sábado, 4 de abril de 2009

Shivabalayogi

Deambulando pela Little India singapurense (na rua Syed Alwi, mesmo em frente ao famoso Mustafa Center), um cartaz chamou por mim: “FREE MEDITATION CLASS”. Apesar do meu forretismo, mais do que o “FREE” foi o “MEDITATION” que me chamou a atenção. Convite irrecusável: óptima oportunidade para me tentar redisciplinar nesta prática que me parece tão valiosa. E o cartaz ainda prometia comida vegetariana grátis depois da meditação!

Entrei no templo, de certa aparência hindu, onde o ar condicionado poderia estar mais fraco e meia dúzia de pessoas estavam já sentadas em posição de meio lótus, de olhos fechados, aparentemente concentradas. Nas paredes, coloridos cartazes de gurus indianos. Indicaram-me onde sentar e prontamente o Chandra veio orientar-me. Perguntou se era a primeira vez ali – “Sim” – e se já tinha meditado alguma vez – “Fiz um curso de meditação Vipassana”. “Então isto é parecido: vais fechar os olhos e concentrar-te no ponto entre os olhos [o terceiro olho], durante um bocado, até eu te dizer. Vais receber energia e bênçãos de Shivabalayogi” (o guru cuja foto se destacava numa espécie de altar ao fundo da sala, onde costumam estar as figuras divinas das religiões iconófilas). Enquanto me dizia isto, aplicou-me entre os olhos um giz cinzento claro (vibhuti – cinza benta, possivelmente bosta de vaca queimada) e, enquanto pressionava, baixou a cabeça na minha direcção para me transmitir “energia”. Não sei se senti algo especial nesse preciso momento, mas gostei das boas energias que a serenidade e o sorriso sincero do Chandra transmitiram.



foto: www.shiva.org



Durante uma hora tentei domar a mente indomável e concentrar-me no ponto sugerido. Mantive uma posição bastante estática, só mexendo a perna esquerda quando a circulação começou a falhar. O silêncio razoável na sala (apesar do ruído lá fora) e a sensação provocada pela cinza (não, não notei nenhum cheiro) ajudavam, mas a concentração não foi excelente. Fui despertado do meu estado ilumin... aaaam...devaneador, pelo “Oooommm” do Chandra. Ele estava surpreendido com o meu aparente sucesso na meditação e perguntou se praticava habitualmente. Expliquei que não era muito disciplinado e que não tinha estado assim tão concentrado na última hora. Ele motivou-me para a prática regular, de uma hora por dia, que me aproximaria do divino e traria graças, e deu-me um pedaço de vibhuti. Disse também que por vezes havia quem tivesse visões (darshan) de Shivabalayogi durante a meditação. Com o seu sorriso sereno e pleno de amor universal, explicou que a seguir iriam cantar (bhajans – cânticos espirituais) e que mais tarde serviriam comida, e convidou-me, sem qualquer insistência, nem o mais infinitésimo tom de chantagem, a ficar. Tive o reflexo de olhar para o relógio mas imediatamente concluí que não tinha planos alternativos e que algo me dizia que deveria estar aberto e aceitar o convite (talvez o facto de o guru ter nascido no mesmo dia que eu, exactamente 41 anos mais cedo, tenha algo a ver?). O Chandra pareceu surpreendido e muito feliz. Explicou que Shivabalayogi não fazia discursos, simplesmente incentivava a prática da meditação para seguir o caminho da verdade, e que não defendia nenhuma religião especificamente nem pedia que ninguém alterasse o seu caminho espiritual: hindus, cristãos, muçulmanos... Ecumenismo no seu melhor. Deduzindo as minhas referências, disse que poderiam cantar a Cristo em inglês.

Seguiu-se uma hora e meia de cânticos (suspeito que em telugu, língua do sul da Índia). Como nos deram fotocópias dos cânticos, as letras eram bastante repetitivas e as palavras bastante pronunciáveis, até dava para acompanhar facilmente. O Chandra de vez em quando vinha explicar alguma coisa: que os cânticos eram sobre o guru, que eram geradores de energia (não senti nada de especial), que no final o pessoal poderia ficar um pouco mais entusiasmado e parecer algo marado, mas que só significava mais energia na sala (não vi nada muito louco). Como prometido, pelo meio pediu para cantarem a Cristo em inglês (algo do tipo, “Please come, Lord”).

