sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Cicloartista contra-ataca


Não há palavras... Poesia sobre duas rodas não é nada...

Não me canso de ver o Danny MacAskill em acção. E reparo como de vez em quando paro de respirar (Ah! Então é este tipo de coisas que são de "cortar a respiração"!).

Se ele não ama andar de bicicleta, finge muito bem. No ano passado, quando começou a fazer sucesso com o primeiro vídeo no youtube explicou a um jornal (confiando que ele disse isto mesmo... sabe-se lá o que o jornalista inventou): "I am not too fussed about making money. I just want to ride my bike every day and see a bit more of the world."

Seria muito fixe trazê-lo a Lisboa para uma campanha de respeito pelos passeios e ciclovias: já estou a imaginá-lo a saltar de carro indevidamente estacionado em carro indevidamente estacionado, para choque dos donos prevaricadores! (Ironicamente, no ano passado ele filmou em Lisboa um anúncio para uma marca automóvel - fiquei o tempo todo à espera de o ver saltar por cima do carro!)

Parece que entretanto o Danny deve estar a fazer algum dinheiro, o que dá certo jeito, especialmente se estiver a pensar ter sogros.

A Revolução Industrial começou há mais de 200 anos no país do Danny... Talvez já fosse tempo de ser normal, aceitável e até incentivado que uma boa parte da humanidade se dedicasse - não necessariamente como estrela de futebol, cinema ou música - a actividades não claramente produtivas (no sentido de produzir produtos) mas com outros tipos de benefícios: estética, entretenimento, alegria, ...?

Façamos o que amamos e sejamos felizes!


PS: Parabéns também a quem pensou, produziu e montou o vídeo - não basta o artista para garantir um bom resultado! Excelente trabalho!!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Imprestáveis

Não gosto nada do namorado da minha filha... aquele tipo não faz NADA!! Passa o tempo...

... a surfar!


foto: Rob Keaton


E se o rapaz for o Kelly Slater (ou o futuro sucessor)?

... a correr!
E se for o Haile Gebrselassie?

... a caminhar!
E se fosse o Gandhi?

... em cima da bicicleta!
E se for o Danny MacAskill?

... aos pontapés na bola!
E se for o Figo?

... a acelerar com o carro!
E se for o Schumacher?

... agarrado à guitarra!
E se for o David Fonseca?

... a brincar aos actores!
E se for o Daniel Radcliffe?

... no circo!
E se for o Guy Laliberté?

... na palhaçada!
E se for o Ricardo Araújo Pereira?

... a fazer figuras tristes!
E se for o Rowan Atkinson?

... a vagabundear pelo mundo!
E se for o Gonçalo Cadilhe?

... na lua!
E se for o Neil Armstrong?

... a dar mergulhos!
E se fosse o Jacques Cousteau (ou o neto)?

... a escrever... e nem sabe pontuar!!
E se fosse o Saramago?

... a tirar fotos!
E se for o Sebastião Salgado?

... a fazer bonecos!
E se for o Quino?

... a desenhar paralelepípedos!
E se for o Siza Vieira?

... a dançar horrivelmente!
E se for o Matt Harding?

... a comer!
E se for o Ferran Adrià?

... a inventar formas de arriscar dinheiro e saúde!
E se for o Richard Branson?

... agarrado ao iPhone!
E se for o Steve Jobs?

... a navegar na Internet!
E se for o Sergey Brin?

... no Facebook!
E se for o Mark Zuckerberg?

... na choldra!
E se for o Nelson Mandela?

... a não fazer NADA!!
E se for o David Blaine?

E mesmo que o rapaz não seja o melhor do mundo ou muito bom no que faz, é provavelmente o melhor do mundo a ser ele próprio. E talvez o melhor do mundo a ser amigo, companheiro, parceiro, sócio, vizinho, namorado, etc. e a fazer-nos todos felizes.

Afinal o que queremos da nossa vida e das vidas de quem nos é próximo? Queremos segurança, carreira, dinheiro, fama, poder... ou queremos felicidade?


E tu? Que outros genros imprestáveis adicionarias à lista?


Nota 1: Tenho noção de que esta bulicena é bastante sexista: só menciono (e defendo) homens/genros. Na minha limitada experiência, a preocupação sobre as noras costuma ser de outra natureza.

Nota 2: Reconheço que várias destas personagens talvez não sejam os maridos ou pais ideais. Por exemplo, não sou grande admirador do Gandhi especificamente como marido e pai de família. Mas não é por eles "só" surfarem, correrem, escreverem, etc. etc. que são necessariamente maus maridos, pais ou pessoas.

Nota 3: A minha sobrinha que se livre de arranjar namorado surfista, atleta, artista, ou outro imprestável qualquer!!!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Buli no médico

Nota inicial: Por que raios iria eu ao médico?? Leitores mais preocupados, não se preocupem. Fui fazer o exame médico desportivo, obrigatório para competir em provas oficiais como atleta federado.


Médico: Treina todos os dias?

Eu: Sim, praticamente.

Bidiários?

Às vezes. Como faço pentatlo e triatlo, há dias em que treino corrida e natação, ou corrida e ciclismo...
[Lembrando que o médico foi maratonista] Agora estou a treinar para a maratona de Tóquio, onde quero bater o meu recorde na distância.

Ah, sim? Que tempo quer fazer?

Abaixo das 2h50min.

Ah... [médico com cara de isso-não-é-assim-nada-de-especial]
Quantos quilómetros treina por semana?

Uns 100.

Então e não consegue treinar mais? Uns 120?

Pois... [A pensar que 100 km já é muito!]

E a que velocidade corre?

Pelos 4'30"/km, com uns fartleks de vez em quando.

E não consegue correr mais rápido?

Talvez uns 4'15"-4'20"/km?

Se eu voltasse atrás sabendo o que sei hoje, não correria tanto como corri. Fazíamos mais de 200 km por semana, parecia que andávamos a competir a ver quem fazia mais quilómetros. Podia ter corrido menos e mais rápido, com iguais ou melhores resultados e com menos lesões.



foto de 1979 encontrada aqui (quem é o atleta à esquerda do médico??)




PS: Obrigado, Renato, pelos conselhos e pelos óptimos argumentos para responder quando me dizem "Tu vê lá, não te estiques..." :)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Singapura by night

O que é que um corredor diz para o outro às 3:30 da manhã?


Ontem à noite estava a ficar entusiasmadíssimo com a perspectiva de viajar para Portugal hoje. Depois de jantar e fazer as malas decidi que ainda precisava fazer algumas coisas (no computador... esta máquina de produtividade – e muitas vezes de distracção – na era da informação, que consegue manter-me acordado bem para além da minha resistência habitual não estimulada).

Por volta das duas da manhã estava pronto para ir dormir. A ideia de dormir poucas horas para ir apanhar o voo das 9 da manhã não me incomodava muito. Mas acordar às quatro da manhã para correr para cumprir o plano de treinos começava a soar doloroso. Considerei as minhas opções
1. Dormir 2 horas e acordar às 4 para ir correr
2. Correr agora, deitar-me às 4 e dormir 2 horas
3. Deitar-me já, dormir 4 horas e não correr (Não... um corredor aplicado como eu nem sequer coloca estas possibilidades, que é para não começar a racionalizar por que é que na verdade é muito boa ideia ter mais um dia de descanso. Além disso, qualquer uma das opções 1 ou 2 seria coerente com a minha experiência de já ter corrido a qualquer uma das 24 horas do dia. Para um corredor aplicado não existem desculpas de que é tarde ou cedo demais; ou está a chover, a nevar ou a passar um tornado; ou quente ou frio demais; ou...)

De repente a opção 2 começou a soar excelente. Muito melhor do que acordar às 4 com uma ganda moca e arrastar-me no treino. O sono começou a dissipar-se e um fluxo de uma qualquer endorfina energizante percorreu o corpo. Butes lá correr!


2:30 Holland Road

Acabei por sair de casa às 2:30. Logo à saída do prédio vinha um vizinho a acabar de passear o cão (gente estranha, a fazer estas coisas a esta hora da madrugada!).

Ruas bastante desertas e – o melhor de tudo – muito pouco trânsito. Senti logo uma frescura (para os padrões de Singapura, certamente estavam 20 e muitos graus e humidade a 70 ou 80%, como de costume), parte devido à hora e parte devido à chuva que tinha caído a tarde toda. Hmmm... existem várias vantagens em correr a estas horas!

Segui pela Holland Road a caminho do centro da cidade, sem um percurso muito definido mas com intenção de ir até algum ponto do centro financeiro e voltar. O plano era correr 90 minutos (uns 20 km), num fartlek (treino de variações de velocidade) de 7’30” médios (ou seja, algo rápidos, próximo dos 15 km/h) e 7’30” lentos.

Nos habituais 15 minutos passei pelo portão dos Jardins Botânicos, para onde nem olhei porque estaria certamente fechado. Mesmo que estivesse aberto, estaria provavelmente muito pouco iluminado e, além de não conseguir ver o tempo no relógio para mudar de ritmo a cada 7’30” (acho que o relógio não tem iluminação...), havia o risco de pisar algum degrau ou objecto e torcer um pé.


