segunda-feira, 29 de junho de 2009

As intocáveis

Estás a trabalhar há três anos seguidos sem um único dia de descanso: nem fim-de-semana, nem feriado, muito menos férias. O teu horário normal de trabalho vai das seis da manhã às onze da noite, por vezes estendido até de madrugada. Sem descansos. Estás longe de casa, da família (possivelmente incluindo cara-metade e filhos pequenos) e amigos. Nunca poderias suportar as despesas, mas, mesmo que pudesses, sabes que é ilegal trazeres a família para viver contigo. Como não tens tempo livre, não conheces aqui ninguém além dos teus empregadores. Dizem que é para teu bem, porque assim não corres o risco de “conhecer alguém” e sabe-se lá o que poderia acontecer – também é ilegal ter filhos aqui. Raramente sais à rua, mas quando sais reparas como as pessoas ou te ignoram, como se fosses transparente, invisível, inexistente, ou são agressivas, como se fosses um animal, um ser inferior. Não, não é escravidão: até recebes 150 Euros por mês. Mas só desde o sétimo mês, porque antes tiveste de pagar as despesas de formação e contratação. Nada de subsídio de férias (para quê? não há férias!), nem 13º mês, nem segurança social, nem pagamento de horas extraordinárias. És uma empregada doméstica imigrante em Singapura.


Sou um fã de Singapura, de como o país se organizou em 40 anos, da qualidade de vida de que praticamente todos os singapurenses usufruem, da ausência de miséria, da eficiência do Estado, do razoável civismo da população... Muito mais do que o défice democrático (que até entendo que tenha algumas implicações positivas, como permitir gerir o país sem as políticas populistas de curto-prazo com que os partidos dominantes noutros países tentam assegurar a permanência no poder), aquilo que mais me choca neste país é a existência de castas inferiores como os foreign workers que constroem o país e as empregadas domésticas estrangeiras que cuidam das casas e das crianças. Como pode isto acontecer num país em que a população vive tão bem, em que convivem pessoas de tantas etnias, culturas, religiões, com alguns preconceitos, é verdade, mas em geral com respeito, cordialidade, em paz e harmonia?


A “indústria” das domésticas

Em 1978 Singapura entreabriu as portas a empregadas domésticas estrangeiras, para facilitar a entrada das mulheres singapurenses no mercado de trabalho e garantir as obsessivas metas de crescimento económico. Hoje uma em cada seis famílias em Singapura tem uma empregada que vive em casa. São cerca de 180 mil (4% da população), a maioria filipinas e indonésias, algumas indianas, cingalesas, tailandesas e outras. Vêm atraídas pela possibilidade de ganharem salários de outra forma impensáveis, com sonhos de poupança para proporcionarem melhores vidas às suas famílias: uma casa, um terreno, um negócio... Ganham entre 100 e 150 Euros por mês (varia por origem: uns 100 Euros para as indianas, 150 para tailandesas e filipinas), mas nos primeiros meses o salário é descontado para pagar os custos das agências de recrutamento que as trouxeram para Singapura (na ordem dos 1.000 Euros).

Além das agências de recrutamento, também o Governo de Singapura faz dinheiro com as empregadas domésticas estrangeiras: os empregadores pagam uma taxa mensal de 130 Euros por cada empregada, totalizando uns 23 milhões de Euros por mês, ou 280 milhões de Euros por ano (cerca de 1% das receitas de Estado, não contribuindo para qualquer fundo de apoio às empregadas imigrantes). Tendo em conta que em Singapura não se paga IRS sobre os primeiros 10.000 Euros de rendimentos anuais, e que a taxa mais elevada de IRS é de 20% para rendimentos acima dos 160.000 Euros, é difícil compreender porque é que as domésticas estrangeiras pagam 50% ou mais. Segundo a explicação oficial, é um mecanismo para limitar a procura de mão de obra importada. Será que o super-eficiente Governo de Singapura nunca ouviu falar de ordenado mínimo? Permite o mesmo controlo dando a ganhar a quem realmente trabalha.

