“O papa entrou no escritório da organização mundial da propriedade intelectual, preencheu o formulário e tirou uma senha. Quando chegou a sua vez dirigiu-se ao balcão sete, Quero registar o natal, por favor, Como, perguntou o funcionário, Registar o natal, insistiu o papa...”(Talvez o Saramago queira começar assim um livro um destes dias? Já estou a imaginá-lo a descrever as sempre incrivelmente verosímeis reacções humanas a acontecimentos improváveis. Ups... Saramago e Natal na mesma bulicena... já começamos mal :) )
Como é que as igrejas cristãs ainda não se lembraram desta:
registar a marca Natal®! Em todo o mundo e em todas as línguas!
Para quê registar o Natal®? Primeiro que tudo,
para proteger o Natal® de apropriações nefastas, controlando o uso da palavra e do conceito. Nesta altura do ano é impossível não ser bombardeado por todas as direcções e sentidos com invasiva publicidade a dizer “Campanha de Natal”, “Catálogo de Natal”, “Promoção de Natal”... Mas quem deu o direito a estas empresas todas, de telecomunicações, electrónicos, roupa, supermercados, etc., etc., de fazerem o que quer que seja “de Natal”?? Por quê deixar estas empresas abusarem de um conceito de origem claramente imputável ao nascimento de Jesus Cristo, e portanto, penso eu de que,
passível de registo de propriedade por quem consiga argumentar que é “herdeiro” de tal acontecimento? E parece-me que os herdeiros naturais serão as igrejas cristãs. (Há certamente seguidores de Cristo não associados a estruturas organizadas, mas acredito que não ficariam muito incomodados se as igrejas se apropriassem do conceito. Ou talvez gerasse bastante polémica especialmente se desse origem a astronómicas receitas para os donos da marca.)
Segundo, se assim for decidido,
para lucrar (sim, financeiramente) com tão poderosa marca! Registar o Natal® poderia abrir incríveis oportunidades de financiamento para as igrejas, talvez permitindo dar uma nova escala às obras realizadas e ao impacto no mundo. Imaginem se houvesse um
royalty a ser pago aos donos da marca de cada vez que lêssemos ou ouvíssemos Natal® (e suas derivações: natalício, natalino...) utilizado para fins comerciais .
A gestão que o Comité Olímpico Internacional (COI) faz da marca olímpica (uso das palavras, dos anéis olímpicos, etc.) pode servir de inspiração. Os objectivos do marketing olímpico (página 5 do
último relatório de marketing do COI, publicado na semana passada) podem ser facilmente adaptados e adoptados como objectivos do marketing natalício:
- Garantir a estabilidade financeira independente da igreja, e promover a religião e o Natal® globalmente
- Criar e manter programas de marketing de longo prazo para assegurar o futuro da igreja e do Natal® e outras iniciativas
- Aproveitar as actividades de sucesso desenvolvidas ao longo do tempo e evitar recriar a estrutura de marketing em cada novo Natal®
- Assegurar uma distribuição equitativa das receitas por toda a igreja em todo o mundo e apoiar financeiramente a religião em países emergentes
- Assegurar que o Natal® pode ser vivido pelo máximo número de pessoas por todo o mundo
- Controlar e limitar a comercialização do Natal®
- Proteger o valor inerente à imagem e ideal do Natal®
- Recrutar o apoio de parceiros de marketing do Natal® na promoção dos valores natalícios
Segundo o mesmo relatório de marketing, o COI teve receitas de marketing de 5,45 mil milhões de dólares no quadriénio 2005-2008. Uma ninharia para as grandes igrejas (parece-me, já que estive à procura de informações e parece bem difícil encontrar o Relatório e Contas da Igreja Católica, por exemplo). Mas as iniciativas (Jogos Olímpicos) e fontes de receitas do COI poderiam inspirar as igrejas: direitos televisivos (47% da receita), patrocínios (44%), bilheteira (5%), licenciamento (3%).