2:50 Orchard Road

Entrei na Orchard Road no ritmo rápido. Passei no ponto de encontro habitual do Banana Prata Triathlon Club para as nossas madrugadoras voltas à ilha e ainda pensei que seria engraçado encontrar algum ciclista por ali. Mas além de ser cedo demais (nunca combinármos nada antes das 4:55 da manhã), a maior parte dos meus colegas de clube estão estes dias em Busselton, na Austrália, onde no domingo farão um Ironman.

Logo a seguir passei pelas Orchard Towers, onde a animação nocturna parece ser sempre garantida. Raparigas desfilando as suas curvas com saias minimalistas, decotes generosos, camisas semi-transparentes revelando a roupa interior, saltos altos de uns 15 cm. Vergonhosamente para um homem (macho, não no sentido neutro de “membro da humanidade”) que já viveu um total de 3 anos em Singapura, não sei exactamente o que se passa nas Orchard Towers. Parece que há lá um bar ou discoteca (ou vários) onde as vendedoras de serviços sexuais são particularmente assertivas. Deveria ir lá um dia destes investigar (e levar a Sílvia comigo, para ver se ela me protege da agressividade feminina!). O que eu vejo é, lá em baixo, à porta do prédio algumas delas e imagino que seus clientes ou potenciais clientes. Estranhas razões para andar na rua àquelas horas, ou nem tanto?

Segui pela Orchard Road fora passando pelos milhentos centros comerciais, todos fechados como seria de esperar. De vez em quando cruzando-me com grupos de 2 ou 3 pessoas... a passear? Gente estranha...


3:15 Marina Bay

Seguiu-se a Singapore Management University, Chjimes (antigo convento tornado bloco de bares e restaurantes), Swissotel (onde se realizou há dias a outra maratona vertical de Singapura), Esplanade, Floating Platform, Marina.

Atravessei a ponte helicoidal para o complexo do casino... ahn... perdão, resort integrado. As obras (que ainda vão durar uns bons meses, apesar de o cas... resort ter sido inaugurado em Junho) estavam em grande actividade. Nada como mão de obra estrangeira, barata e com muito poucos direitos para se sacrificar pelo desenvolvimento económico do país... Nem seria tão desumano se ao menos aquele pessoal tivesse a opção de escolher horários de trabalho e fosse pago extra por trabalhar a horas menos naturais. Duvido que isso aconteça.



As obras obrigaram-me a entrar no edifício (da zona de lojas, não das mesas de jogo, que nem sei bem onde ficam), aproveitando por menos de 1 minuto o refrescante ar condicionado. Estava exactamente a meio dos 90 minutos planeados, e pelas minhas estimativas chegaria a casa em 45 minutos.

Ali junto à baía passei por alguém com ar de sem-abrigo a dormitar – uma visão muito incomum em Singapura – mas ia no modo rápido (além de que estava escuro e eu cansado) e não deu para avaliar bem.

Raffles Place, centro do centro financeiro de Singapura, hotel Fullerton, Museu das Civilizações Asiáticas... Era só seguir junto ao rio por uns kms e ver se restava alguma acção na vida nocturna daquela área.


3:30 Clarke Quay

Cheguei a Clarke Quay, passando ao lado do bungee jumping invertido (uma espécie de fisga que dispara uma cápsula com três passageiros apreciadores de acelerações a ponto de pagarem pela experiência) e entrei na zona de restaurantes, bares e discos.

Foi ali que me cruzei com o único outro corredor da noite. Levantei a mão para dizer “Hi”, “Olá”, “Oi”, “Ugh” ou algum outro cumprimento semelhante e ele respondeu “Good morning!”. Fiquei a pensar “Mas é good morning ou good night?? Até agora teria pensado que era claramente good night... Será que o tipo já dormiu e acordou muuuuito cedo para correr??” Há gente muito estranha: que raio de horas para acordar para ir correr!

Alguns bares ou discos ainda funcionavam, mas estava tudo bastante morto. Passei por vários grupos com ar de se estarem a despedir, vários aparentando serem os funcionários do estabelecimento que acabava de fechar. Vidas diferentes... Eu a olhar para eles e eles a olharem para mim.

Um par de kms mais à frente, em Robertson Quay, já longe dos bares e restaurantes, três raparigas vestidas de night conversavam tranquilamente. Provavelmente reclamavam dos namorados , da falta deles, ou da noite sem sucesso no engate ali ao lado no Zouk (discoteca famosa já em 2003 quando fiz o meu MBA aqui em Singapura; depois de ouvir os meus amigos a falarem dela o ano todo, acabei por ir lá ver o que tinha de tão especial no final do ano lectivo – pareceu-me uma disco como outra qualquer; ou seja, bastante desinteressante para mim).

Pouco depois entrei na Alexandra Road, já a sentir-me a chegar a casa. Faltavam só mais 7’30” médios! Ao longe, apesar do cérebro cansado e do escuro da noite naquela zona menos iluminada, avistei alguém vindo na minha direcção empurrando um carrinho. Noutra cidade qualquer teria pensado que seria um sem-abrigo empurrando todos os seus pertences. Mas em Singapura...? Fomo-nos aproximando e o carrinho foi se revelando um carrinho de bebé. E a pessoa uma mulher, ou mais precisamente uma mãe. E o carrinho levava realmente um bebé! Às 3:40 da manhã?? Gente estranha... Será que a rapariga (de aparência “ocidental”) tinha vindo recentemente de longe e estava com um sério jet lag? Ou o bebé estava imparável e a única forma de o acalmar tinha sido sair para um passeio?

Entrei nos últimos 7’30” médios já a sentir-me em casa.


4:00 Casa

Cheguei! Ah! Cansado e quente, totalmente ensopado em suor. Muito bom! Ainda bem que decidi correr antes de dormir. Fiquei cheio de energia! Nada como, depois dos exercícios de flexibilidade, um bom duche frio para baixar a temperatura do corpo e dormir!

Talvez faça isto mais vezes. Tempo mais fresco, ruas vazias, e aqui e ali umas estranhas criaturas da noite. Melhor que o Night Safari!?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A economia do lixo

Os imparáveis Free Range Studios ("criatividade com consciência") lançaram mais um vídeo da colecção The Story of Stuff: The Story of Electronics.


É muito verdade que os produtos e preços estão feitos para durar pouco e serem deitados fora e substituídos pelo último lançamento... E também que o preço de tantos produtos electrónicos é tão baixo que muita gente pensa facilmente em comprar só porque pode comprar. Há 20 anos comprar um computador era um acontecimento especial, um forte investimento muito ponderado e só realizado quando "mesmo necessário" (seja isso o que for). O computador em que escrevo custou pouco mais de 250 Euros há 2 anos. Gostaria que ele durasse muitos anos, pois funciona bem e faz o que preciso. Mas estou consciente de que um pequeno percalço no funcionamento, uma peça que deixe de funcionar, facilmente tornará mais barato comprar um novo do que reparar este. É muito difícil não entrar no jogo.

Como é que um computador pode ser tão barato? Como a Annie Leonard (a rapariga no vídeo) comenta, muito provavelmente devido às externalidades negativas que não estão precificadas. Ao pagar pelo produto não estamos a pagar pela poluição causada, pelos direitos humanos desrespeitados, pelos estragos na saúde de quem contacta com produtos tóxicos na produção, transporte, utilização, reciclagem ou decomposição do produto...


Responsabilidade

E que tenho eu a ver com tudo isto? Se as coisas são baratas então toca a aproveitar! Como já comentado nas bulicenas: O meu consumo é o motor de uma cadeia montada para satisfazer as minhas “necessidades”. Cada compra é um voto a favor dessa cadeia e de tudo o que a envolve. Cada compra representa a minha assinatura, em papel azul de 25 linhas e reconhecida em cartório, aprovando tudo o que se passa ao longo da cadeia produtiva. Será que consigo ficar de consciência tranquila com as aprovações que faço todos os dias?

A Annie propõe que os fabricantes de electrónicos sejam responsabilizados pelo ciclo de vida completo dos aparelhos que vendem. Ou seja, quando se tornam obsoletos, os aparelhos deveriam ser devolvidos à origem, para eles tratarem da reutilização, reciclagem, o que seja. Isto incentivaria as marcas e fabricantes (hoje em dia raramente são a mesma entidade: a Apple*, por exemplo, que eu saiba não fabrica nada - desenha e mandar produzir os seus produtos em algum lugar barato, tipicamente na Ásia, e depois gasta brutalidades em marketing para nos convencer de que estamos mesmo a precisar do novo iCoisa) a optimizarem os seus produtos para talvez durarem mais, serem mais reutilizáveis, mais recicláveis, possivelmente mais compatíveis uns com os outros... E naturalmente tornaria os produtos mais caros (porque as tais externalidades seriam internalizadas - o preço incluiria uma maior quantidade de efeitos no mundo), e portanto nós compraríamos menos e haveria menos lixo a circular no mundo.

