domingo, 28 de agosto de 2011

Competição com compaixão



Campeonato do mundo de atletismo. Maratona feminina. A 15 minutos do final (4 kms e tal). Duas quenianas lideram (Kiplagat e Cherop), seguidas por uma terceira queniana (Jeptoo). A líder, Kiplagat, atravessa-se à frente de Cherop para apanhar uma garrafa de água no posto de abastecimento, e, por um ligeiro toque entre as duas, cai.

A reacção instintiva de Cherop, certamente não produto de uma ponderação racional naquela fracção de segundo, é parar e oferecer ajuda. E nos minutos seguintes, Cherop e Jeptoo, não atacam para dar tempo a Kiplagat de se recompor (e possivelmente porque não sobram muitas forças para um ataque). Pouco depois, Kiplagat ataca e acaba por ser a campeã do mundo, seguida de Jeptoo e depois Cherop.

Na conferência de imprensa, as três falam naturalmente do episódio, como amigas, sem qualquer sombra de dúvida sobre terem feito o que tinham de fazer. O que significa que certamente fizeram o que tinham de fazer.

Duvido que eu tivesse feito o mesmo. 2h13min de esforço pesado, a minutos de uma medalha, sonhando com o ouro... O meu amigo, favorito, tropeça em mim, arriscando deitar-me também ao chão, por se atravessar descuidadamente... Oportunidade para o ajudar, ou oportunidade para atacar e o deixar para trás?

Se racionalmente tenho dúvidas, suspeito que no calor do momento no mínimo continuaria inercialmente a correr ao mesmo ritmo.

Na minha visão competitiva do desporto, considerando fundamental cada atleta querer verdadeiramente vencer para que as competições façam sentido, não acho que Cherop e Jeptoo tivessem que ser tão solidárias, e até fico a pensar se não deveriam ser menos solidárias.

Mas não posso deixar de me interrogar. Há aqui uma mensagem, e parece uma mensagem bonita: de amizade, de solidariedade, de colaboração dentro da competição, gente (ao mais alto nível de um desporto super competitivo) que se importa, que não só não pensa em vencer a qualquer custo como tem uma noção de justiça competitiva com compaixão. Não sei qual é exactamente a mensagem, ou quais são as mensagens - para o atletismo, para outros desportos e para outras actividades humanas. Mas, já agora, vale a pena pensar nisto.

3 comentários:

  1. E se elas não fossem do mesmo país e amigas? Teria sido assim?

    ResponderExcluir
  2. e entao o triatlo nao tem mencao? e uma foto da grande performance?

    ResponderExcluir
  3. "Não sei qual é exactamente a mensagem, ou quais são as mensagens. Mas, já agora, vale a pena pensar nisto". Vale sim!

    Parece-me que beneficiar o valor da amizade/entre-ajuda - mesmo onde não é "suposto" - é a garantia de ganhar a maior competição de todas: a da dimensão humana!

    Outro belíssimo exemplo de alta competição "versus" dimensão humana é este: http://www.youtube.com/watch?v=33JzzLnuZ4E&list=PL41AEFD7ACC5FA526&index=48

    ABRAÇO!

    ResponderExcluir