Missão cumprida! Terminei a maratona de Nova Iorque em 2h57'51”!! Fui 802º entre os 38.096 atletas que terminaram a prova em menos de 10 horas (resultados completos aqui).
Em milhas é mais fácil!
Esta foi, sem dúvida, a mais fácil das minhas cinco maratonas até ao momento. Na melhor forma de sempre (para maratonas), com baixas temperaturas e muito apoio, tudo fica mais fácil: parece que a distância é reduzida, e o sofrimento também.
(Nota: Podem consultar o percurso da maratona aqui)
Foto: brightroom
Já em cima da ponte Verrazano-Narrows (Staten Island-Brooklin), onde seria dada a partida, sentia-me preparadíssimo para a maratona. Treinos excelentes nos meses anteriores, com qualidade, sem lesões, recuperação rápida de treino para treino. Sem quaisquer dores ou cansaço no corpo (pés, pernas, joelhos...), bem dormido. Boa alimentação (hidratos de carbono!) nas vésperas e no próprio dia. Desperdícios líquidos e sólidos libertados. Café uma hora antes da partida, porque consta que promove a queima de gorduras, poupando valioso glicogénio. (Aha! Afinal não estou livre de drogas! Ok, ok, confesso que este ano devo ter tomado uma meia dúzia de cafés, todos por razões desportivas...) Corpo quente, graças às calças e casaco comprados no Salvation Army (US$4 pelas calças, US$5 pelo casaco!, para os poder deixar na partida no último minuto) e ao aquecimento de 10 minutos em corrida lenta. Dia espectacular: céu azul, quase limpo de nuvens, frio mas não gelado (entre 5 e 10ºC). Adrenalina em cima. Venham as 26 milhas!
Roupa do Salvation Army
Tiro de partida! Os primeiros atletas começaram a correr ao som de Frank Sinatra: “Start spreading the news...”. Na minha partida (havia três pontos de partida simultânea) ficámos a olhar para os atletas de elite a passar ao lado (pareciam ir devagar!), até que reparámos que o pessoal à nossa frente tinha começado a avançar e iniciámos a nossa peregrinação até ao Central Park.
Foto: brightroom
As duas primeiras milhas fizeram-se quase sem dar por elas, ultrapassando atletas na ponte. À entrada no Brooklin apareceram os primeiros dos milhões de espectadores prometidos, a fazer bastante barulho.
Foto: brightroom
Pouco depois surgiu a milha 3 e o km 5: “Já?! Isto está a passar rápido! Já lá vai quase 1/8 de maratona!”.
Foto: brightroom
No km 5 passei pelo primeiro tapete de detecção de chips (além do da linha de partida) e imaginei as bulicenas a serem actualizadas com o meu tempo e o pessoal a acompanhar à distância e a mandar apoio através de intensas radiações telepáticas! Cada vez que passava por um tapete – a cada 5 kms, na meia-maratona, em cada milha entre a 16 e a 26 e na meta – ficava sempre animado ao imaginar a informação a ser actualizada e os leitores das bulicenas a mandar mais energias de apoio. Obrigado pessoal!
Perto da milha 4 estavam a Sílvia e a Mei Yee, muito animadas e animadoras, no primeiro ponto combinado. Energia recarregada a 120%!
Irracional mas verdadeiro: correr em milhas é (psicologicamente) mais fácil! Cada milha que passava eram 1,6 km, em 3 milhas já lá iam quase 5 km... Apenas 26 milhas em vez de 42 km!! Fiquei surpreendido com a rapidez com que aparecia cada nova milha. A ajudar a passar o tempo claro que estava o público e os atletas companheiros de aventura, mas também os postos de abastecimento (a cada milha), que se viam de longe e davam logo aquele ânimo de “mais uma milha!” (ou “menos uma”).
O temido vento estava contra. Foi a primeira coisa em que tinha reparado ao sair de casa às 6:30 da manhã: as bandeiras esvoaçando para Sul... nem tudo pode ser perfeito. Durante a prova, notei o vento especialmente na 4ª Avenida no Brooklin, onde corríamos uma recta de Sul para Norte, entre as milhas 4 e 8. Ao verificar que conseguia manter o ritmo pretendido, deixei de reparar – afinal, não havia nada que eu pudesse fazer (experimentei algumas vezes ficar atrás de outros atletas, a ver se me protegia do vento, mas não senti grande efeito e acho sempre algo claustrofóbico ir “na cola”).