Num texto do blog Transforming Cultures do Worldwatch Institute o autor sugere que comecemos já a responsabilizar os CEOs/presidentes das empresas a quem compramos os nossos electrónicos. Ele até publica as (segundo ele verdadeiras) moradas do Steve Jobs (da Apple) e do Michael Dell (da Dell) para podermos começar a enviar-lhes o nosso lixo electrónico. Na prática não é uma ideia tão boa para quem não é vizinho dos senhores, devido aos custos e à poluição originada pela circulação dos produtos à volta do mundo. Mas por que não começar mais perto de casa, por exemplo devolvendo os produtos aos revendedores autorizados dos nossos produtos? Idealmente, à loja em que comprámos o produto. Isso já é mais fácil e mais prático. Se toda a gente fizesse isso, talvez esses revendedores, depois de tentarem durante algum tempo desfazer-se dos produtos à socapa, na calada da noite, em algum ermo longe da loja, começassem a pensar que tinham de encontrar uma solução melhor (antes de serem presos ou morrerem soterrados em lixo electrónico).

E a minha responsabilidade? Outra iniciativa bastante simples e totalmente sob o nosso controlo é não comprar, ou adiar novas compras o máximo "possível" (claro, fica ao critério de cada um o que é "possível"). A minha câmara fotográfica tem só 1 ano, o meu computador 2, o telemóvel 4...



Conseguirei chegar a 10 anos com algum destes aparelhos? Confesso que soa quase impossível... Não tanto por achar que vou sentir "necessidade" de melhores máquinas (excepto talvez o computador, já que os produtores de software colaboram ativa e vergonhosamente com os de hardware, para tornarem os programas cada vez menos eficientes e exigentes de processadores mais rápidos, discos e memórias maiores, etc.), mas porque suspeito que elas simplesmente vão deixar de funcionar em algum momento e comprar uma nova vai parecer a melhor solução.

Hmmm... E será que não estou mesmo a precisar de um leitor de mp3, um telemóvel com acesso Internet, um leitor de ebooks, um GPS, uma TV, uma consola de jogos, .....?


Histórias de outras cenas

Na coleção "história das cenas" existem outros excelentes vídeos sobre:
- Cosméticos - o uso de substâncias tóxicas em produtos que usamos no dia-a-dia
- Água engarrafada - a "procura manufacturada" (i.e., estimulada pelos fabricantes, neste caso de água engarrafada) que nos leva a comprar coisas de que não precisamos e que poluem o mundo
- O comércio de emissões de carbono e seus problemas (segundo um amigo meu especialista no assunto, existem sérias falhas nos argumentos, apontadas neste artigo)


Histórias de cenas para miúdos

Na mesma onda da "história das cenas", miúdos e graúdos podem tirar proveito dos vídeos (de 2 minutos cada - bem adequados à capacidade limitada de manter a concentração, epidémica hoje em dia) "Loop Scoops" ("vídeos para fazer-nos pensar nas cenas na nossa vida"). Gostei muito deste sobre a Loja da Felicidade:


E tu? Que ideias sugeres para sairmos da economia do lixo e começarmos a economizar lixo?


*Para os fãs e consumidores actuais ou potenciais da Apple: a empresa publica "relatórios ambientais" sobre cada um dos seus produtos. Por exemplo, aqui encontra-se o do famoso iPad. Claro, muitas mensagens positivas. Não faço ideia se os produtos são bons ou maus, melhores ou piores que os concorrentes. A credibilidade de um sistema de avaliação ambiental obviamente não será muito elevada se os autores forem as próprias marcas ou fabricantes dos produtos avaliados. Alguém conhece alguma entidade razoavelmente independente que faça este tipo de análises?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Estado do ensino, flash mobs e lip dubs

Descobri (obrigado, Miguel) que o Técnico já não é o que era!



Está muito melhor!! Especialmente as praxes (foi uma iniciativa de boas-vindas aos novos alunos!), a que nunca achei piada nenhuma na sua versão (tradicional?) de vingança nos caloiros deste ano pela vingança dos veteranos inflingida aos caloiros do ano anterior, pela vingança de dois anos antes... etc. etc.


Flash Mobs

O vídeo enquadra-se no conceito de flash mob: reunião de um grupo de pessoas em local público para uma actividade surpreendente num curto intervalo de tempo.

Ouvi falar pela primeira vez do conceito há uns 4 anos, a propósito do flash mob organizado por Improv Everywhere (que se define como "Improv Everywhere causes scenes of chaos and joy in public places") numa loja Best Buy em Manhattan, em que um monte de gente compareceu vestindo roupa semelhante à dos funcionários da loja. Na altura achei a ideia espectacular, de certa forma hilariante. Mas também fiquei a pensar nas questões éticas, devido às externalidades implicadas, ao impacto nas outras pessoas. O que terão achado desta iniciativa os funcionários e os verdadeiros clientes da Best Buy? Alguns terão achado piada, outros possivelmente não (especialmente os que decidiram chamar a polícia). A Best Buy, feitas as contas, deve ter apreciado a publicidade gratuita. Mas acredito que seja muito fácil, na miopia encandeada pelo efeito de manada, ter comportamentos que individualmente, em tranquilidade e com a cabeça limpa, não nos pareceriam correctos.

Ainda mais assustador é pensar o que poderá fazer de mal alguém que consiga influenciar tão poderosamente um grupo grande de pessoas. Mas como seria bom que essa pessoa existisse e além de bem intencionada fosse inteligente e capaz de tomar boas decisões (o famoso e utópico ditador benevolente e esclarecido?) e coordenar massas de gente para alcançar objectivos positivos? Eu votaria nessa pessoa para presidente do mundo!


Lip Dubs

E descobri que não é só o Técnico que tem iniciativas criativas e empreendedoras. Este vídeo do ISCTE (obrigado, Ana!) é espectacular. Não só é animado e divertido por si só, como admirável pela organização necessária e qualidade da execução (esta notícia dá uma ideia do processo).



Certamente vozes críticas dirão que este pessoal deveria mas era estar todo a estudar! Tendo passado os meus 5 anos no Técnico ocupado com bastantes coisas além dos estudos, não poderia discordar mais. Olhando para trás, está claríssimo que o que fiz antes e depois das aulas e estudos foi tão ou mais importante para me tornar quem sou. Especialmente os projectos empreendedores na Associação Juvenil de Ciência (em particular a CiênciaJ) e a prática disciplinada e intensa do pentatlo moderno. E sou muito feliz, obrigado! :)

Este vídeo é um lip dub: um vídeo filmado de uma vez só, sem cortes (pelo menos acho que isto faz parte da definição do conceito), com os participantes coordenados por um som gravado (por exemplo, uma canção) que é sobreposto ao som real na edição final do vídeo. E em particular é um University Lip Dub.

Outro exemplo muito recente de um lip dub é este pela independência da Catalunha (recordista mundial em número de participantes). Concordo que está muito animado e espectacularmente realizado, apesar de não me identificar com a mensagem politicamente nacionalista (mas acho muito bem o nacionalismo cultural - a promoção dos próprios valores, características, rituais e tradições - sem desprezo pelos dos demais, nem opressão ou outros impactos negativos).

Divirtam-se!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"Teologia" buliana

Felizmente muita coisa escrita na Bíblia não é verdade! Se fosse tudo verdade, não haveria fé que aguentasse. Ou, se ainda restassem crentes em tais "verdades", eu não gostaria de estar perto deles!

Estou a lembrar-me de uns chocantes trechos do Levítico (ou ainda melhor aqui), ou alguns machismos "de" S. Paulo, que nunca deveriam ter sido incluídos, ou pelo menos deveriam ter sido excluídos da Bíblia há uns séculos atrás. Textos que sugerem que não pode tratar-se de um livro divino: que divindade permitiria que uma publicação sua os incluísse? Seria preciso muita falta de atenção... que não seria própria de uma entidade omnisciente e de amor infinito.

A grande questão é: se nem tudo é verdade/literal, como distinguir o que é do que não é? Acredito que seja isso que se discute em teologia. Para mim (AAAHH HEREGE!!!) há grandes semelhanças com a história do rapaz e o lobo: uma "mentira" aqui, outra ali... a certa altura já não sei se devo acreditar na seguinte. E se os teólogos têm aceite diferentes "verdades" ao longo do tempo... então que verdades são essas?

Na minha "teologia" acabada de estruturar divido crenças/preceitos/dogmas/etc. em:

1. Claramente faz sentido e ajuda a viver uma vida melhor, portanto é óptima ideia acreditar e seguir. Exemplo: amar é fixe.

2. Claramente não faz sentido e portanto não acredito, independentemente do que as autoridades religiosas possam dizer. Exemplos: textos do Levítico acima referidos; infalibilidade papal; existência de qualquer tipo de "povo escolhido" (seja judeu, cristão, humano - o Deus em que acredito não tem favoritos); sacerdócio machista (ou em geral que homens e mulheres não possam desempenhar papéis semelhantes em situações em que não há nada de sexualmente específico).

3. Não sei se faz sentido, mas não me parece fundamental e, agnosticamente, acho que não há forma de saber se é "verdade", por isso não me preocupo com a questão. Exemplos: virgindade de Maria; Santíssima Trindade; ou, mais chocante para cristãos mais ortodoxos, se Jesus morreu e ressuscitou ou até se Jesus é Deus. (A ideia parece-me demasiado antropocêntrica, judaico-cêntrica, e até algo machista. Por que haveria Deus de privilegiar determinado sexo, determinado povo, determinada espécie animal, em determinado período do tempo? Ou será que Deus encarna outras espécies animais e vegetais, assim como outros humanos, ao longo de todo o tempo? Ou seja, talvez Jesus seja Deus como todos nós e tudo à nossa volta somos, numa visão do mundo próxima da animista?)