Até os Governos dos países de origem das domésticas têm interesses económicos nesta “indústria”. Além de cobrarem diversas taxas no processo de emigração, apreciam bastante as significativas remessas de dinheiro: os 2,5 milhões de domésticas indonésias no estrangeiro e 3 milhões de filipinas enviam valores na ordem de 1 a 2% do PIB de cada país. Por isso não é frequente ouvi-los defender os interesses das suas cidadãs. Uma excepção é a recente proibição indonésia de emigração de domésticas para a Malásia, como retaliação por maus tratos a uma empregada, reivindicando garantias de melhores condições (o Governo da Malásia entretanto anunciou revolucionárias mudanças nas leis laborais para tornar obrigatório um dia de descanso semanal para as domésticas estrangeiras – soa algo anacrónico, mas mais vale tarde do que nunca). Outra excepção foram os protestos em 1995 do então presidente das Filipinas, Fidel Ramos, quando Flor Contemplacion, uma doméstica filipina, foi condenada à morte e executada em Singapura, acusada de ter morto uma outra doméstica filipina e a criança de quem ela cuidava. Flor Contemplacion tornou-se símbolo do sofrimento das imigrantes filipinas pelo mundo, o dia da sua morte é lembrado anualmente e a sua história foi registada num filme.


Proibido engravidar

Além da taxa mensal, o Governo de Singapura exige que cada empregador faça um depósito de segurança de 2.500 Euros, oficialmente justificado como forma de garantir que o empregador repatria a empregada no final do contrato. Se a empregada desaparecer, o empregador perde o depósito. Isso serve de desculpa para muitas pessoas restringirem brutalmente a liberdade de movimentos das suas empregadas domésticas. Muitas praticamente nunca saem de casa. Estima-se que metade não tenha nunca um único dia livre. São comuns relatos de maltratos, verbais e físicos, incluindo casos de violação. Todos os anos há dezenas de histórias de mortes por quedas de apartamentos altos – suicídios ou talvez não.

O visto de empregada doméstica (é um visto específico!) não permite trazer familiares para Singapura, nem casar com um cidadão singapurense sem autorização prévia do Ministério do Trabalho, nem engravidar nem ter filhos aqui (elas têm de fazer exames médicos a cada seis meses para verificar que não sofrem de doenças infecciosas nem estão grávidas, sob pena de deportação). Também não permite realizar trabalhos que não sejam domésticos, muito menos abrir o próprio negócio. E obriga a habitar e trabalhar unicamente na morada do empregador.

Uma leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos permite identificar uma quantidade deprimente de direitos que não estão a ser respeitados neste opressivo regime.

Este tipo de tratamento não é exclusivo de Singapura. Ouvem-se história semelhantes de outros países no sudeste asiático e no Médio Oriente. Umas piores que outras. Em Hong Kong, para dar um exemplo menos mau, é impossível passear ao domingo sem encontrar multidões de mulheres sentadas nos parques da cidade, conversando, comendo, jogando às cartas. São as mais de 200 mil domésticas estrangeiras, gozando o seu dia de descanso semanal. Como vivem em casa dos patrões, restam os espaços públicos para se encontrarem. Privilegiadas, comparadas com colegas noutros países: além do domingo, têm salário mínimo acima dos 300 Euros por mês.

Hong Kong ao domingo


Activismo nascente

Nos últimos anos foram criadas em Singapura duas organizações orientadas para a defesa dos direitos deste tipo de emigrantes: a Humanitarian Organization for Migration Economics (H.O.M.E.) e a Transient Workers Count Too (TWC2). Em conjunto com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), lançaram no ano passado a campanha “Day Off” para sensibilizar a população para dar um dia livre por semana às domésticas. Pouco mais de 2.000 pessoas subscreveram a campanha – espero que mais por falta de visibilidade do que de identificação com a causa... mas infelizmente não estou muito certo disso.