Foto: brightroom
Túnel de energia
No Norte do Brooklin, por volta da milha 10, o público estava incrivelmente animado. Na Avenida Bedford, num trecho um pouco mais estreito que tornava o público mais próximo e obrigava os atletas a correrem num pelotão mais compacto, formou-se um autêntico túnel de energia. Os espectadores gritavam alto, por vezes em resposta a um berro de um atleta mais inspirado, e formava-se uma ressonância espectacular: de repente éramos todos campeões olímpicos e os nossos depósitos de energia voltavam ao nível máximo (como nos jogos de computador, quando apanhamos um objecto que restabelece a energia a 100%). Obrigado pessoal!
Até perto da meia-maratona (13,1 milhas; ponte entre Brooklin e Queens) tudo foi bastante fácil, como deveria ser (se corresse a primeira metade em esforço provavelmente não conseguiria completar a maratona). O ritmo estava perfeito. Tinha alguma vontade de fazer uma paragem nas boxes (nos WCs portáteis disponíveis em cada milha) mas fui adiando a paragem até ao final e acabei por poupar esses segundos. Comecei a sentir as pernas e pela primeira vez lembrei-me de que em algum momento apareceria o senhor sofrimento.
Estádio olímpico
Na milha 16 (ponte de Queensboro, entre Queens e Manhattan) iniciei a contagem decrescente: 10 milhas para o final, 9, 8... Pela primeira vez fiz a conta básica: “10 milhas x 7'/milha = 70 minutos, a somar a 1h48' que já lá vão... quer dizer que mesmo que o meu ritmo piore para 7'/milha [a média estava em 6'47”/milha] ainda devo conseguir baixar das 3 horas!!”. Mas rapidamente pensei que 7'/milha não era assim tão lento, e que bem poderia acontecer que os últimos kms fossem mesmo muuuuito lentos e portanto tinha de me concentrar em manter o ritmo até o mais tarde possível.
À saída da ponte de Queensboro, ao entrar na 1ª Avenida em Manhattan, tornei-me o líder da maratona à entrada no estádio olímpico! Fortes aplausos, gritos ensurdecedores, energia, muita energia.... Ali estava uma ruidosa multidão (invisível e silenciosa para quem vinha na ponte) que se espalhava por umas três milhas.
Durante a milha seguinte olhei bastante para o público à procura de caras conhecidas que tinham combinado estar por ali. Mas a multidão era tão densa que a probabilidade de as encontrar era muito baixa. Foquei-me em apreciar o público e sintonizar as antenas para recolher energias telepáticas.
A longa recta entre as milhas 16 a 20 fez-se bem, com energia extra graças ao espectacular público. Apesar de não sentir calor, pela milha 18 decidi tirar a camisola de manga comprida, para ver se o frio me ajudava a superar os difíceis kms finais. Por essa altura passámos no posto de abastecimento de PowerGel, que nos recordava que as nossas reservas de glicogénio deveriam estar praticamente a zero e o “muro” poderia aparecer a qualquer momento...
Foto: brightroom
Onde está o “muro”?
Na milha 20 (km 32, famoso ponto a partir do qual o “muro” costuma atacar) entrámos no Bronx, mas logo na milha 21 saímos. A reentrada em Manhattan, a 5 milhas da meta (pouco mais de meia hora!), deu-me bastante ânimo: “só” faltava entrar no Central Park e terminar! As pernas estavam cansadas, algo doridas, mas ainda conseguia dar passadas normais. Surpreendido, não notei sinais do “muro”. Mas suspeitava que ele poderia aparecer a qualquer momento e nada estava garantido.
Foto: brightroom
Após a milha 22 iniciámos uma longa e razoavelmente inclinada subida na 5ª Avenida. Do lado direito estava já o Central Park! No fim da subida, após a milha 23 (5 kms para terminar! Só mais uns 20 minutos!!), entrámos à direita no Central Park e iniciámos uma montanha russa de duas milhas, com bastantes mais descidas que subidas (para alegria de todos os corredores), que me ajudaram a fazer uma 24ª milha razoável (voltei a fazer os cálculos - começava a ser difícil não fazer menos de 3 horas!!) e uma 25ª milha rápida (uma das mais rápidas de toda a corrida).
Foto: brightroom
Última milha!
Uma milha para o final e o muro não tinha aparecido!! Continuava razoavelmente lúcido (apesar de na foto parecer estar a dormir uma sesta...), nem sinais de quebra! Animei-me e dei ordens às pernas para acelerar ligeiramente o ritmo, dar tudo até ao final. E elas obedeceram!
Passei novamente pela Sílvia e pela Mei Yee. A concentração e o cansaço não permitiram distinguir os berros conhecidos entre os anónimos, mas com certeza que o apoio delas ajudou a tirar uns segundos naqueles metros finais!
Já era oficial: pela primeira vez em cinco maratonas não ia sentir o muro! Entrei na rua Sul do Central Park e vi ao fundo a estátua do Cristóvão Colombo, no Columbus Circle. Mais ou menos 1 km para a meta! Verifiquei também que aquela rua é a subir! Nunca tinha reparado, e já passei por ali tantas vezes. Não desanimei – mantive o ritmo forte e continuei a ultrapassar atletas mais cansados.
Meia milha para o final! Por essa altura passei pelo Miguel e pela Christine, cujos berros também não consegui distinguir da multidão. Estava totalmente focado na estátua do Colombo ao fundo e no ritmo forte para acabar.
Foto: brightroom
Finalmente entrei no Columbus Circle e virei à direita para o Central Park – meta a pouco mais de 400 metros! Olhei à volta à procura de caras conhecidas e encontrei logo o Paulo e a Ju, muito animados e com um cartaz com palavras de apoio que a velocidade não permitiu ler. Adrenalina bem em cima, a camuflar quaisquer dores ou cansaços. Tinha entrado no que me parecia um “ritmo louco” para voar os últimos metros.
Foto: brightroom
400 jardas para o final... 300 jardas... Quase não notei a última subida antes da meta... 200 jardas... A meta estava já ali! Cruzei a meta com a lucidez suficiente para “posar” para uma eventual foto final e só então parei o cronómetro: 2 horas, 57 minutos e 50 e tal segundos!! Missão cumprida!
Foto: brightroom
No mesmo instante em que senti a alegria do objectivo alcançado, a adrenalina eclipsou-se. As pernas, que momentos antes galgavam asfalto, agora não queriam nem andar! De repente, ficou frio! Foi então que comecei as duas milhas mais difíceis de todo o dia: caminhar até à saída do Central Park, na rua 85, e depois de volta ao Columbus Circle para encontrar os amigos e celebrar!
Tempos realizados vs. planeados
Eu próprio fico, modestamente, fascinado com a minha capacidade de estimar tempos de corrida. Demonstra um razoável conhecimento do meu corpo e das minhas capacidades. Como se vê na tabela abaixo, os tempos realizados na maratona foram muito próximos dos planeados (erro inferior a 1% em quase todas as milhas). Só houve uma ligeira divergência a partir da milha 16, porque eu tinha planeado ser um pouco mais rápido naquela fase da corrida, até à milha 22, e a partir daí tinha previsto “morrer” e ter de entrar num ritmo lento a que felizmente fui poupado!
O melhor público do mundo
Não sei se eram os 2,5 milhões estimados pelos organizadores (média de 60 pessoas por metro de percurso, ou seja 30 pessoas/metro de cada lado... parece-me um pouco exagerado), mas havia muita muita gente ao longo da maratona. Além das pontes, onde o público não tinha acesso, havia poucos metros sem gente. Mas, mais do que estar lá a assistir passivamente, como acontece em muitas provas, o pessoal em Nova Iorque faz questão de gritar, aplaudir, fazer barulho.
E o apoio não é anónimo, para o grupo de atletas em geral: sempre que possível, os espectadores identificam o atleta (por alguma palavra escrita no equipamento, às vezes simplesmente pelo número de prova) e dão apoio individualizado, gritando os nomes dos atletas, dos seus clubes, etc. No meu caso, porque levei na maior parte da prova, devido ao frio, uma camisola de uma corrida no Brasil, dos Bombeiros de São Paulo, de vez em quando ouvia “Go Bombeiros!”. Pode parecer que não faz grande diferença, mas saber que alguém olhou para mim e me dedicou um apoio especial energiza-me e responsabiliza-me: “tenho de ir bem!”.
Sem dúvida, o melhor público do mundo.
Devo confessar que fiquei um pouco desiludido com as bandas de música ao longo do percurso. As minhas recordações da maratona de Madrid'2001 eram de bandas talvez a cada 5 km, mas que tocavam tão alto que se ouviam uns 500 metros antes e uns 500 metros depois, e me deixavam com o ritmo na cabeça quase até à banda seguinte. Em Nova Iorque a maior parte das bandas eram pouco barulhentas e geralmente eu só reparava nelas no instante em que passava mesmo em frente. E como às vezes havia outra banda poucos metros depois, raramente dava para perceber o que elas estavam a tocar. Acho que nenhum ritmo ficou na cabeça por mais do que uns segundos. Acredito que menos bandas e mais barulhentas teriam maior impacto.
A maratona também proporciona prognósticos para as eleições presidenciais americanas: Obama vai ganhar. De vez em quando aparecia um espectador com um cartaz de apoio ao Obama (por exemplo “High fives for Obama here”) ou um atleta com algum dizer nas costas tipo “We can do it”. Zero para o McCain. No mínimo, por alguma razão, adeptos do Obama são mais propensos a participar e assistir a maratonas demonstrando publicamente as suas preferências políticas.
Os melhores voluntários do mundo
Segundo os organizadores, a maratona de Nova Iorque conta com mais de 6.000 voluntários, dedicados às mais diversas funções: dar indicações para garantir que os atletas chegam ao ponto de partida correcto na ordem correcta no momento correcto, oferecer abastecimento de água e Gatorade a cada milha, prestar assistência médica, indicar o caminho durante a corrida, felicitar e ajudar os atletas após a meta, etc. etc. etc.
Foto: brightroom
Mais impressionante que a quantidade de voluntários era que eles não só correspondiam à responsabilidade que tinham aceite, mas também mostravam genuíno interesse, alegria, preocupação pelos atletas. Nos postos de abastecimento, a cada milha, além de estenderem a mão com copos de água ou Gatorade, os voluntários gritavam palavras de incentivo “mile 12!”, “way to go!”, “you look great!”. Após a meta, dezenas de voluntários em fila aplaudiam e felicitavam os atletas pelo “great job!”. De vez em quando algum perguntava “are you ok?”, “do you need help?” com sincera preocupação. Seria impossível morrer ali sem ninguém dar por isso (ao contrário do que senti em Mumbai, onde logo após a meta entrei numa multidão de anónimos que facilmente ignoraria um corpo ali caído por vários dias).
Extraordinário. Verdadeiros voluntários, que, como o próprio nome sugere mas nem sempre corresponde à verdade, faziam o seu trabalho com vontade. Obrigado!
Os vencedores
Os vencedores da maratona foram ambos repetentes na façanha. A primeira mulher foi a inglesa Paula Radcliffe, recordista mundial na maratona e detentora de quatro dos cinco melhores tempos de sempre na distância, que já tinha vencido em Nova Iorque em 2004 e 2007.
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O primeiro homem foi o brasileiro Marilson Gomes dos Santos, que tinha vencido em 2006, surpreendendo a concorrência africana, que não fazia ideia de quem ele seria, com uma fuga na milha 20. Este ano ganhou após uma recuperação fantástica na última milha, quando ia em segundo a uns 10 segundos do líder.
Foto: brightroom
Cobertura televisivaAqui podem encontrar imagens televisivas da maratona: reportagem completa da NBC Sports (5 horas – óptima para ter uma ideia de tudo o que se passa à volta deste mega-evento), maratonas masculina e feminina completas (2h-2h30m – foco exclusivo nos vencedores), e resumos de dois minutos sobre os vencedores masculinos, femininos, de corrida e cadeira de rodas.
Próximas loucuras?E agora que alcancei este objectivo e que a adrenalina se foi... que loucuras se seguirão?
Para já nada muito definido, mas com certeza surgirão ideias a executar! Esta semana é de repouso semi-activo para recuperar bem e rápido. Andar, nadar devagar, alguma corrida lenta e curta mais para o final da semana.
Dia 20 ou 21 de Dezembro tenciono participar no Troféu Marquês do Funchal de pentatlo moderno, em Lisboa, por isso vou concentrar-me em treinar natação e investir em corrida para ganhar velocidade (dentro do possível no relativo pouco tempo entre recuperar da maratona e a prova) e estar na melhor forma possível para nadar 200 metros e correr 3 km. As logísticas do tiro, esgrima e hipismo não facilitam o treino, portanto vou confiar que ainda me lembro como se fazem.
Quanto a maratonas, há sempre novos objectivos possíveis: até ao recorde do mundo (2h03'59”, do fantástico etíope
Haile Gebrselassie, na
maratona de Berlim deste ano) há muito a melhorar! Tenho pelo menos mais 4 a 6 anos para melhorar a minha forma física (o não menos fantástico e tuga
Carlos Lopes foi campeão olímpico em Los Angeles'1984 – com recorde olímpico que durou até Pequim'2008 – aos 37 anos, e recordista do mundo na maratona de Roterdão em 1985, aos 38 anos!). Gostaria pelo menos de melhorar o meu recorde até às 2h48m, que era o tempo que esperava – talvez um pouco irrealisticamennte – ter conseguido fazer logo na
primeira maratona. Para acreditar que posso fazer esse tempo, “basta” continuar a trabalhar velocidade/limiar anaeróbio para voltar a fazer 1h20' na meia maratona (ou menos – o meu recorde, de 2000, é 1h17') e resistência para aguentar um ritmo de 15 km/h (4'/km) durante toda a maratona, e escolher um percurso plano numa cidade onde faça bastante frio na altura da prova.
Irei dando notícias!