Assim de repente não me ocorre um mega-evento natalício que justifique direitos televisivos milionários, como acontece com os Jogos Olímpicos. Mas consigo imaginar uns bons milhares de milhões a serem pagos por empresas que se queiram tornar “parceiras do Natal®” ou licenciar o Natal® para poderem usar nas suas campanhas nesta época do ano. E receita de bilheteira? Na maior parte das igrejas em que tenho entrado aí pelo mundo não é cobrada entrada. Parece-me bem que não se cobre entrada a quem vai rezar ou participar numa cerimónia religiosa. Mas por que não cobrar aos turistas? Há duas semanas estive na Catalunha onde detectei uma tendência a cobrar por entrar em igrejas. Por exemplo, para visitar a catedral de Girona (que como o próprio nome indica é uma cidade muito gira) e o seu museu pagavam-se 5 Euros. Parece-me muito bem.
Com tudo isto, o uso consumista do Natal® provavelmente seria reduzido, visto que as empresas teriam de começar a pagar por ele. Provavelmente recorreriam ao truque de mudar o foco para a secular Passagem de Ano ou de começar a chamar outra coisa ao Natal® (em inglês usa-se o ridículo “happy holiday season” quando se quer ser “religiosamente correcto”; acho que em português ainda não se inventaram mariquices dessas – ou sou eu que ando muito distraído? ... Sou realmente distraído: claro que temos a mariquice das "Boas Festas"!).
RiscosClaro que há sempre o risco de as igrejas cristãs, ao se enfiarem em terrenos sujos, se sujarem. Já estou a imaginar o Bento XVI a ocupar 99% do seu tempo a tomar decisões financeiras, a aprovar contratos de licenciamento, a passar tempo com patrocinadores... Pior que gastar o tempo com temas tão mundanos poderá ser a tentação de aproveitar um pouco de tal fartura – em vez de escândalos de padres pedófilos passaríamos talvez a ouvir falar de padres corruptos. E mesmo que os religiosos não se deixem corromper, existe o sério risco de as igrejas se venderem, deixando não só que o Natal se torne (ainda mais) um evento tremendamente comercial, como também que outras partes das igrejas e das suas actividades se deixem infectar por essa comercialização. (O COI ainda vai mantendo os espaços desportivos dos Jogos Olímpicos limpos de publicidade... mas é difícil concordar que os Jogos Olímpicos não estão profundamente comercializados.)
DificuldadesSe as igrejas cristãs decidirem que as vantagens compensam os riscos, não será fácil registar a marca Natal® e geri-la adequadamente. Além da tradicional, milenar inércia da Igreja Católica e suas primas, a principal dificuldade é que as igrejas cristãs terão de entrar em acordo! Talvez uma boa oportunidade para reverter os cismas que foram fragmentando a igreja ao longo dos últimos 2000 anos? Ainda mais difícil do que um entendimento entre as grandes igrejas (
Católica,
Protestantes,
Ortodoxa) será chegar a acordo com organizações não tão grandes como os Mórmon, a
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Maná,
entre outras.
No cenário improvável em que as várias igrejas cheguem a um acordo, não será tarefa simples convencer a
Organização Mundial da Propriedade Intelectual da legitimidade do registo da marca.
No cenário ainda menos provável de se conseguir registar a marca Natal®, a sua gestão não será nada fácil. Não só devido às prováveis diferenças de interesses e preferências entre as várias igrejas gestoras, mas especialmente porque elas não são propriamente reconhecidas internacionalmente pelas capacidades de marketing do seu pessoal (com a excepção da IURD e concorrentes com posicionamento e estratégia semelhantes). O Vaticano devia era mandar alguns padres fazer
MBAs. Já tentei convencer o
meu irmão, mas ele não parece entusiasmado com a ideia.
Talvez ele me consiga ao menos arranjar o e-mail de Bento XVI, para ver se partilho estas consultorias?