Escravatura global

Será só “lá longe, na Ásia” que existe escravatura no século XXI? De forma mais óbvia ou mais subtil, podemos provavelmente encontrar exemplos de grupos de escravos e intocáveis em todas as sociedades. As tradicionais divisões socioeconómicas, a crescente especialização do trabalho e a lei amoral da oferta e da procura habituaram-nos à ideia de que é inevitável e normal (e portanto provavelmente bom, excepto quando somos nós os afectados) que uns façam trabalho mais interessante, mais agradável, mais limpo, talvez mais nobre, que outros. E que uns (muitas vezes os mesmos “uns” da frase anterior) sejam muito mais generosamente recompensados pelo seu trabalho que outros. Uns do lado certo, outros do lado errado da vida. Não ambiciono classificar umas tarefas ou profissões como absolutamente desejáveis e outras como absolutamente indesejáveis. Felizmente, cada indivíduo tem diferentes preferências e sente inclinação para aplicar o seu tempo e energia em diferentes actividades. (Confesso que tenho as minhas dúvidas de que haja indivíduos genuinamente motivados para todas as actividades... Será que não há algumas que cada um deveria fazer por si, para evitar sobrecarregar outras pessoas?) Mas parece-me absolutamente desejável que cada pessoa tenha o poder e a liberdade para escolher o rumo que quer dar à sua vida (em harmonia com a liberdade dos outros). E que essa liberdade não seja covardemente agredida por governos ou patrões autoritários, cegos, egoístas, sem escrúpulos. Não só por eles (sempre “eles”), mas também por mim próprio, em pensamentos, palavras, actos ou omissões.


Para saber mais:

sábado, 20 de junho de 2009

Sorrisos sem fronteiras


Não, não é mais uma bulicena sobre um suposto terrorista capturado em Singapura (pelo menos ainda não!).

Esta é mesmo a minha fotografia no passaporte. Reconheço que não é a minha fotografia mais simpática. Dois factores contribuem, na minha opinião, para a minha cara de poucos amigos, cada um com uma boa explicação:

A barba: O meu visual habitual não é perfeitamente barbeado, mas também não é muito barbudo (até porque mesmo que eu quisesse a minha barba nunca ficaria verdadeiramente taliban, por falta de qualificações genéticas). Não era minha intenção ficar com barba no passaporte. Eu levava uma fotografia mais “limpa” comigo... mas descobri que agora as fotografias para o passaporte são tiradas no momento de solicitar a emissão. Para não atrasar o processo e porque não costumo levar lâminas de barbear no bolso ficou mesmo assim.

O sorriso (a falta dele): Como se a barba não fosse suficiente, a senhora do Governo Civil de Lisboa deu-me uma instrução claríssima, com um certo tom autoritário: “Nada de sorrisos!” (Ela tinha visto a minha foto no BI e provavelmente tinha-se perguntado como teria sido possível alguém deixar passar uma foto tão escandalosamente alegre; admito que o sorriso está um bocado amarelo, mas foi o que se arranjou na altura e está bem melhor que o passaporte.)



Como já comentado, eu até sou contra a existência de fronteiras e, consequentemente, de passaportes. Acho que deveria haver livre circulação de pessoas pelo mundo inteiro. A egoísta e opressiva invenção de fronteiras rigidamente controladas é muito recente na história humana, e ainda mais na existência do planeta – tenho esperança de que acabem num dia não muito longínquo. Na minha euro-ignorância, a livre circulação de pessoas é provavelmente o que mais aprecio na União Europeia. Por enquanto exigem-me um passaporte para andar a circular pelo mundo e por isso o renovei.

Mas qual será a ideia de me impedirem de sorrir?? Eu gosto de sorrir e gosto de ver sorrir. Fiquei a sentir-me algo reprimido, um pouco como o protagonista da curta-metragem “Validation”. Quando passo nos postos de imigração, a não ser que venha doente ou muito cansado da viagem, é provável que sorria. Se ainda por cima for barbeado, como é que o agente de imigração vai acreditar que sou o dono deste passaporte? Nas últimas vezes que aterrei no aeroporto de Lisboa passei pelos novos controlos automatizados de imigração, em que um computador supostamente reconhece a minha cara comparando-a com a foto no passaporte e deixa-me entrar no país. Escusado será dizer que o computador nunca me reconheceu e foi sempre necessária intervenção humana (de algum agente da autoridade – um daqueles senhores que foram encarregues de manter as fronteiras controladas – invisível, sentado em frente a algum ecrã).

A fotografia do meu passaporte tem ao menos uma vantagem: faz-me sorrir quando olho para ela, ou quando tenho de explicar a alguém o meu ar assustador!

Em vez de proibirmos os sorrisos... será que não os deveríamos tornar obrigatórios? Não sorrir deveria ser até pecado!

Bons sorrisos!

domingo, 14 de junho de 2009

Como correr a primeira maratona

“Como é que se começa a correr maratonas?”, perguntou há tempos a minha mãe.

“É simples,” respondi, “basta começar a correr cada vez mais, até ser capaz de correr 42 km seguidos.”

É assim mesmo. Não há segredos. Não há substâncias (lícitas ou ilícitas) ou equipamentos milagrosos. “Basta” correr. Então, para quem está interessado em correr uma maratona ou outra distância mais louca ou menos louca: Força aí! Boas corridas! (Claro que não é para todos, e não ser corredor não faz de uma pessoa um ser humano inferior!)

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“Só isso? É mesmo só começar a correr? Mas quanto corro no primeiro treino?? E quanto aumento em cada treino? Um minuto? Ou um quilómetro? E quanto tempo demoro desde correr zero quilómetros até à minha primeira maratona??”

Hmmm... parece que a minha resposta não foi suficiente... Vamos lá a ver se consigo fazer melhor, com uma pequena introdução aos princípios básicos do treino, treinos de corrida, equipamento e formas de motivação.

Para quem não se sente minimamente atraído por correr, talvez possa encontrar aqui ajuda para praticar outros desportos. E quem não se interessa por desporto em geral (porquê??!?) talvez possa encontrar algumas ideias de como lidar com outros desafios na vida, que exijam preparação, motivação e disciplina. E quem não tem quaisquer desafios na vida... hmmm... talvez deva verificar o pulso – será que morreu sem dar por isso?


Princípios básicos do treino desportivo

Com estes ou outros nomes, há alguns princípios que servem de base ao treino desportivo e que tentarei definir aqui de forma mais ou menos livre (convido os especialistas a corrigirem ou completarem nos comentários).

Princípio da especificidade: Para o corpo melhorar a capacidade de realizar determinado tipo de esforço, precisa de realizar esse mesmo tipo de esforço. Implicação: Quem quer correr melhor deve treinar corrida (treinar natação, p.ex., poderia trazer alguns benefícios úteis mas não seria tão vantajoso).

Princípio da adaptação: A forma desportiva melhora quando o corpo, após ser submetido a um stress (uma carga de treino), se adapta, regressando a um estado de equilíbrio em que está mais habilitado a corresponder a novo stress do mesmo tipo. Implicações:

  • A melhoria de forma leva tempo – imediatamente depois de cada treino ficamos em pior forma, e não em melhor forma (é muito mais difícil correr 10 quilómetros logo após termos corrido 10 quilómetros do que depois de um dia de descanso), e as melhorias produzidas por cada treino são subtis
  • É necessário repousar entre treinos (para o corpo poder recuperar do stress a que foi submetido)
  • As cargas de treino devem ser incrementais, para o corpo continuar a ser submetido a stress (mantendo cargas sempre iguais, a certa altura o corpo não reconhece novo stress e portanto não se adapta e a forma não melhora).

Princípio da individualidade: Pessoas diferentes reagem de forma diferente aos mesmos estímulos. Implicação: Os programas de treino devem ser adaptados às necessidades e características de cada indivíduo.

Princípio da reversibilidade: As adaptações geradas pelo treino são geralmente (bastante) reversíveis. Implicação: Para se manter uma boa forma física é necessário manter a continuidade de treino.


Treinos de corrida

Os princípios do treino desportivo sugerem que um plano de treinos de corrida deve:

  • Especificidade: incluir esforços de corrida
  • Adaptação: não ser apressado, ser gradual, incluindo períodos de repouso
  • Individualidade: ser adaptado às capacidades actuais de cada atleta, e à evolução ao longo do tempo
  • Reversibilidade: ser contínuo e disciplinado, evitando longos períodos de repouso que impliquem uma perda significativa de forma

Correr é para mim? Não sei – tu é que sabes! E talvez o teu médico. Recomendo analisar previamente a adequação física e psicológica da corrida à situação de cada um.

Quanto corro no primeiro treino? Se actualmente não corres nada, experimenta começar a correr por exemplo 15 ou 20 minutos devagar (a velocidade não importa). Se for de mais, corre aquilo que for razoavelmente confortável (talvez apenas um minuto). Se não conseguires correr nem um minuto seguido, talvez a corrida não seja o desporto mais apropriado para ti – vê lá isso bem.

E quanto aumento em cada treino? Aumentar o volume de treino (tempo ou quilómetros) em não mais do que 10% por semana costuma funcionar bem, permitindo que o corpo se adapte às crescentes cargas de treino e prevenindo lesões. Por exemplo, se esta semana correste um total de 60 minutos, na próxima semana não deverias correr mais do que 66 minutos.

E quanto tempo até à minha primeira maratona? Depende muito da situação actual e das aptidões naturais de cada um. Se actualmente não corres nada, eu sugeriria o objectivo de correr uma prova de 10 km no fim do primeiro ano de treinos, uma meia-maratona no fim do segundo ano e uma maratona no fim do terceiro. Se já corres mas nunca correste uma meia-maratona, sugiro ambicionar correr uma no final do primeiro ano. Se já correste meias-maratonas, talvez estejas pronto para tentar o desafio dos 42 km!

Como faço para definir um plano de treinos? Podes pensar juntar-te a um clube ou grupo de treinos ou contratar um treinador – além de ajudarem a definir o plano de treinos, contribuirão com motivação e disciplina (ver abaixo). Também podes tentar definir o teu próprio plano de treinos, já que corrida não é propriamente ciência de foguetões. Podes encontrar ajuda entre amigos entendidos no assunto, na Internet, revistas ou livros especializados, ou no AUTO-TREINADOR®.


AUTO-TREINADOR®

As bulicenas, em mais um generoso serviço à humanidade, colocam ao dispor de todos os corredores e candidatos a corredores o AUTO-TREINADOR® – uma ferramenta que permite a qualquer pessoa definir o seu plano de treinos para uma corrida de 5, 10, 21 ou 42 km, bastando introduzir algumas informações básicas.

AUTO-TREINADOR®

Espero que o AUTO-TREINADOR seja fácil de entender. Os números na tabela são minutos de corrida a fazer em cada dia da semana. À direita do plano de treinos existe uma tabela para ir preenchendo com os treinos efectivamente realizados, para acompanhar a execução do plano. Também sugiro registar semanalmente o peso e a frequência cardíaca – dois indicadores que deverão melhorar (diminuir) um pouco ao longo do tempo (a não ser que sejas já super atleta).

Os planos gerados são bastante simples. Os princípios básicos são:

  • Começa da base actual (“corrida mais longa da semana neste momento”)
  • Quatro treinos por semana, incluindo um treino longo ao domingo (fica à vontade para alterar o número de treinos – sugiro algo entre 3 e 6 por semana, dependendo da frequência actual e das ambições e disponibilidade – ou mudar os dias da semana, mas recomendo vivamente cumprir o treino longo, o principal para tentar superar o objectivo final)
  • Os minutos por corrida vão aumentando gradualmente ao longo das semanas até ao objectivo proposto
  • Uma semana mais leve a cada quatro semanas, para descanso/recuperação

O AUTO-TREINADOR não funciona bem para objectivos muito agressivos, como querer correr uma maratona dentro de um mês quando a corrida mais longa actual é de 30 minutos, e não permite planear preparação para objectivos dentro de mais de seis meses.

Esperando contribuir para a credibilidade da ferramenta: eu próprio uso o AUTO-TREINADOR para desenhar o esqueleto dos meus planos de treinos, que depois optimizo e complemento manualmente. Se decidires utilizá-lo, não hesites em solicitar consultoria desportiva personalizada.


Equipamento

Como vários atletas demonstraram ao longo dos anos (p.ex., Abebe Bikila, vencedor descalço da maratona nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960 – e de novo vencedor em Tóquio'1964, desta vez calçado), não há nenhuma peça de equipamento que seja estritamente necessária para praticar corrida!


foto encontrada aqui



Quem ao pensar em treinar corrida começa logo a pensar na lista de compras – ténis de corrida, meias de corrida, calções de corrida, t-shirt de corrida de tecido sintético com respiração, boné, óculos escuros desportivos, relógio cronómetro com 100 laps, frequencímetro cardíaco, iPod, garrafinha de água, bebida isotónica, barra energética, gel energético, … – é porque sofreu uma terrível lavagem cerebral por parte das marcas que vendem esses produtos (compreensível, dados os valores astronómicos gastos em publicidade, patrocínios, eventos, etc., para tornar a posse desses produtos uma ambição, uma necessidade, ou mesmo algo essencial à felicidade humana).

O único equipamento que nunca dispensei nos meus treinos (que não quer dizer que seja absolutamente indispensável, como já comentado) foram os ténis de corrida (bom, excepto em alguma corrida na praia). Talvez tenha sofrido a tal lavagem ao cérebro, mas estou convencido de que ténis de corrida são importantes para manter os meus tendões e articulações saudáveis, absorvendo o impacto de cada passada (há quem advogue - p.ex., aqui e aqui - que correr descalço é melhor, mas depois de 33 anos calçado custa-me ponderar essa possibilidade). Quem não faz ideia do que é exactamente um ténis de corrida pode ir a qualquer loja de produtos desportivos e procurar na secção “Corrida” ou perguntar a um dos funcionários da loja. Nos últimos 10+ anos tenho mantido 10 contos (50 Euros) como o meu limite para comprar um novo par de ténis de corrida e tenho conseguido manter-me dentro desse orçamento quase sempre (interessante caso de ausência de inflação, ou de eu reduzir cada vez mais a qualidade – real ou “fabricada” – dos ténis que compro??). Costumo usar ténis Asics, já usei com boas experiências adidas e Reebok, e com más experiências Nike. Nunca experimentei outras marcas bastante usadas por corredores, como Mizuno ou New Balance. (Agradeço comentários se alguém tiver alguma razão a favor ou contra estas marcas – p.ex., escravatura de mão de obra asiática...)

Além dos ténis, costumo correr com relógio (e alguma roupa, é verdade). Quando corro sem relógio acabo por pensar sempre que corri mais do que realmente corri, por isso o relógio é para mim uma importante ferramenta disciplinadora. Uso um relógio cronómetro que permite registar vários tempos (para quando faço treinos de repetições ou para registar ritmos em prova), mas qualquer relógio que marque os minutos serve para disciplinar treinos de corrida contínua. Não é necessário comprar um relógio para começar a correr!

