quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Matrix

A Índia é realmente um país bastante caótico. Pobreza omnipresente, miséria frequente, muita gente, lixo, vacas (e seus derivados), trânsito (carros, camiões, auto e ciclo-riquexós, bicicletas, vacas, vendedores ambulantes...), ruído, incerteza, desconforto... Tudo isto provoca algum stress – é realmente necessário ser muito “zen” ou ter bastante “estômago” para suportar algumas situações de maior confusão.




Trânsito em Delhi (da esquerda para a direita: ciclo-riquexó, carrinho de gelados, auto-riquexó, autocarro)



Há dias alguém me perguntou: “o que é mais terceiro mundo: Índia ou Brasil?”. Respondi “Índia” sem hesitar – não tem comparação...

Porque será assim? Uma matemática simples ajuda a entender a situação: a Índia é cerca de 2,5x menor que o Brasil em território, e 6x maior em população. Isso significa que a densidade populacional é 6 x 2.5 = 15 vezes maior! (É verdade que o Brasil é um país bastante despovoado – basta ver a Amazónia – mas a Índia também tem muitas áreas sem gente.) 15x mais pessoas implica, entre muitas outras coisas, 15x mais dejectos, mais lixo... Gera-se um ciclo vicioso em que o lixo é tanto e tão omnipresente que deitar um pouco mais para o chão ou para o rio não faz diferença. E é verdade que não é fácil encontrar caixotes de lixo na rua. Já me aconteceu várias vezes percorrer quilómetros com lixo no bolso até encontrar onde deitá-lo – passou-me pela cabeça deitá-lo no chão, mas não me pareceu que esse acto fosse deixar o mundo melhor...




Rio Yamuna, em Vrindavan (cidade santa, onde Krishna passou os primeiros anos de vida) – não muito longe daqui, as pessoas banham-se no rio, e banham as suas crianças, para purificação...



Já sabia que a Índia era assim e por isso mesmo é que vim. Porque sou masoquista e gosto de confusão? Porque sou sádico e gosto de ver miséria alheia? Nem uma coisa nem outra... É difícil de analisar e ainda mais de explicar... Viver continuamente em ambientes bonitinhos, de alto conforto material, por vezes faz-nos esquecer como é o mundo “lá fora”. Passar algum tempo na confusão ajuda a sair da matrix do nosso mundozinho controlado, egocêntrico ou até egoísta, ajuda a estimular os sentidos e a mente, a alertar-nos para o outro e, eventualmente, muda-nos o coração e molda a nossa vida. Ao colocar as coisas em perspectiva também passamos a valorizar muito mais o nosso habitual conforto material, sobre o qual tantas vezes reclamamos.

No mínimo, conhecer, entender e até ajudar a Índia é relevante por motivos estritamente egoístas: é improvável que num país as pessoas vivam em condições tão piores que noutros países, ou tão piores que outras pessoas no próprio país, sem que em algum momento haja algum tipo de revolução. O mesmo pensamento é relevante para a América Latina em geral. De um ponto de vista cínico (ou realista, para os mais cínicos), a distribuição de riqueza só é necessária exactamente na quantidade mínima que evita essa revolução, que mantém quem vive pior conformado com a sua situação.

Uma coisa é verdade: a Índia parece bem mais segura do que a América Latina, ou pelo menos do que as grandes cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro. Aqui parece improvável que me roubem o computador ao sair do escritório. Nunca ouvi falar de alguém ter sido assaltado à mão armada... Por alguma razão (cultural? religiosa?), a criminalidade é bem mais baixa na Índia.

É claro que há muita coisa bonita na Índia. Simplesmente não é fácil encontrar coisas bonitas longe de confusão.

A minha cidade indiana preferida até ao momento é Chandigarh, capital dos estados de Punjab e Haryana, uns 250 kms a norte de Delhi (cerca de cinco horas de comboio). A cidade não tem praticamente nenhum marco turístico que justifique a viagem (fui lá porque era um dos poucos destinos para onde havia bilhetes de comboio disponíveis em certo fim-de-semana). O que é especial em Chandigarh é que tem menos lixo, menos confusão que todos os outros lugares que já visitei, e tem muitos parques verdes e limpos (consegui completar um treino de corrida de mais de duas horas em que uns 2/3 foram sobre relva ou terra). Em 1947, quando a Índia ficou independente e o Paquistão se separou, Lahore, principal cidade Punjabi, ficou do lado muçulmano e o estado indiano de Punjab ficou sem capital. Nehru (primeiro primeiro-ministro da Índia) achou que era uma excelente oportunidade para construir uma cidade a partir do zero. A cidade foi planeada pelo famoso arquitecto Le Corbusier e construída entre os anos 50 e 60. Está dividida em sectores de 1200 x 800 metros, com avenidas espaçosas entre eles. Se procurarem no Google Earth ou em maps.google.com rapidamente entendem o plano da cidade.




Chandigarh (maps.google.com)



Em Agra, a umas quatro horas de comboio de Delhi, está o famosíssimo Taj Mahal. Ainda não o visitei desta vez – estou à espera de visitas que com certeza quererão ir lá.

Em Delhi encontrei, por exemplo, os jardins Lodhi. Extensos, verdes, bonitos, tranquilos, surpreendentemente limpos. Um dos poucos lugares onde dá para dormir uma sesta na relva sem ruído e sem preocupações higiénicas.



Jardins Lodhi, Nova Delhi

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