Eu tinha almoçado um pesado thali e tinha pensado não jantar, mas nessa altura estava a ficar com fome e a reconsiderar. Finalmente acabaram os cânticos: não estava a sentir a tal energia (mas também não sou o tipo mais sensível do mundo, como muitos leitores saberão) e sentia, mundanamente e sem vergonha, vontade de comer alguma coisa. Nem só de pão vive o homem, mas também!

Mas entre mim e a comida um preceito final: as pessoas colocaram-se em fila indiana (termo muito bem aplicado aqui, dado ser essa a etnia da maior parte dos presentes) e, um a um, foram “prestar respeito” ao guru. Parecia-me bem prestar respeito a um guru com uma mensagem tão incriticável de amor universal, mas sou bastante iconoclasta e dispensava o preceito em frente à fotografia. Convidado mas não pressionado, acabei por juntar-me ao fim da fila quando percebi que aquilo que me era indiferente era importante para o Chandra e colegas. Em frente à foto de Shivabalayogi desenhei três círculos com uma vela numa bandeja metálica e depositei uma flor num prato. Depois deram-me prashad (comida benta, parecia fruta cristalizada), que comi, e segui para a sala onde estava a ser servida comida mais substancial (talvez também prashad).

Foi provavelmente a melhor refeição dos últimos meses (peço desculpa a alguma cozinheira ofendida!). Comida indiana vegetariana, com especiarias mas muito pouco picante, permitindo saborear as nuances da incrível variedade de alimentos: arroz, massa, chapati, idli, dhal, vada, e várias outras coisas que não soube identificar, incluindo sobremesa e café com leite bem doce. Um tour completo pela cozinha do Sul da Índia. A única crítica é que me serviram demasiada comida (mas também era a única forma de ter a experiência gastronómica completa).

Estive um pouco na conversa com um jovem casal indiano, com quem pratiquei as minhas frases preferidas em hindi (“estou a aprender hindi” e “não compreendo“). O rapaz comentou que iam ali todos os sábados desde há dois meses e que durante a semana ele procurava meditar durante a deslocação para o trabalho, uns 40 minutos todas as manhãs. Explicaram-me que cada família trazia alguma coisa para o jantar, daí a enorme variedade, e aproveitei para agradecer os deliciosos pastéis de batata doce que a rapariga tinha contribuído.

Agradeci a hospitalidade às poucas pessoas que ainda estavam por ali (impressionando com o meu fluente hindi: “Danyavad!”) e despedi-me. O Chandra apertou longamente a minha mão, com o seu sorriso emissor de potentes radiações positivas, enquanto me convidava a aparecer mais vezes mas deixando-me totalmente à vontade: o importante era procurar meditar uma hora por dia, pois certamente obteria muito bons resultados.



foto: www.shivabalayogi.org



Pouco exigente comparado com os inacreditáveis 12 anos que Shivabalayogi passou nas suas tapas (nada a ver com as homónimas iguarias espanholas). Segundo parece, aos 14 anos Shivabalayogi experimentou o samadhi (iluminação) ao ser iniciado na meditação por um guru que lhe apareceu. Seguiram-se oito anos dedicando 23 horas diárias à meditação, e depois quatro anos com 12 horas diárias de meditação. Depois, Shivabalayogi começou a viajar, primeiro na Índia, depois no Sri Lanka, e mais tarde no Reino Unido, Itália e Estados Unidos. Consta que iniciou mais de 10 milhões de pessoas na prática da meditação. Abandonou o seu corpo físico em 1994, mas dizem que muitos meditadores continuam a sentir a sua presença.

Não notei a presença de Shivabalayogi, mas saí à movimentada rua e ao ruidoso mundo real a sentir-me leve (excepto no estômago!), em paz, com muito boas energias.


Para mais informações sobre Shivabalayogi:
www.shivabalayogi.org
www.shiva.org
Vídeo de 7'21" no Youtube:


Um comentário:

  1. Ola',

    Que pena nao morarmos mais perto, eu agora fazia uns pastelinhos de nata para levares semanalmente 'a tua meditacao para mostrares que em Portugal tambem se cozinha bem e uma vez por mes levavas um arrozinho de pato!
    Assim sendo, olha, desenrasca-te como for possivel, leva ao menos um sumo de 'agua de Coco (nao de concentrado!), para sentires que participas...

    Fora de brincadeiras, parabens pela meditacao.
    E' das coisas que sinto mais falta do meu periodo pre'-criancas.
    Neste momento nos raros momentos que tenho algum silencio tenho a mente a 200 kms por hora e pensar em milhoes de coisas que tenho que fazer...

    Beijinhos

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