4. Não sei se faz sentido, mas é uma questão importante e que pode ser investigada, por isso é boa ideia investigar. Exemplo: assim de repente não me ocorre nada... que falta de curiosidade/interesse!


O que importa é que aquilo em que acredito me ajude a viver uma vida melhor, mais feliz e geradora de felicidade.


PS: Obrigado de novo, João, por provocares mais esta reflexão!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ambientalista egoísta

Concordo que as preocupações "ambientalistas" são antes de mais preocupações com o nosso ambiente: aquele que é confortável para mim, para os humanos. Bom ar para respirarmos, água para bebermos, chuvas não tóxicas para a nossa agricultura, biodiversidade para continuarmos a ter acesso a variados recursos em complexo equilíbrio, condições atmosféricas razoavelmente agradáveis...

Mas é incrível a capacidade do ser humano de descontar o futuro e pensar "Ah, mas isso será só daqui a não-sei-quantos anos!" Vivemos como aqueles fumadores que já sabem há muito tempo que fumar não é saudável, aumenta brutalmente a probabilidade de cancro do pulmão (além de gerar péssimo hálito e dentes pretos) e leva a muito provável sofrimento futuro. Para quê stressar? Vou mas é curtir a vida! É amanhã? Então não importa.

O famoso problema do free rider (passageiro clandestino?) só piora as coisas: eu sou apenas um entre mais de 6 mil milhões. Se o vizinho do lado deita lixo para o chão, desperdiça energia, anda de carro o tempo todo, etc. etc., por que tenho de ser eu a poupar os recursos do mundo? Vou mas é curtir a vida! Sou uma gota no oceano? Então não importa.

As boas notícias são que o universo, a Terra, a vida e outras tantas coisas fantásticas já estavam cá milhares de milhões de anos antes do ser humano e cá continuarão depois do ser humano. Desaparece uma parte simpática desta obra espectacular, mas ficam 99,9999999999...%. Nada mais natural (a história da vida está cheia de extinções!), apesar da nossa mania de que somos especiais e merecedores de um bail out divino que nos mantenha infinitamente no "poder", com o "estatuto" que julgamos ter.

Então, para quê mudar o nosso comportamento?

Por egoísmo: cuidar do ambiente é exactamente cuidar do ambiente em que vivo... se o mantiver num estado mais estável, limpo, funcional, é provável que eu viva uma vida mais confortável, com menos percalços, mantendo acesso aos recursos a que estou habituado (ar, água, alimentos, fontes energéticas, matérias primas...).

Por nepotismo, nacionalismo, antropocentrismo: se preservar o ambiente, pessoas perto de mim (família, amigos, conterrâneos, outros humanos...) viverão uma vida mais confortável.

Por animalismo, plantismo ou vidismo (preferência pela vida) em geral: se preservar o ambiente em que os seres vivos vivem, é mais provável que eles continuem a viver. Eu gosto de seres vivos (pelo menos grande parte deles - tenho alguma dificuldade com as baratas, mas estou a melhorar).

Por equilíbrio: se eu impactar menos o ambiente vivo em maior equilíbrio com ele. Em geral gosto de equilíbrio (com uns abanões de vez em quando, sempre para alcançar algo melhor).

Por estética: talvez um mundo menos cinzento e menos poluído, com mais variedade de seres vivos seja mais bonito?

Por outras razões que agora não me ocorrem. Propõe as tuas nos comentários! E se tiveres razões para destruir o ambiente, também gostaria de as ouvir - serão certamente uma excelente fonte de reflexão.

Sou certamente um dos humanos com maior impacte ambiental e não é fácil definir onde estão os limites... Vou continuar a trabalhar para melhorar na protecção do meu ambiente. Seria masoquismo fazer outra coisa.




PS: Obrigado, João, por teres provocado esta reflexão!

domingo, 3 de outubro de 2010

Triatlo Longo de Desaru

O plano era completar o meu segundo 1/2 Ironman (1.9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21 km de corrida), depois de Porto Santo no ano passado. Mas o triatlo de Desaru era uma prova bem relaxada em muitos aspectos e acabou por ter distâncias algo diferentes, ainda assim a merecer o nome de "triatlo longo": aproximadamente 2.2 km de natação, 85 km de ciclismo e 19 km de corrida (tendo em conta o calor infernal, aqueles 2 km a menos na corrida não souberam nada mal!).

Foi o meu primeiro triatlo com o Banana Prata Triathlon Club, o grupo de loucos Ironmen e candidatos com quem tenho treinado nos últimos dois meses (tema para uma bulicena um dia). Espero que o primeiro de muitos triatlos! Este grupo é "péssima" companhia e arrisco seriamente uma infecção com o vírus do Ironman...

Fiquei muito satisfeito com o resultado desportivo e com o excelente fim-de-semana passado em Desaru (a um ferry + 80 km pedaláveis desde casa)! No espírito relaxado da prova, não registei os tempos na prova e só soube o meu tempo e classificação final duas semanas depois (não havia chip para registo automático dos tempos). Fiz:
. 38'35" na natação (13º melhor tempo)
. 3h11'11" no ciclismo, incluindo transições (247º tempo). Ia com uma média de uns 30 km/h, mas tive um furo a 20 km do final e devo ter perdido 10 a 15' na troca de câmara de ar (eu sei, tenho de praticar mais...)
. 1h26'06" na corrida (3º melhor tempo, que me levou do 181º para o 47º lugar final!). Ao contrário do meu costume de passar a todo o gás, parei em cada um dos postos de abastecimento de água, para aí a cada 2 km, onde tentava arrefecer o corpo o máximo possível despejando água - felizmente bem fresca - na cabeça e pelas goelas abaixo. O efeito era espectacular... durante 2 ou 3 minutos sentia-me muito melhor!

Tempo final: 5h15'52" (resultados completos aqui).

O maior acontecimento do fim-de-semana foi certamente a Sílvia ter feito o seu primeiro triatlo!!

Clicar na foto para ver a reportagem fotográfica da Sílvia, incluindo fotos dos companheiros Banana Pratas:

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Felizes 45, Singapura!

Mais um dia nacional de Singapura.

Muitas bandeiras espalhadas pela cidade (nenhuma na janela de casa... espero que o Ministério do Trabalho não tenha isso em conta ao avaliar o meu pedido de renovação de visto!).



Merchandising variado em vermelho e branco. Suspeito que quem sair à rua hoje sem usar nada vermelho corre risco de multa ou prisão! Será que os meus famosos calções vermelhos servem?



Mais uma vez vou faltar à parada do dia nacional (desta vez por não ter investigado como arranjar bilhetes há uns meses, antes de eles serem distribuídos). Mas celebrei o dia com a minha primeira volta à ilha em bicicleta, mais ou menos pelo percurso indicado neste mapa, no sentido dos ponteiros do relógio.




Este ano Singapura tem pelo menos duas coisas especiais a celebrar: a notícia de há poucos dias (que só parece fabricada pelo governo!) de poder ser o país com o maior crescimento económico do mundo este ano, e os primeiros Jogos Olímpicos da Juventude, que começam esta semana. Já as inaugurações dos primeiros casinos... dão-me náuseas.

Os meus votos para Singapura neste aniversário são de excelente continuação de todos os êxitos! E de melhoria nos habituais temas mais questionáveis: o défice democrático, o tratamento de terceira classe aos imigrantes menos qualificados, a hipocrisia dos casin... ah, perdão, resorts integrados, os estupidamente altos gastos militares...

Majulah (P'rá frente) Singapura!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Viagem a Java Central

Passámos excelentes 10 dias em viagem pela região central da ilha de Java, na Indonésia, por Yogyakarta (Yogya ou Jogja para os amigos) e arredores. Conhecendo as minhas tendências prolixas, especialmente com uma viagem recheada de coisas a comentar, para já deixo aqui as fotos que a Sílvia seleccionou e muito bem comentou - quem sabe animo-me a escrever uma bulicena longa (ou várias pequenas?) depois.

Clicar na foto para ver o álbum:

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Uno

From this infinite, this food has come to us.
By this food, we realize ourselves on this planet.
To this food we are grateful.
For nature and people who have brought this food, we are thankful.
This food becomes us.
By eating together we become one family on this planet.
Through this food, we all are one.
Let us love each other in this life.
Let us realize our endless dream.

Michio Kushi
in The Book of Macrobiotics: The Universal Way of Health, Happiness and Peace (online aqui)


Obrigado pela citação, Patrícia! Agradeçamos e tornemo-nos todos unos com o universo!

domingo, 20 de junho de 2010

Maratona de Dili

Fiquei em 9º lugar na maratona de Dili - a primeiríssima no jovem Timor-Leste – com o tempo final de 3h08’14”!! Resultados completos aqui.

foto: Luis Candeias



Preparação

Findas as seis semanas necessárias para soldar o mindinho partido a meio de Fevereiro, tinha 12 semanas para treinar para a maratona de Dili - já estava atrasado! Aumentei rapidamente (com maior risco de lesões, que felizmente não aconteceram – obrigado, corpo!) a duração do treino longo semanal. O corpo reagiu bem e em três semanas comecei a correr duas ou mais horas uma vez por semana. Ainda assim, treinei 25% menos kms (ou tempo) que para a abortada maratona de Hong Kong (HKG, em vermelho no gráfico).



A maratona vertical implicou uns treinos de corrida mais leves, para não assassinar as pernas. O esforço diferente de subir escadas acabou por me deixar com umas dorzinhas no tornozelo esquerdo e no joelho direito – alarmes de lesão! Por isso, decidi descansar nas últimas duas semanas antes da maratona como nunca tinha descansado antes para uma maratona.

Na véspera da prova parecia ter conseguido o objectivo de começar os 42 km sem dores nenhumas. Não tinha corrido os kms todos que teria gostado, mas estava confiante na capacidade cardiovascular e muscular de completar a maratona. Só alguma lesão poderia trazer problemas.


Objectivos

Objectivo principal: como sempre, curtir a prova (sim, é possível curtir uma maratona! Ok, talvez não tanto os kms finais...), os outros atletas, o público, Dili, as memórias dos bons tempos passados ali, as emoções de uma infância e juventude plena de causas timorenses... E, como sempre, curtir a prova também passava por fazê-la o mais rapidamente possível e ficar o mais bem classificado possível :)

Objectivos absolutos (i.e., mais ou menos dentro do meu controlo): Visto que a minha preparação tinha sido mais curta que o ideal e que a maratona vertical me tinha deixado com umas dorzinhas a ameaçar lesão, desta vez não me atrevi a fazer estimativas de passagens ao segundo, como fiz para Mumbai e Nova Iorque em 2008. Senti-me em condições de fazer os 42,195 km num tempo entre 3h05’ e 3’20” (o meu pior tempo até ao momento, feito em Mumbai).

Objectivos relativos: Terminar entre os 100 primeiros (pois suspeitava que não haveria mais atletas inscritos na maratona), com esperança de poder ficar entre os 10 primeiros. E quem sabe não seria possível um lugar com direito a prize money (5 primeiros), pódio, ou até ganhar – dependendo da qualidade dos participantes?


Philimon

Na véspera da maratona, ao embarcar (ou mais correctamente, emavionar) no voo Singapura-Dili perdi logo as esperanças de ser o vencedor da prova: lá estava, (já) bem sorridente, o vencedor: um africano esguio com ar de corredor rápido.

Descobri no dia seguinte que era o Philimon Rotich, queniano (de onde mais?) de 29 anos (27 segundo o passaporte, diz ele... o que me deixa a pensar sobre as idades reais de alguns atletas em campeonatos juniores internacionais...).

Segundo me contou, estava ele no Quénia a passear pela Internet à procura de maratonas para correr quando encontrou a de Dili. Viu prize money razoável para o primeiro classificado (5.000 dólares) e grandes possibilidades de ganhar por ser uma maratona pouco conhecida. O Philimon vive de corridas e agricultura. Tem uma quinta comprada com o prize money (20.000 dólares) da sua vitória na única maratona anterior, há uns anos na Itália. Vendeu um animal da quinta para ajudar a pagar os 1.600 dólares da viagem (bem baratinha, eu diria – de fazer inveja a quem quer viajar de Lisboa a Dili; e o animal deveria ser bem valioso, tenho de investigar a espécie e raça!) e pôs-se a caminho. Três dias de viagem, de Eldoret a Nairobi, mais todos os voos e escalas: Nairobi-Istambul-Singapura-Dili.

Reza a lenda* que ao chegar a Dili ele não tinha dinheiro para pagar o visto de entrada (30 dólares). Parece-me mais razoável acreditar que ele não tinha dólares americanos com ele naquele momento (apesar de não parecer muito sensato da parte dele, já que o dólar americano não é propriamente uma moeda rara e difícil de obter). Acho difícil acreditar que alguém viaja do Quénia até Timor-Leste e não tem dinheiro (“penniless”, segundo os media). O Philimon diz que o presidente Ramos-Horta (que, segundo as minhas fontes fidedignas, estava no aeroporto naquele momento, foi avisado da situação e decidiu ajudar o atleta) o convidou para ficar na casa dele durante os três dias em Dili.

No dia seguinte, como previsto, Philimon ganhou a maratona, com o modesto tempo de 2h34’57”, só um minuto menos que o segundo classificado, o timorense Augusto Soares. Queixou-se bastante do calor, mas suspeito que na segunda volta (eram duas voltas de meia-maratona) ele foi a controlar, vendo que não havia forte concorrência (diz que passou a 1h07’ na primeira volta, o que implica ter feito 1h27’ na segunda... não muito melhor do que os meus 1h33’!). Acredito que se tivesse havido necessidade de um sprint final ele teria bastantes energias para investir ainda.

foto: AFP Photo/Mario Jonny Dos Santos (obtida aqui)



O prize money para o vencedor da maratona de Dili do próximo ano (18 de Junho de 2011, segundo anunciado) foi triplicado para 15.000 dólares e o Philimon já disse que vai voltar, desta vez mais preparado para enfrentar o calor (e, digo eu, a concorrência provavelmente muito mais forte atraída pelo apetecível prémio!).

foto: Elias Friedhelm



Entretanto o presidente Ramos-Horta decidiu convidar o Philimon para voltar a Timor-Leste em Setembro, para treinar com os atletas timorenses e partilhar planos e dicas de treinos. Já combinámos provavelmente encontrar-nos quando ele fizer escala em Singapura a caminho de Dili.


Rosa Mota

Eu nunca treino na véspera de uma prova minimamente importante. Nunca. E não estou a ver quem me poderia convencer a fazer de outra forma. Não estava a ver. Até ser convidado para ir treinar... com a Rosa Mota.

Que corredor poderia recusar tal convite? Não seria eu! Nem se no dia seguinte fosse correr a maratona olímpica com ambição à medalha de ouro (talvez nessa situação fosse ainda mais apropriado aceitar o convite!).

A Rosa Mota é alguém muito especial para mim e provavelmente para a maioria dos portugueses (acima dos 25 anos?). E não só: também dos timorenses, dos brasileiros (ganhou a Corrida de São Silvestre de São Paulo entre 1981 e 1986), dos japoneses... E tantos outros (existe até uma banda Rosa Mota) que admiram, ainda mais que os inigualáveis êxitos na maratona, a sua capacidade de espalhar alegria e inspirar.

A Rosa solidariamente teve em conta que eu ia correr a maratona no dia seguinte (as restantes quatro pessoas no treino iam fazer os 5 km) e decidiu que só caminharíamos da praia da Areia Branca até ao Cristo-Rei ali a 2 ou 3 km. Chegados à base do Cristo, comentou que subir escadas (até ao Cristo lá no alto) não era recomendável na véspera de uma maratona e decidiu que voltaríamos para a Areia Branca. Foi um passeio muito agradável que não desgastou minimamente as minhas capacidades físicas e alimentou claramente as psíquicas, graças às energias positivas do grupo e em especial da Rosa, e também ao espectacular cenário de pôr-do-sol e ao tempo relativamente fresco – passava até uma aragem refrescante (provavelmente “fria” para os locais).

foto: Luis Candeias




Para quem não tem visto a Rosa Mota, basta procurar na memória. Está exactamente na mesma desde este evento que parece que foi ontem:



Sério. A mesmíssima estrutura física, o mesmo corte de cabelo, o mesmo sorriso aberto, generoso, sem filtros, a mesma energia física e psíquica, a mesma passada certinha alimentada a pilhas de longa duração, a mesma competitividade, reagindo automaticamente a qualquer ameaça de ultrapassagem mesmo em treino... Mas também o discernimento para saber quando aceitar perder: deixou o Ramos-Horta ganhar-lhe ao sprint nos metros finais da prova de 5 km.

foto: Elias Friedhelm



Atenção a um detalhe importante no vídeo: a Rosa Mota também usa calções vermelhos!! Isso recorda-me do maior elogio que já me fizeram como atleta. Aconteceu em Viana do Castelo há uns meses. Manhã de Dezembro, frio abaixo dos 10º Celsius. Corria eu pelas ruas pedonais do lindíssimo centro da cidade, com os meus famosos calções vermelhos e uma t-shirt de manga comprida. Ao aproximar-me de um grupo de quatro ou cinco senhoras, notei que olhavam para mim e faziam comentários, provavelmente sobre o frio e a minha escassa roupa. Quando passei por elas só ouvi “Ah, a Rosa Mota era a mesma coisa!” Eu e a Rosa Mota a mesma coisa?!!?! O delírio!!!!!!! Achei o comentário demasiado generoso mas claro que gostei de ser comparado a tão ilustre, dedicada e bem sucedida maratonista e pessoa!

Melhor ainda só ter tido a honra de ser chamado “o atleta” pela própria Rosa Mota neste fim-de-semana!


Antes da partida

Pelas 8 da noite comi uma massa bem simples (trazida de Singapura assim garantindo controlo total dos alimentos) para carregar-me de energias. Preparei as coisas para a prova e deitei-me pelas 10 horas. Antes de adormecer reflecti e visualizei o que faria desta maratona uma excelente maratona. Como a curtiria com todos os sentidos, com todo o meu ser (corpo, mente, coração e espírito). Qual o ritmo certo a imprimir, como gerir a energia e os abastecimentos de líquidos e de gel energético. Tudo a postos!

5:00 da manhã. Acordei de uma noite de sono curto, em que acordei muitas vezes, talvez devido ao barulho de uma festa nocturna próxima, o ruído do frigorífico no quarto, alguma ponta de ansiedade pelo excelente dia que me esperava... Cortei o jejum com duas bananas e uma barra de cereais. Despejei líquidos e sólidos para ir o mais leve possível e prevenir dores abdominais.

5:50 da manhã. Saí da “Casa Minha” (onde fiquei hospedado). Noite escura. Temperatura simpática, fresquinha. Galos a cantar.

Para aquecimento, e como meio de transporte, corri devagar (e com atenção para não tropeçar em nada no escuro) os 2 km até ao Palácio do Governo, onde seria a partida e a chegada. Só comecei a suar um pouco ao chegar lá. Temperatura animadora!

foto: Elias Friedhelm
(Nota: Os mais observadores terão reparado que não usei os meus calções vermelhos nesta prova; a razão é prática - estes calções pretos têm um bolso simpático onde posso levar gel energético)



Ao chegar veio logo falar-me o Philimon, lembrando que nos tínhamos visto no avião na véspera: “Olá, como estás?” Falámos dos tempos esperados para a prova e confirmámos que não entraríamos em competição directa: ele esperava fazer algo próximo de 2h20min. Ele estava com sede e partilhei um pouco da água que tinha trazido comigo. Recordando uma corrida de “10” km que fiz em Dili em 2003, lembrei-me de lhe recomendar que tivesse cuidado para não se enganar no percurso, já que muito provavelmente ele lideraria a prova e talvez não estivesse super bem indicado.

Sentia algum sono, devido à madrugada e a ter dormido pouco nos dias anteriores, com jet lag por ter voltado da Europa recentemente. Mas sentia-me muito bem e estava a curtir muito o ambiente, as boas energias no ar. Tinha um sentimento de que ia ser uma grande corrida! :)

Despejei uns últimos líquidos e tomei um gel energético. Vamos lá!


Partida

Claro que decidi partir ao lado do Philimon. Se não o fizesse aqui, não sei quando seria a próxima oportunidade de partir ao lado do vencedor de uma maratona! E quem sabe ele não me passaria algum talento corredor por osmose?

O presidente Ramos-Horta deu a partida com uma buzina prolongada. E durante umas gloriosas décimas de segundo fui o líder da primeiríssima maratona internacional de Dili, ao ser o primeiro a reagir à buzina!

Mas logo o Philimon e uma tropa de entusiasmados timorenses se lançaram para a frente num ritmo claramente acima do que eu queria imprimir à corrida. Calculei que ficaram à minha frente naquele arranque pelo menos 30 atletas, talvez 40. Pensei que veria muitos “morrer” e ficar para trás nos poucos kms seguintes, mas, para minha surpresa, isso não aconteceu – aquele pessoal aguentou-se muito bem!

Segundo me comentou depois a Lucie, vencedora feminina, as atletas timorenses picaram-se com ela nos kms iniciais: cada vez que ela começava a passá-las, elas arrancavam para a frente. Mas não foram só elas que começaram rápido de mais: a própria Lucie passou a 1h26’ na meia maratona e terminou em 3h03’ – ou seja, a segunda metade foi bastante mais lenta, em 1h37’. O Philimon fez 1h07’ + 1h27’...

foto: Elias Friedhelm



Eu próprio, pensando que tinha arrancado num ritmo bem controlado, passei no primeiro km em 4’16”, em vez dos desejados 4’30”/km. Bom saber que conseguia correr a 4’16” sem qualquer esforço! Mas logo levantei o pé do acelerador e acertei o velocímetro no km 2.


Primeira meia-maratona

Corri ao lado de outro atleta (Michael Parr, um “ocidental”) do km 3 até ao 16. Íamos num ritmo certíssimo de 4’30”/km (perfeito para terminar os 42 km em 3h10’) que se sentia bastante fácil (como teria de ser se ambicionávamos correr 42 km), passando um ou outro atleta que tinha começado rápido de mais.



O piso era bom, de alcatrão em bastante bom estado. A cada 3 kms havia um posto de abastecimento muito apreciado, com água e bebida energética. Esforcei-me por beber sempre alguma coisa em cada posto, sabendo que ia perder muita água naquelas 3 horas.

Passámos por vários bairros nos arredores de Dili. As pessoas tinham saído à rua e observavam – a maioria em silêncio – os loucos corredores (quase ninguém imaginava que estávamos a correr 42 km, suspeito). Aqui e ali uns gritos de incentivo ou de gozação. Ouvi muitas vezes “malae” (estrangeiro), sabendo que falavam de mim e do meu companheiro de ritmo. Os miúdos pequenos eram geralmente os mais expressivos. E eu ia respondendo com “Bom dia” e “Obrigado”.

Passei por vários amigos e conhecidos timorenses, líderes das federações desportivas, que obviamente não me tinham visto até eu gritar “Olá João/Filomeno/Carlos/Victor!”. Divertido e energizante encontrar gente conhecida de forma inesperada!

Na segunda principal subida do percurso (nenhuma delas muito íngreme) o Michael ficou para trás (acabou em 3h27’). Arranjei então companhia de um dos muitos timorenses de calções verdes com listras amarelas (das Falintil-Forças de Defesa de Timor Leste, descobri mais tarde). Juntos ultrapassámos um grupo de seis atletas: cinco rapazes que pareciam acompanhar uma rapariga. Pelas minhas contas ainda havia pelo menos 20 atletas à nossa frente.

Passámos na meia-maratona num tempo perfeito para as minhas ambições: 1h34’37".


Segunda meia-maratona

Ao passar na meia-maratona sentia-me muito bem em termos energéticos e cardiovasculares. Mas estava a sentir bastante os tornozelos e as pernas e comecei a pensar que poderiam começar a doer “demasiado” (seja lá isso o que for...). Acho que foi a primeira vez que passei a metade da maratona e fiquei a pensar que 42 são muitos kms! (Em Nova Iorque eram “só” 26 milhas – e o número mais baixo ajuda realmente a encarar a corrida!) Estava difícil de imaginar manter o ritmo na segunda volta, e por isso decidi não pensar no assunto e simplesmente continuar a correr. As boas notícias eram que o temido calor não se fazia sentir: estava quente, mas corria uma brisa suave até refrescante – algo que eu nunca tinha sentido em Dili antes!

Felizmente, em parte provavelmente por ter entrado em algum tipo de transe, de estado alterado de consciência (sempre bastante lúcido – não se preocupem, pais!), os kms começaram a passar muito mais rapidamente. Psicologicamente, claro: na verdade o relógio continuava a marcar kms próximos dos 4’30”, por vezes um pouco abaixo. Excelente!

Rapidamente (bom, uns 35 minutos depois) cheguei ao km 29 e o ritmo continuava o mesmo! Até houve ali uns kms mais rápidos, próximos dos 4’15”/km!).

Nota: Entre os km 5 e 18 não pude marcar as passagens por km (não estavam bem assinalados), por isso o gráfico mostra o ritmo médio nesses 13 kms



Então comecei a contagem decrescente: 13 km fazem-se em 1 hora... 12 km...11... 10... Depois de passar a primeira timorense, ali pelo km 34, nunca mais vi outros atleta. Aliás, nos kms finais não havia nenhum atleta 1 km à minha frente nem 1 km atrás. Estava completamente em contra-relógio individual.

Pelo km 35 um grupo de miúdos deve ter lido a bulicena sobre a maratona de Nova Iorque e decidiu reproduzir o túnel de energia! Fizeram uma barulheira espectacular que me induziu excelentes descargas eléctricas pela pele e espinha dorsal. Mas a maioria das pessoas que se tinham juntado à volta da estrada olhavam sem se manifestar. Ainda assim, melhor do que ruas totalmente desertas – obrigado!


Meta

Pela segunda vez, depois da maratona de Nova Iorque, não houve muro! A estratégia de abastecimento de bebida energética a cada 3 km e gel energético a cada 12 km (três em total) funcionou muito bem!

Mas começava a sentir vontade de andar... de chegar à meta e finalmente parar de massacrar as pernas e tornozelos! Os quatro kms finais (felizmente em descida e planos) custaram bastante a passar. Pareciam mais compridos que na (exactamente igual) volta anterior. Nada como viver o presente, com equanimidade, e perceber que continuava a avançar ao ritmo de sempre e mais cedo ou mais tarde a meta passaria por mim.

foto: Luis Candeias



A menos de 1 km da meta, já na marginal junto ao mar, vinha na direcção contrária pessoal que tinha acabado a meia-maratona e pararam para me aplaudir e incentivar – obrigado!! Já vinha ali a curva antes da meta! Como nos jogos de computador, as baterias recarregaram-se com a perspectiva de estar a acabar e com a energia emanada pelos espectadores, cada vez mais, e mais animados e animadores! Recta final, meta à vista. Olhei o relógio junto à linha de chegada: acabava de marcar 3:08:00. Multidão a aplaudir. Vozes familiares a darem uma força especial para terminar forte. Agradeci. Acelerei o que as pernas permitiram. Curti o momento. Cruzei a meta. Já está!! Finalmente posso andar. :)

foto: Luis Candeias




Rescaldo em família

Participar numa prova com poucos atletas (79 na maratona) tem várias vantagens para além da garantia de um lugar nos top 100. O melhor de tudo é o ambiente familiar e o privilégio de conhecer e falar com toda a gente, especialmente num país relativamente pequeno (1 milhão de habitantes) como Timor-Leste.

A Rosa Mota veio procurar-me depois da prova. Elogiou o tempo final, achando que 3h08’ aqui valiam até mais que as 2h57’ de Nova Iorque (dadas as diferenças de temperaturas). Falámos sobre os diferentes níveis de “estragos” causados por uma maratona e os tempos de recuperação variáveis entre atletas. Ela podia treinar normalmente no dia seguinte a uma maratona. Eu tenho de dar uns dias de descanso às pernas para se reconstruírem.

Simpaticamente, o embaixador de Portugal, Luis Barreira de Sousa, também me felicitou e se interessou pelos meus projectos desportivos e profissionais. Tive até oportunidade de trocar umas impressões com o presidente Ramos-Horta sobre o desenvolvimento desportivo em Timor-Leste.

foto: Gaia Discovery



Na entrega de prémios estive na conversa com o Philimon [acabou de me ocorrer: será que ele conhece Mortadelo y Filemón??] e foi aí que fiquei a saber um pouco mais sobre a história dele.

foto: Gaia Discovery



E mesmo à minha frente estava sentado um rapaz timorense cuja cara me era familiar... Cumprimentou-me e lembrou-me que eu lhe tinha dado uma t-shirt há uns anos. Finalmente, ao vasculhar em fotos de 2003, lembrei a história: era o Calisto da Costa - o melhor corredor timorense aquando da minha primeira visita (tinha participado nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000, completando a maratona no respeitável tempo de 2h33'11"). Ele ia ser entrevistado para uma reportagem televisiva e, como não tinha uma camisola de corrida, eu ofereci-lhe a minha, que tinha sido da selecção nacional de pentatlo uns anos antes (e estava em bom estado porque praticamente eu só a tinha usado em provas internacionais – sério!). Ele tem excelente memória!




Alcino

Mas o momento alto da entrega de prémios foi quando Ramos-Horta chamou o “verdadeiro herói”, (palavras dele) para ser homenageado. Ninguém menos que o mais famoso atleta paralímpico timorense: Alcino Pereira.

foto: Elias Friedhelm



Descobri então que ele tinha feito a maratona completa! 42 km. Qua-ren-ta e dois qui-ló-me-tros. Quarenta e dois. 42.195 metros. 5 horas, 47 minutos e 26 segundos. Fiquei até meio envergonhado de estar orgulhoso do meu feito. O Alcino não tem a mesma facilidade de movimentos e o mesmo controlo motor que eu tenho ou que a maioria dos leitores das bulicenas têm. Mas não lhe falta força de vontade, determinação, disciplina. Provavelmente muito acima de qualquer um de nós. Desde a minha primeira missão olímpica em 2003 que conheço o Alcino e o admiro pela constância nos treinos (deve ser o único que está lá todos os dias, faça chuva, sol ou temporal), a dedicação total ao atletismo. E, ainda mais inspirador, pela boa disposição e amizade, sempre pronto para um potente aperto de mão ou um abraço apertado. Não pares, Alcino!!




A maratona de Nova Iorque foi espectacular, mas, a maratona de Dili, tão familiar, foi ainda melhor! Animação total.


Agradecimentos

À Filipa e ao Luis pelo incrível apoio logístico e moral, convívio e reportagem fotográfica.

Ao Pedro pelo convívio e marcação do excelente alojamento na Casa Minha.

À Rosa pela sempre fantástica disposição, simpatia, boas energias, conselhos sábios de milhares de kms de experiência, muita inspiração!

Aos atletas, timorenses e estrangeiros, que aceitaram o desafio!

A todos os que me apoiaram e apoiaram os outros atletas ao vivo: Maria João, Filipe, Afrânio, João, Carlos, Filomeno, Victor, e outros milhares espalhados pelas ruas de Dili e arredores.

Aos que enviaram boas energias, ondas telepáticas e palavras de apoio - família, amigos e simpatizantes!

Ao Elias e Mallika (Gaia Discovery) pelas fotos.

À Gina e todo o pessoal da Casa Minha pela simpatia, hospitalidade, excelente serviço, e pelo luxo de uma piscina óptima para arrefecer e descontrair depois da prova.

Aos organizadores e voluntários que montaram uma prova muito boa, bem organizada, um óptimo percurso (melhor só se fosse uma volta de 42 km!), bons sistemas de abastecimento e apoio médico.

Ao presidente Ramos-Horta por continuar a estimular o desporto como ferramenta de paz e desenvolvimento.



*A julgar pela quantidade de notícias que rapidamente se espalharam pela Internet fora, com informações claramente incorrectas (óptima contribuição para o meu forte cepticismo quanto ao sentido de verdade dos jornalistas – desculpem a generalização, se houver por aí algum jornalista que rigorosamente nunca “ajusta” os factos). Vejamos por exemplo esta notícia da supostamente respeitável agência noticiosa alemã, Reuters. Informações incorrectas, tanto quanto sei, e que seriam (a) tão facilmente verificáveis se o jornalista se desse ao trabalho ou (b) tão facilmente omitidas porque nem são muito relevantes (excepto talvez o facto de ele ter corrido a maratona):
- a idade do Philimon não é 33, mas sim 29 (ou quanto muito 27, segundo o passaporte...)
- o visto de entrada custa 30 dólares, e não 40
- ele participou na maratona, e não na meia-maratona
- ele obviamente não “spotted President Jose Ramos-Horta in the airport” porque claro que ele não conhece a cara do presidente. Consta que o presidente estava naquele momento no aeroporto, foi informado da situação e veio falar com o Philimon – muito mais verosímil, não?
Claro que fico a pensar se estes jornalistas são desonestos ou simplesmente ingénuos, burros ou estúpidos, e se as citações supostamente do Philimon alguma vez foram proferidas. Especialmente quando este padrão de as notícias não corresponderem aos meus conhecimentos de factos ou palavras se repete quase sempre que tenho oportunidade de ter informação em primeira mão. Para ficção e palavras bonitas posso ler romances, obrigado!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

E no dia seguinte já não escreveu.

A morte só importa realmente a quem fica. Quem parte deixa saudades em quem lhe sobrevive. E as bulicenas estão de luto pela morte do Saramago hoje. Não por amor, nem por pena, nem particular tristeza. Afinal, nunca conheci o homem. Pelo menos não ao vivo, porque pela escrita parece-me que o conheço bastante.

As bulicenas estão de luto por motivos totalmente egoístas (aliás, como de costume - não são por exemplo as saudades sempre egoístas?): agora sei que tenho um número limitado de obras do Saramago para ler. Talvez leia ainda mais devagar as que ainda não conheço, para as fazer render e melhor saborear. E por que não reler as que li e que não recordo bem? Tenho a certeza de que continuarei a fascinar-me repetidamente pela perspicácia, conhecimento da natureza humana, análise fina da língua, da etimologia, dos significados por trás da fachada.

Fui reler o que escrevi nas bulinovas sobre o Saramago, quando estava em Timor há 7 anos. Continua a ser muito válido. Entretanto li mais uns livros e considero a escrita samaraguiana cada vez mais brilhante. Os livros do Saramago para mim dividem-se entre excelentes e absolutamente espectaculares. Não leio assim tanto, mas entre os que conheço Saramago é provavelmente o meu escritor favorito. Intermitências da Morte é certamente o livro mais divertido. Ensaio sobre a Cegueira (que costumo oferecer a quem nunca leu Saramago) é o mais... murro-no-estômago? Ensaio sobre a Lucidez é melhor que o Contra-informação como caricatura do mundo da política (nacional?) e arredores - igualzinho ao que vejo no telejornal quando passo por Portugal (não sei o que passa nos telejornais de outros países porque vejo zero televisão).

Não li o recente Caim, mas li o mais antigo Evangelho Segundo Jesus Cristo, que também provocou bastante burburinho. O que seria mesmo lindo seria o Saramago enviar de lá onde esteja (se é que "está") um post-mortem com a sua análise do mais-além. Nada que nos surpreendesse se se passasse num dos seus romances.

domingo, 23 de maio de 2010

Maratona Vertical de Singapura

Fui terceiro na Maratona Vertical Nacional de Singapura!! 63 andares, 282 metros de altura, em 10'05"!




Perguntas Frequentemente Perguntadas

O que é uma maratona vertical? 42km a subir??
Uma maratona vertical é uma prova de corrida a pé em que os atletas sobem escadas até ao topo de um edifício ou torre de altura considerável, geralmente o edifício mais alto na cidade.

Que ideia foi essa de participar numa maratona vertical??
Que pergunta complicada! Provavelmente a mesma doença crónica e grave que me leva a fazer pentatlos, triatlos, maratonas, corridas de aventura... e outras maluquices desportivas.

