quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Comboios

A Índia tem uma impressionante rede ferroviária, para carga e passageiros, cobrindo um grande número de cidades em todo o país. Tenho usado o comboio para algumas viagens de fim-de-semana e recomendo fortemente – alguém que venha à Índia e não ande de comboio perde uma parte importante do país. A velocidade média é lenta – uns 40 km/h – tornando destinos longínquos impraticáveis quando o tempo não abunda. A pontualidade é variável: por vezes absolutamente britânica (no sentido figurado, já que não tenho os comboios britânicos em tão boa conta), outras vezes com atrasos significativos, chegando a 100% do tempo previsto de viagem. Mas o importante é que os comboios e as estações de comboio na Índia são um micro-mundo fascinante, que a velocidade caracolesca e os eventuais atrasos até permitem apreciar melhor.

Os comboios, dependendo da classe, estão mais ou menos cheios. Tenho viajado em 2ª classe, que tende a sobrelotar em alguns percursos. Os lugares são marcados, mas o cumprimento não é rigoroso, e por vezes não sobra um centímetro quadrado desocupado, com muitas pessoas viajando várias horas de pé (felizmente ainda não me calhou a mim). Em certos trechos a ocupação deve chegar a uns 150% dos lugares disponíveis – uma excelente utilização de capacidade! Mas não acredito que toda a gente tenha bilhete para aquela classe. Até porque nunca vi revisores de bilhetes na 2ª classe, portanto deve haver muitos abusadores sem bilhete ou com bilhete de classe inferior.

Mesmo em carruagens lotadas, vão passando vendedores de comida e bebida o tempo todo: amendoins, salgados, chamussas, chá, café, água, refrigerantes... Também há quem leve a sua comida, por vezes refeições completas, com caris bem gordurosos e pão (fico sempre a pensar como lavam as mãos...). Claro que alguns destes alimentos caem para o chão (as cascas de amendoim parecem sofrer uma força gravítica particularmente intensa...), tornando algumas carruagens bem sujas (mas devem ser lavadas diariamente, e/ou no inicio de cada viagem, porque até não costumam estar muito sujas).

Tenho comprado os bilhetes pela Internet, num site bastante sofisticado do ministério dos Transportes, que permite pesquisar e comprar bilhetes para todas as ligações e classes (exceto a 3ª, a mais baixa) e até permite pagar o bilhete diretamente a partir da minha conta bancária indiana, sem precisar de cartão de crédito. É impressionante como a maior parte dos comboios já não tem vagas poucos dias antes da viagem, em qualquer classe! Os meus destinos de fim-de-semana acabam por ser escolhidos em função dos lugares disponíveis.

Porque não está à venda online e porque parece ser confusão a mais, ainda não experimentei a 3ª classe – menos confortável, com bancos de madeira – e não sei se me animo a experimentar. Até Gandhi – o Mahatma – reclama da 3ª classe na sua autobiografia, dedicando ao assunto várias páginas. Num dos capítulos, chamado “Aflições dos passageiros de 3ª classe”, Gandhi comenta que facilmente encheria um livro com experiências em viagens de 3ª classe, e lamenta-se por ter deixado de viajar em 3ª classe por motivos de saúde. Suspeito que as condições não mudaram muito nos últimos 100 anos.




Estação de comboios, Mathura



As estações estão invariavelmente cheias de gente. Observam-se pessoas (muitas!) ocupadas nas mais diversas atividades do dia-a-dia: dormir (no chão), comer, tomar banho, defecar, trabalhar (engraxar sapatos, vender comida, jornais e revistas, ...). Muita gente nem sequer parece estar à espera de comboio: simplesmente "estão ali"? Vivem ali??

E, claro, também circulam as omnipresentes vacas, à caça de alimento nos caixotes de lixo. Só não consegui ainda encontrar vacas dentro dos comboios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário