segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Puquê??

No ano passado fui uns dias até Phuket - famosa ilha tailandesa, supostamente um paraíso de praias imaculadamente brancas, águas quentes, mar azul transparente. E talvez seja assim na época alta. Mas estávamos em época de monções: dias a tender para o triste, chuvas intermitentes, ventos fortes, praias desertas. E sem turistas ninguém se dava ao trabalho de limpar a areia do lixo orgânico e sintético trazido pelas marés vivas. Além dos cocos, troncos e ramos de árvores, conchas e outros restos de origem não humana, o areal da praia de Karon encontrava-se generosamente adornado por (em ordem de maior a menor frequência) palhinhas, tampas de garrafas, garrafas de plástico, garrafas de vidro, embalagens e sacos de plástico, escovas de dentes, lâmpadas eléctricas, chinelos... Uma beleza!





Na mesma onda (não literalmente), bastantes quilómetros a leste de Phuket, flutuavam e flutuam cada vez mais restos plásticos não biodegradáveis: a maior lixeira do mundo.


Encontrado nos blogs do sempre pertinente Worldwatch Institute


(Faz lembrar aquela campanha dos free range studios contra os sacos de plástico.)

Mas tudo isto se passa lá longe na Ásia, ou nos Estados Unidos, ou no meio do Pacífico (nem sequer é no Atlântico!). Coisas dos consumistas e poluidores americanos e chineses. Por isso nao é nada com os europeus, certo?

É com certeza comigo. Fico horrorizado com a quantidade de lixo que produzo. Certamente posso esforçar-me mais por reduzi-lo. Habituei-me a dizer "Não preciso de saco, obrigado" quando compro alguma coisa. Tento ir ao supermercado sempre com uma mochila, para não trazer de lá mais embalagens (para além dos produtos excessivamente embalados que não consigo evitar comprar). Mas de vez em quando passo por lá sem mochila e trago mais uns sacos que vou acumulando sem lhes conseguir dar uso. Apesar da fantástica Singapura não parecer estar muito avançada em recolha selectiva de lixo (o que se reflecte nas reduzidas taxas de reciclagem de lixo tipicamente doméstico), consegui descobrir onde deixar o meu lixo separado em papel, plástico, latas e vidros. Assim ganhei maior consciência da brutal quantidade de papel e plástico que deito fora diariamente. É terrível. Onde vai parar tudo isto?? Parece que aqui em Singapura o lixo é incinerado e mandado para uma ilha-aterro. A propaganda oficial é tão potente, que só encontro referências bastante positivas sobre este sistema - será mesmo assim tão bom?

O lixo desaparece facilmente dos meus olhos... mas algo me diz que ele anda por aí, e que deve ser cada vez mais difícil escondê-lo. A habitual miopia adulta leva-nos a acreditar que sempre foi e tem de ser mesmo assim, que é inevitável, é a vida!

Talvez precisemos de voltar a ser crianças, como o Gui, irmãozinho da Mafalda, e voltar a fazer perguntas: Puquê?? Mas puquê?!?! Por que será que tivemos de criar esta sociedade brutalmente lixógena? Como podemos torná-la mais limpa? Ou acabar com ela? Ou sair dela?

sábado, 29 de agosto de 2009

Comer com as mãos

Comer com as mãos... O sonho de qualquer criança! Mas em tantas sociedades “civilizadas” desde tenra idade nos ensinam que comer com as mãos “é feio”, “não se usa”, “não fica bem”... E só raramente nos concedem uma excepção: um pique-nique... aquela pizza ou batatas fritas em ambiente informal...

Não me esqueço, na minha primeira viagem à Índia há 5 anos, quando fiquei em casa dos pais de um amigo em Pune. Às refeições a mesa estava posta de forma bastante internacional, com pratos e talheres. O meu amigo e a mãe comiam com talheres, tal como eu e o amigo japonês com quem viajava. Mas o pai comia com as mãos. E eu não me cansava de olhar para ele e admirar a limpeza com que o fazia. Era claramente o mais “educado” àquela mesa. Conseguia agrupar pequenas quantidades de arroz misturado com os legumes e variados caris das deliciosas refeições vegetarianas, com uma técnica totalmente digital: usando apenas as pontas de três dedos da mão direita – polegar, indicador e médio. Com uma serenidade gandhiana, aproximava a comida à boca, fazendo uma colher com as pontas do indicador e do médio. O polegar empurrava com maestria a comida da colher digital para a boca, sem qualquer percalço, sem qualquer sujidade observável a olho nu, quer nos dedos quer à volta da boca. Uma limpeza!

Durante os dias naquela casa não ousei experimentar comer com as mãos, consciente de que estava a anos-luz da “civilização” do senhor e de que poderia chocar a família com os meus modos totalmente bárbaros. Mas no resto da viagem pela Índia, o amigo japonês e eu aproveitámos todas as oportunidades para praticar aquele modo alternativo de comer. Pelo menos da minha parte, acho que era um misto de querer viver uma outra cultura de forma mais completa com a rebeldia adolescente de cortar com os condicionalismos irracionais da minha educação.

Modéstia à parte, penso que desenvolvi uma técnica razoável de comer com as mãos (mas não imaculada, e é verdade que os meus dedos ficam bastante tempo a cheirar a caril), inclusive gabada por um dos chefes do escritório onde trabalhei na Índia no ano passado, que um dia ao ver-me almoçar disse “Já comes como um indiano!” (para os leitores mais cépticos ou preconceituosos: era um elogio!).

Em Singapura, passo de vez em quando pela Little India onde me permitem praticar sem olhares estranhos a deliciosa arte de comer com as mãos. Mas tenho de admitir que continuo a anos-luz do pai do meu amigo de Pune.


sábado, 22 de agosto de 2009

Controlo calórico

Mantinha há bastante tempo o projecto de criar um programa ou tabela em Excel para registo de alimentos ingeridos, permitindo calcular o total de calorias, quantidade de gordura, proteínas, hidratos de carbono, vitaminas, minerais, colesterol, etc. etc. A ideia seria também registar as calorias dispendidas em diferentes actividades físicas, não por preocupações de peso (que não tenho) mas por curiosidade em entender o meu balanço calórico (e analisar até que ponto eu como quando e quanto preciso ou simplesmente por hábito).

O projecto tem sido adiado, especialmente porque daria bastante trabalho obter ou criar uma tabela de composição de alimentos que servisse de base ao programa. Suspeitava que, como tudo na vida, alguém já teria criado algo semelhante... e claro que assim é: o FitDay é exactamente aquilo que eu tinha imaginado (ou, haja modéstia, provavelmente muito melhor)!


Permite, entre outras coisas:
. registar os alimentos ingeridos diariamente, seleccionando de uma base de dados razoável (infelizmente é preciso saber os nomes em inglês, nem sempre fácil) ou criando novos alimentos
. registar as actividades físicas realizadas e calcular as calorias dispendidas num dia, somando o consumo em actividades mais intensivas a uma estimativa de consumo basal
. definir metas de peso e acompanhar progresso ao longo do tempo

Requer um certo investimento inicial a seleccionar os nossos alimentos habituais, mas pode valer bem a pena para quem por diversas razões precisar de analisar os seus hábitos alimentares e de actividades físicas e criar algum tipo de disciplina (p.ex., aumentar ou baixar peso, reduzir a ingestão de gorduras ou colesterol, etc.).

Comam bem e gastem bem essas calorias!

domingo, 9 de agosto de 2009

Singapura: saudáveis 44!

Feliz aniversário, Singapura!

Singapura fez hoje 44 anos e continua a desenvolver-se forte e saudável! Provavelmente contra todos os prognósticos de quem viu esta pequena ilha (700 km2) tornar-se um país independente em 1965, como sugere o livro (que ainda tenho de ler) do primeiro primeiro-ministro Lee Kuan Yew (o "pai da nação"), Singapura passou em apenas uma geração do terceiro ao primeiro mundo. Provavelmente devido à minha miopia de só conseguir ver o mundo como ele é hoje, não conheço história semelhante em qualquer outro ponto do mundo ou do tempo.

Hoje em dia toda a gente em Singapura parece ter acesso a comida barata, casa, cuidados de saúde, instalações culturais e desportivas (espectaculares centros comunitários e complexos desportivos espalhados pela ilha), emprego (a taxa de desemprego explodiu dos habituais 2% para 3.3% devido à crise), segurança, paz. Tudo isto com impostos em geral baixos (mas ainda assim o povo reclama, claro), altos quando deve ser (automóveis, tabaco, álcool). Há certamente muita coisa a melhorar, nomeadamente o défice democrático (o People's Action Party tem dominado a história política do país, o que leva a receber com algum cinismo a menção sobre democracia no "compromisso nacional" abaixo) e o tratamento desumano dado a trabalhadores estrangeiros (como as empregadas domésticas).

Poderia ser ainda melhor (p.ex., anacionalista, para incluir também quem não é cidadão de Singapura), mas identifico-me bastante com o compromisso nacional de Singapura [como é que se traduz "pledge"?]:

"We, the citizens of Singapore
pledge ourselves as one united people,
regardless of race, language or religion,
to build a democratic society,
based on justice and equality,
so as to achieve happiness, prosperity and
progress for our nation."

Todos os anos o Dia Nacional é celebrado com uma parada monumental, digna da abertura de uns Jogos Olímpicos. Ainda não foi desta que assisti às cerimónias, mas foi inevitável ver parte dos ensaios nas semanas antecedentes, helicópteros e aviões militares a circularem activamente em volta da ilha. Aqui fica um vídeo com a canção oficial deste ano:





Muitos estrangeiros (e até alguns singapurenses) surpreendem-se quando digo que sou fã de Singapura: "O quê? Mas isto é tão 'sem sal'... uma Ásia sem sabor a Ásia... tão aborrecido..." Podem ter alguma razão (toda esta ordem pode por vezes sentir-se algo monótona), mas aqui há bastante sabor a Ásia e a tantos lugares e culturas. A não ser que se passe o tempo todo de restaurante em restaurante, de bar em bar, de shopping em shopping, de ar condicionado em ar condicionado. Há pedaços de Índia, de China, de Malásia, de "Ocidente". Comida de todo o lado - só pensando num foodcourt aqui perto: malaia, chinesa, indonésia, tailandesa, indiana, japonesa, coreana, "ocidental"... mais barata do que em casa. Pedaços de hinduísmo, islamismo, budismo, judaísmo, cristianismo de todas as cores, templos sortidos uns ao lado dos outros. Gente de todos os tons, tamanhos e feitios. Um arco-íris de humanidade. (Não admira que as canções oficiais do Dia Nacional tenham títulos como "We Are Singapore", "One People, One Nation, One Singapore", "Together", "One United People" - um pouco de propaganda pode ajudar a criar um espírito de unidade, de nação.)

Majulah Singapura!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Espirros, tosse, arrotos e peidos

[Alguns leitores já estão talvez a entrar nesta bulicena com um pé atrás: “Que mau gosto escrever sobre estes assuntos! De que é que este tipo se lembrou desta vez??” Como sempre, quem não quiser ler - e for minimamente racional - não lerá!]

É curioso como quando alguém espirra é esperado, em muitas culturas, que as pessoas em volta lhe dêem uma palavra de apoio, desejando por exemplo saúde, longa vida ou bênçãos (p.ex., “saúde” ou “santinho” em português, “jesús” em espanhol, “bless you” em inglês). Por outro lado, quando alguém tosse não é esperado que se diga nada (ou talvez a mãe ou a avó mostre preocupação pela nossa saúde). Após um par de décadas de condicionamento, decidi há algum tempo deixar de dizer “santinho” ou “saúde”, para acabar com esta irracional discriminação (também poderia ter optado por desejar “saúde” em ambos os casos, mas então também deveria fazê-lo quando visse alguém coxear, ou com uma dor de cabeça ou algum outro incómodo – prefiro não ser tão consciente dos problemas alheios, não só para ter capacidade de me manter atento a outras coisas como para não ofender ninguém por desejar ou deixar de desejar “saúde”).

O arroto é considerado indelicado na maioria das sociedades que conheço. Consta que é uma forma de mostrar apreço pela comida em várias culturas asiáticas e africanas, mas sinceramente não recordo nenhum país em que tenha notado intenso recurso ao arroto nesse sentido (como admitido em outras ocasiões, é verdade que sou bastante distraído) . Fui educado para evitar arrotos espontâneos e nem sequer imaginar a possibilidade de ponderar a ideia de talvez, quem sabe, eventualmente, cometer a atrocidade de provocar um arroto (excepto em algum momento da minha infância em que estava com dores de barriga e a minha mãe generosamente me ensinou a provocar arrotos).

Há dias estava na silenciosa biblioteca do INSEAD, reputada instituição de ensino internacional, frequentada por jovens formados nas mais conceituadas universidades de todo o mundo, quando de repente se ouve um sonoro peido. As quatro pessoas ali perto olham para a quinta pessoa (não, não era eu – os meus condicionamentos não me permitem ser tão espalhafatoso), de onde tinha vindo o som e, quando parecia ter sido garantida audiência, ouve-se um novo sonoro e longo peido. Quatro pessoas reprimiram gargalhadas, a quinta continuou à procura dos seus livros, e a biblioteca voltou ao silêncio.

O espirro provoca tipicamente palavras positivas, de consideração, de apoio. Tosse, quando não ignorada, gera preocupação pela saúde de quem tosse. Arrotos e peidos costumam ser mal vistos, actos de manifesta falta de educação. Por quê esta discriminação entre diferentes fenómenos corporais? São fenómenos de diferente natureza mas com bastantes semelhanças. Todos implicam emissão de sons e expulsão de gases: ar com mais dióxido de carbono que o normal nos três primeiros, metano no último. A mistura dos peidos é geralmente mais fétida. Espirros e tosse (curiosamente os menos mal vistos) costumam expelir secreções potencialmente transmissoras de doenças. O metano, sendo altamente inflamável e causa de efeito estufa, poderia justificar a discriminação contra o peido por razões de segurança e/ou ambientais. Mas será que o espirro e a tosse não deveriam ser muito mais regulados, por questões de saúde pública (especialmente em épocas de pandemias de gripes asiáticas, aviárias, suínas, etc.)?

Como em muitas outros aspectos da vida, podemos escolher ver estes fenómenos corporais de forma positiva, negativa ou neutra. Não sou fã de maus cheiros alheios, mas parece-me justo que quem está com gases alivie o seu mal-estar (idealmente de forma discreta e sem incomodar o próximo, mas nem sempre isso é possível) e acho arrotos e peidos fenómenos bastante mais higiénicos e até divertidos do que espirros e tosse.

Por exemplo, diverti-me bastante com este vídeo do “Homem Peido” (apesar de provavelmente fraudulento, tendo em conta que o metano dos peidos é inflamável).

Melhores ainda sãos os dois vídeos seguintes, divertidos e educativos:



(ver também os restantes filmes em The Animals Save the Planet)


Mensagem: Comamos menos (ou nenhuma) carne, para diminuir a procura por vacas, e portanto o número de vacas no planeta, e consequentemente os peidos das vacas, o metano emitido e o efeito estufa provocado (extrapolando, comamos menos feijão e outros alimentos flatulentos, para reduzir as nossas próprias emissões de metano).



fonte: coughsafe


Mensagem: O hábito “educado” de pôr a mão à frente da boca ao tossir ou espirrar não é muito higiénico. Muito melhor seria se passássemos todos a tossir e espirrar para as mangas.


Engraçado como funcionam as convenções sociais, determinando de forma tirana e irracional (mas tantas vezes incontestada) o que é "de bom tom", de bom gosto, aceitável... Quem me dera que fumar estivesse classificado pelo menos a par do coitado do peido. A pressão sobre os fumadores tem aumentado significativamente ao longo dos anos (quem diria que o pesadelo de fazer 12 horas num avião com fumadores em volta nunca mais se repetiria?), mas é ainda insuficiente para eu ter pena deles. Estamos longe de se olhar para um fumador com o mesmo ar de censura com que se olha para alguém que sorve ruidosamente a sopa ou acaba de soltar um sonoro arroto ou peido.