Não uso frequencímetro cardíaco. Conheço várias pessoas que começam a correr e compram logo um aparelho desses. Pior, conheço várias que compram um aparelho desses pensando que é por isso que começarão a correr. Admito que possa ser uma ferramenta útil para treinar de forma um pouco mais científica (procurando manter a pulsação em determinados ritmos que ajudem a melhor desenvolver a forma física para esforços específicos), mas isso é aproveitado provavelmente por menos de 1% dos corredores. Eu não sou um deles, e diria que há uma probabilidade superior a 99% de tu não seres também :)


Motivação e disciplina

Motivação e disciplina - muito mais importantes que o equipamento, e geralmente bem mais difíceis de arranjar. Algumas dicas que costumam funcionar (a maioria por experiência própria):

Objectivos claros: Como em tudo na vida, quando não sei exactamente o que quero atingir (neste caso, talvez correr aquela prova de 5, 10, 21 ou 42 km) é bastante mais improvável que me aplique com determinação a preparar esse objectivo indefinido. Objectivos claros ajudam a acordar de manhã sem questionar aquilo que tenho de fazer, faça sol, chuva ou temporal. Se já estiver inscrito no desafio que quero enfrentar (quanto é um evento organizado) os objectivos estão bem mais claros e o compromisso é bem maior do que se estiver à espera de confirmar que vou mesmo querer participar.

Plano de treinos: Posso ter um objectivo, mas se não tenho um plano concreto para o atingir, é pouco provável que me prepare adequadamente. A existência de um plano de treinos que me diz o que devo correr em cada dia ajuda-me a verificar que vou no bom caminho em direcção ao sucesso, ou a causar problemas de consciência e corrigir a minha trajectória quando não o cumpro. Para mim, o cumprimento semanal do treino costuma ser suficiente – não me preocupa falhar pontualmente um treino ou mudá-lo de dia.

Caderno de treinos: Não basta ter um plano - há que cumpri-lo! Um caderno de treinos (ou folha de treinos, em papel ou no computador), onde registo quanto treinei realmente em cada dia, ajuda-me a verificar o cumprimento (gerando satisfação) ou as baldas ao plano (gerando alarmes, se tivermos escrúpulos). Para os mais fanáticos dos números e análises (como eu), um caderno de treinos proporciona um manancial de dados (especialmente se além de quanto treinámos registarmos como treinámos, como nos sentimos, pulsações, etc.) para nos motivarmos com os nossos feitos ("2000 kms corridos num ano!!") ou para analisarmos como a preparação impactou a forma física, e melhor prepararmos o próximo plano de treinos.

Divulgação pública: Anunciar aos amigos, família, colegas, que decidi aceitar um novo desafio desportivo ajuda muito a comprometer-me com a preparação, para evitar a “vergonha” de afinal não participar ou de ter um resultado péssimo. Passo a contar com essas pessoas para me “cobrarem” o cumprimento do prometido, perguntando como vão os treinos, propondo-se a virem dar apoio no dia da prova, etc.

Grupo de treino: Acordar de manhã cedo para ir correr não costuma ser fácil, mesmo para o atleta mais determinado. Ter o compromisso de encontrar um ou mais companheiros de treino às 7 da manhã para correr costuma ajudar a manter a disciplina e motivação para saltar da cama com garra, sem pensar duas vezes - “vamos lá!” Além de ajudar a começar o treino, os companheiros de treino também ajudam a cumpri-lo na integridade e muitas vezes a cumpri-lo com níveis de esforço físico superiores, mas com percepção de esforço inferior.

Treinador: Além de ajudar a definir mais cientificamente o plano de treinos e analisar a progressão, um treinador de corrida ajuda a manter a disciplina, por querer evitar a “vergonha” de não cumprir o plano, por não querer faltar aos treinos combinados, ou, para os mais materialistas, por não querer desperdiçar o investimento no treinador ou clube. O personal trainer é um caso extremo de treinador dedicado a um indivíduo, nos casos mais competentes activo motivador e disciplinador – boa opção para os mais preguiçosos ou indisciplinados que possam pagar.