Mas... mas... como é que isso funciona?! Milhares de pessoas desatam a correr aos encontrões escadas acima?? Quantas mortes costumam ocorrer em cada prova??
Não, os atletas não partem todos ao mesmo tempo como costuma acontecer nas maratonas horizontais (ou pelo menos não foi assim nesta prova - foi a minha primeira, portanto não sei bem o que é habitual, mas suspeito que seja desta forma). Os atletas partem em grupos pequenos (hoje éramos 5 em cada grupo), com partidas separadas (hoje a cada 2 minutos).

Como é que se treina para uma maratona vertical??
De acordo com os princípos do treino: em especial, o princípio da especificidade sugere que é boa ideia treinar subindo escadas.


Preparação

Inscrevi-me nesta prova há uns 2 meses, quando estava a terminar de soldar o mindinho partido em Fevereiro. Como achava que ainda era boa ideia evitar calçar sapatos, decidi fazer um exercício que não mexesse muito com o mindinho: subir escadas de chinelos! Durante um par de semanas passei a quase só subir até casa (22º andar) pelas escadas. Fiquei surpreendido logo no início por nem custar tanto quanto eu esperava. Num ritmo relativamente lento (de 2 em 2 degraus) conseguia subir em 3 minutos e pouco. Poucos dias depois já conseguia subir em 2 minutos e pouco (6 a 7 segundos por andar).

O mindinho voltou a funcionar e eu voltei a correr. Nas primeiras corridas depois de 6 semanas parado os músculos das pernas ficaram bastante cansados e deixei de subir escadas para conseguir recuperar mais rapidamente. Fiz o triatlo de Singapura e depois comecei a aumentar rapidamente os kms de corrida (testando a possibilidade de correr a maratona de Dili em Junho), além de fazer um par de treinos longos de bicicleta. De novo pernas cansadas e férias de escadas. Fui 10 dias até Sydney e, entre bastante ocupado e falta de prédios altos, continuei sem treinar escadas (mas continuei a correr bastante).

Voltei a Singapura há 10 dias... e urgia subir escadas! A minha capacidade cardiovascular estava em razoável forma graças à corrida, mas o esforço muscular nas escadas é muito diferente. E não tinha grande noção do ritmo que conseguiria manter durante 63 andares. Na verdade, nem estava 100% confiante de conseguir subir 63 andares mantendo algum tipo de ritmo!

Então decidi bombar alguns treinos para o corpo e a mente se familiarizarem com o desafio de hoje. Fiz alguns treinos de repetições de escadas: subir 20 andares, descansar ao descer no elevador, subir 20 andares, descer no elevador, subir 20 andares... Sempre sem usar as mãos nem apoiadas nos joelhos nem no corrimão, para usar os músculos das pernas ao máximo. E nunca correndo: apenas andando rápido de 2 em 2 degraus, já que verifiquei que subir a correr não era sustentável.

Os dias mais puxados foram:
- 4a feira = 5 x 20 andares de manhã (2'10" em cada subida, 1'30" de descanso) + 5 x 20 andares à tarde + 60' de corrida
- 5a feira = 3 x 39 andares (4'45" em cada subida, 3' de descanso; descobri um prédio de 40 andares aqui perto! E aqui o r/c é o andar 1, daí os 39 andares)

O último treino deu-me a confiança de saber o ritmo a manter na maratona vertical, e de saber que conseguiria completar a prova sem morrer.

Já que era uma prova em que ia aumentar significativamente a minha energia potencial gravítica (E = m.g.h = energia = massa vezes aceleração gravítica vezes altura), e visto que não poderia facilmente alterar nem a aceleração gravítica nem a altura a subir, decidi minimizar a minha massa: cortei o cabelo e as unhas, fiz a barba [excelente observação, João - obrigado por lembrares!] levei os meus ténis mais leves (pensei em correr descalço, mas não sei se seria confortável) e fui à casa-de-banho várias vezes na manhã da prova largar o lastro possível.

A única outra coisa que também poderia ter feito (além de treinar mais) seria ter ido ver como eram as escadas no One Raffles Place - o prédio mais alto de Singapura. Mas não deu jeito passar lá e nem sabia se seria muito fácil ter acesso às escadas porque é um edifício de escritórios.


Execução

O plano hoje de manhã era simples: sair à frente do meu grupo (para minimizar ultrapassagens nas escadas) e entrar no ritmo dos treinos até chegar ao topo. Tinha a ambição de ficar bem classificado (tipo 15 primeiros) e estava confiante em conseguir: não acreditava que houvesse tantos loucos que além de se inscreverem nesta maluquice ainda se dessem ao trabalho de treinar para ela!

Se os andares fossem semelhantes em altura àqueles em que eu tinha treinado, o plano era completar a prova em menos de 8 minutos, talvez uns 7'30". Tinha ouvido falar de tempos abaixo dos 7 minutos para os vencedores, portanto não tinha esperança de ganhar.

Na partida coloquei-me logo à frente dos outros 3 atletas (faltou um dos 5 do meu grupo), dei uma corrida nos 20 metros até às escadas e... mãos à obra! Sim, mãos à obra: usei a mão direita para me puxar para cima com o corrimão, e a mão esquerda apoiada no joelho esquerdo para aliviar os músculos da perna.

Cometi um erro básico de principiante: comecei rápido de mais! A adrenalina já me tinha levado a lançar-me às escadas um pouco rápido, e ao sentir que um dos atletas do meu grupo se estava a aproximar acho que até acelerei um pouco. O atleta que vinha atrás rapidamente "morreu" e deixei de o ouvir. E eu rapidamente percebi o erro estúpido quando senti que a pulsação já estava acelerada e a respiração pesada como se estivesse 30 andares mais acima. Restava-me manter aquele ritmo até ao fim!

A primeira vez que olhei para a parede a ver em que andar ia, pensando que ainda não tinha passado do 10º, já ia no 15º. "Fixe! 25% da prova!"

Pouco depois havia um abastecimento de água mas eu achei que não precisava. Mas logo a seguir a boca decidiu reclamar e senti-a muito seca. Então aceitei um copo no abastecimento seguinte.

Entretanto comecei a ultrapassar alguns atletas das partidas anteriores. O mais chato da ultrapassagem era ter de largar o Santo Corrimão que tanto me ajudava na subida!

No 31º andar olhei para o relógio e tinham passado 4'30". Se mantivesse o ritmo seriam uns 9 minutos até lá acima... mas não estava a contar com os primeiros andares mais rápidos.

Reparei que os andares eram mais altos que no meu prédio: em vez de 8 passadas entre andares, eram 11,5 - ou seja, cada andar era uns 40% mais alto... o que justificava o tempo mais lento.

Andar 50! Cansado, coração bem acelerado como não tem ficado nas minhas corridas, mas confiante em que não iria "morrer". Andar 60 - o ânimo de estar quase a acabar! Mas insuficiente para acelerar. 61... 62... 63... Hei! Não acabava aqui? Afinal havia mais 1/2 andar até ao terraço. Meta à vista! 10 metros planos até à meta, que ainda consegui semi-correr... missão cumprida!


Resultados

Ao chegar sabia o tempo final pelo meu relógio, mas não fazia ideia da minha classificação. Os resultados não estavam a ser publicados em lado nenhum, e ainda faltavam partir muitos grupos.

Apreciei a magnífica vista do topo do prédio. Dá para ver toda a ilha, especialmente o centro da cidade. Espectacular. Ainda mais depois de 10 minutos da "maratona" com as paisagens mais aborrecidas que já fiz: escadas estreitas e escuras, sem qualquer vista para o exterior.

Depois meti conversa com o corredor de um braço. Estava lá em cima todo bem disposto e a distribuir boa disposição. Entre outras coisas falou-me da Maratona Vertical do Swissôtel - o hotel mais alto de Singapura (e em tempos do mundo). Provavelmente a participar em Novembro! Os dois primeiros classificam-se para a Maratona Vertical do Empire State Building!

Fui para casa sem saber a minha classificação. Disseram-me que me ligariam se tivesse ficado nos 20 primeiros. E umas horas depois ligaram-me a pedir que fosse receber os prémios pelo terceiro lugar!




Próximos degraus?

Como se pode perceber, estou com aquele entusiasmo de quem acaba de descobrir um novo mundo a explorar: as maratonas verticais. Parece que há um monte de provas destas aí pelo mundo e até um Circuito Mundial Vertical - vou prestar atenção e provavelmente fazer mais algumas. Nunca gostei de trabalho de musculação, subir escadas parece uma excelente alternativa para fortalecer as pernas!

Ser campeão mundial não parece fácil e duvido que me motive. Já percebi que o homem a abater seria o alemão Thomas Dold, que ganhou a prova do Empire State Building nos últimos 5 anos (e é também campeão e recordista mundial de "corrida para trás" - retro-corrida? retro-atletismo? - em várias distâncias).

No dia 20 de Junho correrei mais uma maratona horizontal: a primeira maratona de Dili! Quem sabe não consigo mais um excelente resultado internacional?

Entretanto vou correndo as outras corridas da vida! Vemo-nos no topo! :)