tão lento. Passo por um que teve de abrandar mais. Ele tenta acompanhar-me por um quilómetro mas acaba por desistir e andar. Ainda retoma a corrida e acelera para alcançar-me (“como é que este tipo ainda tem força para correr tão rápido?”), mas rapidamente desiste.

Talvez culpa em parte da hipoglicemia, mas tenho a sensação de que o público omnipresente desapareceu. Logo nestes kms pesados onde umas energias externas dariam tanto jeito!

Volto a fazer os meus cálculos mentais e concluo que terminarei a prova antes das 3h20min. Ok, não é tão mau assim, vamos lá.

Lembro-me do soldado de Maratona: porque é que ele tinha de correr 42 km?? Se ele tivesse corrido só 40 km talvez não tivesse morrido, e eu estaria a ver a meta neste momento! Mas se ele não tivesse morrido provavelmente ninguém teria inventado esta corrida...

Penso como seria bom descansar as pernas. Mas sei que andar não é uma opção, porque não me imagino a conseguir voltar a correr se parar neste momento. E então demorarei ainda mais a chegar à meta.

Claro que desistir também não é uma opção. Porquê? Porque não. Mesmo que me restasse algum juízo (que nesta altura já não resta), como é que poderia desistir a 3 kms do fim? Não é altura de responder a perguntas difíceis. É altura de me manter acordado, pernas a funcionar, focado na meta que há-de aparecer. Penso no momento de cruzar a meta e como será bom poder descansar as pernas. E comer alguma coisa!

Realmente a maratona é um desafio totalmente diferente de uma meia-maratona. Não é duas vezes mais, nem sequer 10 vezes. É muito mais. E eu ainda quero baixar das 3 horas numa maratona... Isso significa correr cada km em menos 30 segundos do que nesta maratona... tenho muito que treinar!

Passo por baixo de um viaduto onde lentamente avança uma multidão. Algumas pessoas carregam cartazes, mas não me peçam que os leia neste estado. Parece uma manifestação, mas ainda estou sóbrio o suficiente para perceber que é o pessoal que está a “correr” a mini-maratona.

Viro à esquerda junto à pizzaria onde jantei na véspera para me carregar de hidratos de carbono. Sei que devem faltar menos de 2 kms. Tento acelerar, mas as pernas já não obedecem. Têm vontade própria, mas felizmente decidiram ir até ao fim da maratona e não fazer greve antecipada.

Finalmente sou ultrapassado: passa um “europeu” (belga, segundo a lista de resultados), em ritmo ligeiramente mais rápido, com ar de pouco sofrimento. Tento acompanhá-lo mas é impossível. As pernas é que mandam.

A meta nunca mais chega, e há algum tempo que não vejo nenhuma placa a marcar os kms. Mas devo estar quase a chegar ao fim! Vejo uma placa meio escondida. Tem um zero à direita. Primeiro assusto-me, pensando que ainda é só o km 40. O cérebro demora dois segundos a lembrar que já passei pela placa do km 40. Penso então que deve ser uma placa de “faltam 100 metros” ou algo assim! Demasiado optimista: faltam 500 metros.

De novo tento acelerar, porque sei que começo a arriscar não cumprir o objectivo das 3h20min, mas de novo as pernas ignoram os meus pedidos.

Finalmente vejo a meta!! É já ali! Mas, antes, um último obstáculo a superar: um monte de gente atravessa o percurso de um lado para o outro. Decido ir pela esquerda, onde parece haver mais espaço, mas verifico que ali é a chegada da meia-maratona. Ainda consigo corrigir e passar para a direita, para cruzar a meta correcta. Um dos fiscais de prova olha para mim surpreendido porque não me tinha visto aproximar. Só faltava não registarem a minha chegada, depois de 3 horas, 20 minutos e 34 segundos de prova!

Passo a meta e paro o cronómetro. Já nem tenho forças para um gesto de vitória. Mas estou feliz. Missão cumprida.







Fotos da prova disponíveis em http://www.marathon-photos.com/marathon.html?job=Sports%2FCPUK%2F2008%20Sports%2FMumbai%20Marathon;match=1213

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