Aproveitamento do tempo: Muitas pessoas pensam ao ver um plano de treinos que inclui várias horas de corrida por semana “e onde é que tenho tempo para isso??”. Quem quer, arranja tempo para tudo. No caso da corrida, pode ajudar encontrar sinergias com outras actividades que se possam fazer ao mesmo tempo: meditar, pensar na vida, tomar decisões, ler ou estudar (há quem ouça gravações de livros, ou corra na passadeira com revistas ou livros à frente), escrever (o livro “Ultramarathon Man”, mencionado abaixo, foi “escrito” enquanto o autor corria, falando para um gravador), ouvir música (que pode ser também um factor energizante), deslocar-se (eu em tempos corria do trabalho para casa, trocando uma hora de transportes públicos por uma hora de corrida; muitas vezes corro até um lugar onde tenho de ir, como os correios ou uma loja), etc., etc.

Descanso: Treinar de mais, ou dormir de menos porque precisamos daquelas horas para correr, pode levar ao esgotamento físico e/ou psicológico. É fundamental respeitar os períodos de descanso e dormir adequadamente para manter bons níveis de energia física e psíquica e garantir a motivação para irmos à luta e superarmos os nossos desafios.

Variedade: Até um corridólico como eu reconhece que horas e horas a correr se podem tornar bastante monótonas e aborrecidas. Variedade ajuda a reduzir ou eliminar essa percepção: variando locais, percursos, paisagens, companheiros, tipos de terreno, ritmos de corrida, distância ou tempo corrido, horários e tempo atmosférico (dia, tarde, noite, sol, chuva, neve, tempestade, …), participando em provas como parte da preparação (automaticamente correndo com milhares de companheiros e tendo o apoio de milhares ou milhões de espectadores, mais a motivação de correr mais oficialmente “contra o relógio”).

(Mais ideias são muito bem-vindas nos comentários!)


Para saber mais

(Atenção: Tal como o princípio da especificidade sugere, ler sobre como correr maratonas não ajuda a conseguir corrê-las! Que eu saiba, ainda ninguém descobriu um truque para correr uma maratona sem ter de correr!)

A Internet está cheia de recursos onde se pode aprender mais sobre corrida. Não tenho sites favoritos, por isso sugiro o Google, perguntando, por exemplo, “como correr a primeira maratona” ou, talvez melhor, “how to run my first marathon”.

Também há muitos livros sobre o assunto. Não recomendo nenhum livro de treinos em particular, mas li recentemente dois livros que podem ajudar como inspiração, e o terceiro não li mas pode ser interessante para quem considerar a opção de correr descalço:


Suspeito que a minha mãe, tal como a maioria dos leitores, nunca irá correr uma maratona. Parece-me uma opção muito razoável (sinceramente tenho as minhas dúvidas de que uma maratona seja fisicamente saudável, mas sinto que, somados todos os efeitos, me faz bem). Espero que algumas destas ideias sejam úteis para quem quiser correr, fazer outros desportos, ou enfrentar outros desafios na corrida da vida.

Força aí! Bons treinos!


Nota: As bulicenas recomendam a consulta de um médico previamente ao início de uma actividade física mais intensa e recusam qualquer responsabilidade por efeitos negativos eventualmente imputados a actividades inspiradas por este ou outros textos. Por outro lado, com todo o gosto aceitaremos total responsabilidade pelos efeitos positivos!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Sorri de novo!!!

Suspeito que a fonte do conselho sobre sorrir que não consegui recordar na bulicena "Sorri!!!" foi uma newsletter deste site, onde, no meio de um estranho negócio de venda de estranhos produtos, se encontram bons pensamentos sobre felicidade.

Foi lá que encontrei o link para esta curta-metragem que não consegui parar de ver até ao fim e contribuiu para começar o dia com altíssimo astral.



E para tranquilizar leitores chocados com o sorriso da anterior bulicena, aqui fica uma foto que demonstra o meu sério profissionalismo na vida de consultor.



De volta ao trabalho em San Salvador, após 2º lugar na corrida comemorativa do XXVI aniversário da Polícia Nacional da Nicarágua, em Granada (22/Ago/2005)


Sorri!! e a vida sorrirá de volta!